“A alma desta terra é na realidade a sua água”, escreveu Raúl Brandão, consciente da importância que a laguna tem para a sobrevivência das suas gentes e das calamidades que a região enfrentou até à fixação da Barra de Aveiro. “A barra entulha-se, a terra decai”, advertia, sem rodeios, no escrito alusivo à sua viagem pelo território aveirense e que integra essa que terá sido uma das suas maiores obras, “Os Pescadores”. Cem anos depois, a realidade mantém-se inalterada. A barra e o Porto de Aveiro são cruciais para a economia e para o desenvolvimento das comunidades locais.
“A abertura da Barra foi importante não só do ponto de vista económico, criando a possibilidade de aqui se localizar o porto, mas também para todas as outras atividades que ocorrem neste meio aquático”, repara Fátima Alves, presidente do Porto de Aveiro, vincando que “a entrada de água fresca é muito importante para a fauna e flora que existe neste ecossistema”.
Foi a 3 de abril de 1808 que se concluiu a obra que permitiu abrir e fixar a barra de Aveiro, criando condições para o desenvolvimento do seu porto e da sua economia. Até aí, a região foi-se deparando com sérias dificuldades por conta da inconstância da embocadura. “Em 1575, com a barra outra vez entupida, os campos tornam-se estéreis e a cidade despovoa-se”, escreveu Raúl Brandão, depois de passar pela ria de Aveiro em julho e agosto de 1922.
Populações anfíbias
Fátima Alves, que também é especialista em ordenamento e gestão das zonas costeiras e marinhas, curva-se perante os escritos de Raúl Brandão, apreciando, em particular esse retrato das populações ribeirinhas - “O homem nestes sítios é quase anfíbio” - e da importância que a laguna tem aqueles que vivem à volta dela - “A ria, como o Nilo, é quase uma divindade. Só ela gera e produz.”
“É nesta ligação entre água e território, na parte seca, que estes ambientes económicos se desenvolvem com maior acuidade”, nota Fátima Alves, antes de partir para o exemplo concreto do Porto de Aveiro, estrutura que tem permitido gerar riqueza e emprego na região. Aos funcionários do próprio porto - são cerca de 100 -, juntam-se os muitos trabalhadores das empresas que ali operam. “Não tenho os números de todas elas, mas temos empresas muito grandes, como a Prio e a CS Wind, que são grandes empregadoras”, vinca, a propósito da dinâmica sócio-económica que o Porto de Aveiro tem suscitado. Dentro e fora dele. “A influência do porto não se cinge só à nossa área de jurisdição. Temos umhinterlandde todo o território que pode ir até Espanha em que as empresas que se vão localizando nestes territórios da zona Centro utilizam o porto para as importações e exportações dos seus produtos”, destaca Fátima Alves.