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Paulo Pinheiro: num T0 cabem todos os sonhos do mundo

Gastronomia

O melhor dos sonhos, é que eles são livres. Podem ter asas, podem ser em forma de férias numa ilha paradisíaca, podem ser do tamanho deste mundo e do outro, ou, como neste caso, podem ser em forma de um T0. Um espaço pequeno, que tem tudo para crescer, mas onde cabem todas as ambições, todas as ideias, todas as esperanças, todos os sabores.

No toldo inicial, do espaço original, surgia a frase misteriosa: “Visite o andar modelo”. Paulo Pinheiro, sempre com aquele ar de puto de rua, feliz e livre, recorda à Aveiro Mag, a história do TêZero, um espaço único em Aveiro, que hoje é dos mais visitados e requisitados da cidade, mas que começou como um sonho de menino.

“Quando tinha seis ou sete anos surgiu a tipologia dos apartamentos, os T0, os T1. E achei piada, pensando que no dia em que tivesse um negócio, que lhe chamaria de T0, porque seria o primeiro, porque dá para crescer”. O facto de ser um negócio de tripas foi um acaso. Ou, mais do que isso, foi uma ideia construída a partir do gosto de comer tripas.

“Quando era miúdo ia para a praia com os meus pais. Ele alfaiate. Ela costureira. Como trabalhavam em casa, podiam também trabalhar fora de casa. Em qualquer lugar. Por isso, no verão, íamos para a praia bem cedo. Em determinadas alturas do dia, eu pisgava-me e ia para o paredão, e ficava bem ao lado do quiosque das tripas. Eles já me conheciam e quando alguma tripa corria mal ou se enganavam, davam-me as sobras. E eu comia, satisfeito, até ficar cheio. E feliz”, explica.

A vida seguiu e a escola ficou para trás aos 14 anos. O trabalho foi o caminho escolhido e uma série de anos no Stand Justino, naquela que seria a única experiência de trabalho profissional até ir para o serviço militar. Quando regressa à vida civil, Paulo Pinheiro opta por uma vida na noite, de relações públicas, a fazer um bocadinho de tudo.

“Foram mais de 20 anos a trabalhar na noite. Em muitos sítios, bares e discotecas. Tenho um orgulho muito grande no meu percurso, porque fiz muita coisa, consegui realizar muitos eventos, respeitando toda a gente e tratando todos por igual. Quem me conhecia sabia que eu não fazia distinção, nem em sexo, nem em raça, nem em credos. Eram todos tratados da mesma forma e isso é algo difícil de alcançar”.

Os anos na noite deixaram marcas. Até hoje. Cicatrizes bem mais emocionais que físicas, que se notam principalmente agora, que tem um filho. “Cresci a trabalhar e a trabalhar sempre nas datas festivas. E sempre em prol dos outros. E tanto assim é que hoje, custa-me festejar a passagem de ano, o Carnaval, o Halloween ou qualquer coisa do género. Porque nunca as festejei e é difícil mudar o chip”.

O Escudo e o Euro

Até que chegou o dia do “basta”. De sair da noite. A ideia de fazer tripas veio de novo à memória e essa possibilidade cedo chegou. Numa noite encontrou um amigo que vivia desse negócio em feiras. Desafiou-o a dividirem um espaço, com “uma janela para a rua”, mas a recusa foi imediata, por “falta de disponibilidade”. Ainda assim, já no dealbar de mais uma madrugada, e disfarçada de prenda, o tal amigo deu-lhe a receita das tripas: “Ele lá me disse os ingredientes e eu apontei-os. Sei que se enganou em alguns, mas já ia longa a noite. Foi um momento importante”, assume.

Dos primeiros tempos recorda a primeira grande dificuldade. Que compara à escalada de preços que se verifica agora, desde o início da pandemia. “Quando abri ainda era o tempo do Escudo. Duas semanas depois, passou a Euro e tudo aumentou. Muito. O que custava 50 escudos passou a custar 50 cêntimos e isso significava tudo pelo dobro! É como agora. Quem abriu um negócio nesta altura sabe o que falo”.

Foi também nessa altura que o toldo do “visite o andar modelo” foi instalado. “Foram tempos engraçados, mesmo que difíceis”, recorda, porque “o T0 só tinha espaço para 16 ou 17 clientes, e as pessoas passavam na rua e diziam: ‘cheira demasiado bem. É melhor ir embora porque deve ser caro’ e nem sequer entravam!”.

O ser caro. E a qualidade.

À pergunta se alguma vez tinha duvidado do negócio escolhido, Paulo Pinheiro fica pensativo. E depois assume-o, deixando, ainda assim, uma justificação: “A minha decisão de valorizar o meu trabalho foi tomada desde início. Portanto, as tripas iriam ter um preço considerado caro, tendo a concorrência como comparação. O que neles custava 60 ou 70 cêntimos, comigo custava 2 ou 2,5 euros. Isto para mim foi sempre um ponto de honra. Mas foi difícil, admito. E fez-me vacilar, porque os primeiros tempos não foram fáceis”.

No entanto, a qualidade dita sempre quem tem ou não sucesso. Não é o preço. “O que é que é efetivamente caro? É aquilo que se paga e que se arrepende de ter pago. Eu posso dizer que ao longo destes anos todos, pelo menos na minha cara, nunca tive uma reclamação sobre a qualidade do meu produto. Queixas, há, mas só do tempo de espera. E quanto a isso, que me custa muito, muitíssimo, não posso fazer nada. Porque eu faço tudo na hora e cada tripa tem o seu tempo”.

Qual é o segredo do sucesso? Para além das muitas horas de trabalho diário, das 14h às 24h, onde sozinho faz de tudo. “Sempre foi adequando e percebendo o negócio. Tenho na lista as 20 tripas do Chefe, as que vendi mais desde que abri. Mas depois, tenho as que o cliente quiser. Ao ter a possibilidade de fazer centenas de tripas, permite-me que o cliente me ajude, porque pedem coisas que nunca vendi, mas que depois da reação deles, eu vejo que posso fazer receita. Chocolate branco e frutos silvestres, são as preferidas dos franceses, doce de leite e banana dos brasileiros, os espanhóis preferem queijo, sardinha e molho de alho, enquanto os italianos pedem morangos e mel, só para dar alguns exemplos”.

A decoração do T0 e o duplex sonhado

Imagem de marca pelas tripas e, agora, reconhecido, em todos os sites de avaliação, pela decoração do novo T0, bem na sua rua de sempre, a José Rabumba: “Estive 15 anos a trabalhar o produto e agora estou há seis, desde que mudei para as novas instalações, também a usufruir da decoração. Estive um ano e sete meses na pandemia a fazer esta decoração, para não ter de, até ao fim da vida, andar a fazer publicidade. Tenho vaidade das pessoas verem o que faço. Não o fiz para vender. Toda a gente que entra na loja tira fotografias. Não é só as que comem, é também as que desistem. Não ganhei dinheiro com isto, mas ganhei o espanto das pessoas que entram, dos 6 aos 90 anos. Está-me no sangue, sou filho de alfaiate e o meu pai só gostava do que era difícil. Eu sou igual”.

E agora, a comemorar vinte anos, o que fazer melhor? Ou diferente. Paulo Pinheiro tem outro sonho. E uma possibilidade. O sonho é ter um “duplex”. Explicando: “O meu sonho é abrir um T0 em Aveiro, bem maior, um duplex, que trabalhe as duas massas que tenho, uma salgada que é maravilhosa, e a doce. E que não precises de sair do espaço para ir almoçar ou jantar, porque as tripas são uma refeição”. Quanto à possibilidade, passa por uma espécie de franchising: “Pode ser a única solução que há para crescer, porque tenho propostas dos Estados Unidos, Canadá, Brasil, que querem a minha marca. Já não consigo pensar em grande. Se eu não tenho horas para ser feliz fora do trabalho, só tenho a solução de entregar a quem tem dinheiro e expandir o negócio pelo país ou pelo mundo inteiro. Se calhar é mais fácil, entregar a gestão de algumas coisas. Mas não é fácil. Tem de ser ponderada”.

As ondas da Nazaré

Quem conhece o Paulo Pinheiro e o segue nas redes sociais sabe que o seus (poucos) tempos livres são, sobretudo, para fotografar as ondas da Nazaré. E ele estava lá no dia da Big Mama. Muitas histórias se contaram sobre esse dia, esse momento, mas Paulo Pinheiro conta-a na primeira pessoa.

“A Nazaré chega pouco depois do recorde do McNamara. Fui uma vez e senti algo diferente, que me tranquilizou e fiquei obcecado. Uma paz muito grande, apesar de ser violento, graus negativos, temporais, ondas de 35 metros. Já conheço os sítios todos, com ângulos fantásticos, leio bem as nuvens e as ondas. A 18 fevereiro de 2018, a Big Mama. Um dia que começa cheio de gente, mas de repente começa a ficar uma cor alaranjada, como um temporal ao longe. Quando vem de Sul, as ondas são sempre as maiores. Os pescadores dizem que só acontece de 50 a 50 anos. Começa tudo a ir embora, mas eu fico. Num arbusto. E de repente começo a ver ondas a aparecer e o chão tremia, assustador. As ondas pareciam uns monstros a crescerem e eu começo a fotografar sem parar. Pensei que todos os surfistas tinham ido embora. Mas eles tinham ido mais para dentro. E há essa onda, que quando bate nas rochas, o chão, a meu ver, mexeu”.

As fotos fizeram história. E trouxeram histórias e episódios bonitos. E menos bonitos. Mas nada altera a paz de espírito. A liberdade de ali estar, dias e noites, a fotografar momentos únicos e que ficam para a vida. Paulo Pinheiro suspira. A falta de tempo faz com que nem sempre tenha tempo para ir. Mas, por outro lado, o ficar também lhe traz outras coisas. E falar do filho faz os olhos brilhar. Como tem de ser.

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