
Sugestões de leitura: Dois jornalistas e criadores explicam-se
Vicente Jorge Silva (1945-…) e Pedro Rolo Duarte (1964-2017) são dois dos jornalistas mais marcantes, mais criativos, da imprensa portuguesa das últimas décadas. Ambos passaram por vários órgãos de comunicação social, principalmente jornais, mas, a não ser que eu não tenha relacionado bem as datas e percursos explicados nestes dois livros, nunca se encontraram num mesmo jornal.
O livro-entrevista de Isabel Lucas segue o percurso biográfico do cofundador e primeiro diretor do “Público”, do Funchal, onde nasceu, à atualidade de 2013. Pelo meio, trabalhou em Paris (numa fábrica de colas) e em Londres (a fazer limpezas num hotel); dirigiu o “Comércio do Funchal”, dando projeção nacional um jornal regional, ainda no tempo do Estado Novo; entrou no “Expresso” em 1974; criou e dirigiu a “Revista” do “Expresso” nos seus tempos áureos; saiu para fundar o “Público” em 1990; deixou o “Público” para se aventurar na realização de filmes; e, com uma “ingenuidade” que deu origem a “desilusão”, andou pelo parlamento como deputado do PS.
Quando o livro saiu, Vicente Jorge Silva escrevia no “Sol”. Há um par de anos regressou ao “Público” para opinar na última página da edição de domingo.
O que fica da leitura de um livro como este? Ficam basicamente dois retratos (ou talvez filmes, pois seriam mais do gosto do cineasta Vicente Jorge Silva): o da evolução da sociedade portuguesa, no aspeto mais político; e o retrato panorâmico da imprensa escrita com enfoque nas três décadas do século XX.
O livro de Pedro Rolo Duarte (PRD) é a outra face da evolução do jornalismo português contada na primeira pessoa. Se VJS é mais política, nacional e internacional, mais sociedade, PRD é mais cultura, mais espetáculos, mais moda, mais design, mais noitadas.
Referindo apenas os trabalhos principais, PRD esteve na origem de “O Independente”, coordenou a “K”, voltou ao “Sete” com mais responsabilidades, e criou e dirigiu o “DNA” – suplemento do Diário de Notícias que ganhou todos os prémios que havia a ganhar nos 10 anos em que existiu, até 2006. Se em projetos como “O Independente” e a “K”, PDR era a formiguinha, sempre a gerar ideias e a pô-las a andar, mas na sombra da dupla Miguel Esteves Cardoso – Paulo Portas, no “DNA” pôde desenvolver todo o seu talento de criador, agregador, motivador, diretor. No DNA (e mais tarde no “Nós”, suplemento efémero do «I»), “a atualidade não era uma lei – o interesse, a criatividade, a surpresa era mais relevantes e decisivos” (pág. 192). É por isso que, para quem gosta e guarda jornais, como é o meu caso, encontrar um “DNA” é garantia de ter algo mesmo bom para ler “já a seguir”.
Pedro Rolo Duarte morreu de cancro em 2017, poucos dias depois de terminar este livro, que saiu em 2018.
* “Vivente Jorge Silva – conversas com Isabel Lucas”, ed. Temas e Debates / Círculo de Leitores, 2013, 262 páginas
* “Não respire”, de Pedro Rolo Duarte, ed. Manuscrito, 2018, 290 páginas
Jorge Pires Ferreira/Livraria Ror de Livros – Aveiro
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