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Sofia Santos: “A dança não é um desporto, mas um bailarino tem de ser um atleta”

Artes

Aos 16 anos, Sofia Santos é aluna da Escola de Dança do Conservatório Nacional, em Lisboa, sonha com uma carreira internacional como bailarina e, mais tarde, como coreógrafa.

Sofia Santos não se lembra de ter começado a dançar, mas rapidamente recorre às memórias da família para contar à Aveiro Mag o dia em que, com apenas dois anos de idade, acompanhou a mãe a um estúdio, em Aveiro, onde a progenitora praticava dança contemporânea. “Nesse dia, estava a haver uma aula para os mais pequeninos – alunos com 3 anos – e eu fiquei logo ali. Era o LP Studio, onde pratiquei dança por mais de treze anos. A princípio, pelo que me contaram, a minha professora dava as aulas quase todas comigo ao colo. Eu só queria ir para o chão quando chegava a parte dos saltos. Nessa altura fazíamos, essencialmente, trabalho de chão, exercícios de flexibilidade e começávamos a aprender aqueles conceitos básicos – fazer um plié, um tendu ou correr em meias pontas”.

Aos 16 anos, uma das memórias que esta jovem bailarina, natural da Gafanha da Nazaré, guarda com maior carinho remonta a um dos primeiros espetáculos em que se apresentou ao vivo. A foto que serviu de cartaz para essa demonstração mostra a pequena Sofia, fixa no olhar da professora, pronta para seguir qualquer instrução. “É uma das melhores fotos da minha infância”, afirma.

O sonho da dança acompanha-a desde essa altura. “Acho que, logo muito pequenina, tive logo esta certeza. Lembro-me de estar na pré-primária e dizer que queria ser professora de dança. Cresci a apostar nisto e a gostar muito de fazer isto”, relata Sofia. Ainda assim, quando chegou a altura de definir o rumo a seguir no ensino secundário, “não foi nada fácil” convencer alguns membros do seu núcleo mais próximo de que a dança era mesmo o seu caminho. “Lutei, empenhei-me ao máximo e isso ajudou a transmitir-lhes uma certeza que, para mim, já era antiga”, recorda a jovem. Uma masterclass, no Porto, ajudou a abrir-lhe as portas da EDCN - Escola de Dança do Conservatório Nacional –, no coração do Bairro Alto, e, quando finalmente se mudou para Lisboa, a aceitação foi mais célere. Já não era só a fantasia de uma adolescente deslumbrada, mas a nova realidade de uma bailarina hábil e comprometida.

Atualmente, a frequentar o 11.º ano, Sofia cumpre um horário extenso e exigente, dividido entre “disciplinas académicas” – Português, Inglês, Filosofia e História da Cultura e das Artes (com especial ênfase para a História da Dança) –  e “disciplinas artísticas” – técnicas de dança clássica e contemporânea e abordam os respetivos repertórios – estudam bailados ilustres e trabalham coreografias já existentes –, treinam o pas-de-deux (francês para “passo a dois”), isto é, a capacidade de sincronia em situação de pares, aprendem sobre composição – métodos de criação e exploração do movimento corporal –, sobre música, e ainda têm uma disciplina – Seminário – , na qual dedicam cada trimestre a uma matéria distinta – ioga, anatomia, danças espanholas...

Um dos fatores que, admite Sofia, ajudou a credibilizar a sua vocação e a legitimar o sonho da dança perante os olhares mais céticos de alguns familiares e amigos, foram os prémios. Em fevereiro, Sofia foi uma das alunas propostas pela EDCN para participar no “Tanzolymp”, em Berlim. “A escola quis levar a concurso um solo meu de contemporâneo coreografado pela minha professora Catarina Moreira”, explica a bailarina. “Ensaiámos muito, fomos para palco e correu tudo bem”, resume, a propósito de uma prestação que lhe valeu o ouro naquela competição internacional de dança. Alunos da EDCN arrecadaram ainda outro “golden prize” para performance de grupo em dança contemporânea e três bolsas de estudo atribuídas por prestigiadas escolas na Alemanha e na Suécia.

Na altura, a ida dos alunos da EDCN àquele concurso internacional em Berlim foi notícia não só pelos prémios conquistados, mas também pelo facto de os custos de participação terem sido suportados pelos alunos e pelas suas famílias. Sofia Santos conta que, perante a ausência de quaisquer apoios por parte do Estado ou de entidades privadas, “professores e alunos juntaram-se para angariar fundos para ajudar a suportar os custos daqueles que teriam maiores dificuldades em pagar”. “Umas turmas venderam t-shirts e sacos, outras fizeram bancas de comida... no final, conseguimos com que todas os bailarinos propostos pela escola conseguissem ir e isso é o mais importante”, lembra a jovem, não deixando de lamentar que alguns colegas – e as respetivas famílias – se tenham visto obrigados a uma complexa ginástica financeira para poderem abraçar aquela oportunidade e representar a dança portuguesa num palco internacional.

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É curioso que, de todos os concursos de dança em que Sofia já participou, um dos que recorda com maior entusiasmo é o Dançarte, realizado em abril de 2022, no Teatro das Figuras, em Faro, quando ainda era aluna do LP Studio: “Não ganhei absolutamente nada, mas a competição era mesmo muito boa. Lembro-me, por exemplo, de ver a apresentação da rapariga que estava antes de mim e de ficar deslumbrada com o solo dela; lembro-me de pensar o quão grata estava só por poder estar naquele lugar”. A rapariga a Sofia se refere era Rita Salazar, bailarina da Companhia de Dança do Algarve, que viria a conquistar o 2.º lugar na categoria de solista, no seu escalão, e que, poucos meses depois, tornar-se-ia amiga de Sofia, no âmbito de um projeto muito especial. Nesse verão de 2022, doze jovens bailarinos – entre os quais, Sofia e Rita – provenientes de escolas de dança de todo o país foram selecionados para participarem no “Território”, um projeto dos Estúdios Victor Córdon que lhes proporcionou uma experiência profissionalizante com coreógrafos do circuito internacional. Naquela que foi a 5.ª edição do projeto, os bailarinos tiveram um mês para desenvolverem duas peças – uma peça do repertório de Marcos Morau, coreógrafo de referência e fundador da companhia La Veronal, em Barcelona (a peça foi ensaiada por Jon López, assistente do catalão), e uma peça criada pela canadiana Dorotea Saykaly. Depois de duas apresentações no Teatro Nacional São João, no Porto, e outras duas no Millennium Festival ao Largo, em frente ao Teatro Nacional de São Carlos, em Lisboa, o espetáculo ainda subiu ao palco do Teatro José Lúcio da Silva, em Leiria. “Foi uma das experiências mais marcantes da minha vida”, recorda a bailarina da Gafanha da Nazaré.

Sofia Santos não esconde o desejo de vir a construir uma carreira internacional, primeiro, como bailarina, mais tarde, como coreógrafa. A jovem acompanha o trabalho de vários bailarinos e coreógrafos profissionais, tem no virtuoso “Dom Quixote” um dos seus bailados de eleição, no NDT – Nederlands Dans Theater – uma academia de referência e em Marcelino Sambé um exemplo de esforço e superação – aos 30 anos, o jovem português e antigo aluno da EDCN é bailarino principal do Royal Ballet, em Londres –, mas também de modéstia e generosidade.  

A possibilidade trabalhar a expressão física de forma artística e de ver o corpo como ferramenta para contar histórias e transmitir sentimentos é o que mais cativa Sofia Santos na dança. Talvez, por isso, tenha na dança contemporânea a sua “área de especialidade”. “Sou fã de contemporâneo. Por contraste ao Clássico, em que é preciso mais calma, foco e capacidade de me autocentrar, o Contemporâneo traz-me liberdade, diversão e adrenalina”.

Apesar de ser fisicamente desgastante, a auto sobrelevação aquando da conquista de um passo ou movimento é potenciadora de uma energia única. “Sou capaz de começar uma aula mesmo cansada, sem vontade de estar ali que, quando termino, se a aula tiver corrido bem, sinto que me foram renovadas as baterias”, descreve Sofia. No fundo, “a dança não é um desporto, mas um bailarino tem de ser um atleta”, compara, sublinhando as obrigações as que ambos estão sujeitos. Uma coisa é certa: “estar em palco é uma recompensa que vale por todo o esforço”.

Ora, se, fisicamente, a dança pode deixar um bailarino de rastos, o que dizer do efeito exaustivo que gera na mente? Antes de mais, há que perceber que “a dança é muito condicionada pela estética, pelo corpo e pelas nossas condições físicas e, por vezes, é difícil aceitar que temos de trabalhar com as condições que temos. Há coisas que não podemos mudar, pelo que a arte está em aprender a trabalhar com o que temos, mas isso pode ser duro”, introduz Sofia. “Qualquer pessoa emocionalmente mais frágil pode ir-se abaixo facilmente”, assegura a bailarina, propondo a seguinte analogia: “Da mesma forma que os músicos têm os seus instrumentos e os artistas plásticos têm as suas tintas, o objeto de criação dos coreógrafos são os bailarinos”. A diferença é que, contrariamente aos instrumentos musicais ou aos pinceis e pigmentos, os bailarinos são seres humanos e “há coisas que os bailarinos ouvem que ninguém deveria ter de ouvir”.

Levantam-se questões: “Até onde é que um coreógrafo pode ir nas exigências que faz a um bailarino?”; “Até onde é que um bailarino deve ceder?”. Estas e outras perguntas habitam, certamente, o leque de preocupações de muitos coreógrafos e bailarinos um pouco por todo o mundo, mas a sua complexidade faz com que sejam de resposta difícil. “É complicado estabelecer limites. Como seres humanos, os bailarinos não deviam ser expostos a certo tipo de comentários e exigências. Por outro lado, é legítimo os coreógrafos procurarem os profissionais que melhor executem a sua visão estética e artística”. No essencial, conclui a jovem, o mais importante é que “todo o bailarino tenha o seu lugar”. “Todos os que têm talento, que se dedicam, trabalham e fazem por ser melhores, devem ter lugar numa companhia ou num projeto, como bailarinos, coreógrafos ou professores”. “Haverá sempre um coreógrafo que vai gostar mais das pernas alongadas, outro que vai valorizar particularmente a cintura fina e outro ainda para quem as ancas largas são característica fundamental. Mas também há quem consiga ultrapassar as características físicas de um bailarino em virtude das suas qualidades técnicas”, crê a bailarina.

 

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