
Vasco Ramalheira: das primeiras ondas ao Miss Costa Nova Cup
Imagine que nunca viu uma bicicleta. Por obra do acaso, dá por si com um velocípede nas mãos e decide, por sua alta recreação, aprender a andar nele. Monta-o, tenta equilibrar-se, pedala pela primeira vez. A experiência é poderosa e fascinante, e os seus amigos entusiasmam-se para testar o veículo. Também eles querem aprender a andar de bicicleta. No local onde vivem, não há ninguém a fazê-lo e, por isso, ninguém poderá ensinar-vos como fazê-lo. E se isso não bastasse, ainda há que garantir um cuidado exemplar com a bicicleta. Afinal, não sendo o ciclismo conhecido por essas paragens, dificilmente encontrarão as peças necessárias à substituição de algum travão, pneu, aro, corrente ou selim.
Foi esta a alegoria que Vasco Ramalheira usou para explicar a sua história de introdução ao surf. “É só trocar a bicicleta por uma prancha e a história é essa”. Aos 52 anos, Vasco é surfista, vice-presidente da Assembleia-geral da Associação de Surf de Aveiro, organizador do Miss Costa Nova Cup e um dos responsáveis pela criação do software de apoio ao julgamento no surf que vai ser utilizado nos Jogos Olímpicos de Tóquio no próximo ano.
Nos primeiros anos da década de 1980, Portugal ainda estava longe de ser um destino procurado pelas suas ondas. Havia, no entanto, alguns surfistas europeus que se aventuravam pelas nossas praias, impressionando os jovens portugueses com as suas manobras em cima da prancha. O ilhavense Vasco Ramalheira era um desses jovens. No verão dos seus 15 anos, em conjunto com dois amigos, conseguiu comprar uma prancha em segunda mão a uns surfistas ingleses que conhecera na sua praia de sempre – a Costa Nova – e, a partir daí, o surf nunca mais deixou de fazer parte da sua vida.
A brisa salgada, a imensidão apaziguadora do mar, a provocação às ondas (tantas vezes conotadas com sentimentos de perda e memórias de naufrágios na tradição das gentes ilhavenses) e, principalmente, “aquela sensação nova de deslizar sobre as águas em pé” eram o que mais o atraía. O grande desafio, na altura, foi “perceber como é que isso se fazia”.
Vasco e os amigos não tinham ninguém que os ensinasse a surfar, ninguém que pudessem imitar. Aprendiam experimentando, num processo de tentativa-erro alimentado por uma persistência quase inexcedível. Naquele tempo, “não havia wax [a cera que se aplica na prancha para criar aderência]” e “sem fatos isotérmicos, o surf restringia-se aos meses quentes”. Mesmo assim, chegavam a estar várias horas na água, revezando entre si a prancha que haviam comprado em conjunto. Foi desta forma, aos poucos, valendo-se principalmente uns dos outros e da paixão que partilhavam, que foram evoluindo no surf. “De vez em quando, alguém ia lá fora [ao estrangeiro] e trazia umas revistas, víamos uns filmes, mas éramos sobretudo autodidatas”, recorda o surfista.
Mais tarde, já nos anos de 1990, Vasco Ramalheira viria a integrar a Associação de Surf de Aveiro e a tirar o curso de juiz de surf.
Hoje em dia, apesar de já ter abandonado o julgamento de provas, continua a ser presença assídua em campeonatos de surf um pouco por todo o mundo. Vasco é um dos criadores do Refresh, um sistema informático de apoio ao julgamento no surf, com recolha, tratamento e divulgação das pontuações em tempo real. Desenvolvido em Aveiro, este software é utilizado no circuito mundial da ISA – Associação Internacional de Surf – e, recentemente, foi também homologado pelo Comité Olímpico Internacional para ser utilizado nos Jogos Olímpicos de Tóquio, adiados para o próximo verão, naquela que será a edição de estreia do surf enquanto modalidade olímpica. Vasco admite “um orgulho muito grande [por] poder participar nesse momento histórico para o surf. [A estreia enquanto modalidade olímpica] é um passo muito importante para a credibilidade do desporto e para a sua massificação”, entende.
Enquanto dirigente da Associação de Surf de Aveiro, Vasco Ramalheira tem sido um dos principais impulsionadores do Miss Costa Nova Cup, “a única prova exclusivamente feminina do surf nacional”, que se realiza todos os anos na praia da Costa Nova.
Este ano, devido aos constrangimentos impostos pela pandemia, o Miss Costa Nova Cup sofreu algumas alterações, desde logo, no nome. Nesta que é a 16.ª edição, a competição, que já teve a Sumol e o ActivoBank como naming sponsors, adota o nome da praia que lhe serve palco.
Excecionalmente, o evento será restrito ao Campeonato Nacional de Surf Feminino (Liga MEO Surf), não havendo lugar às provas de bodyboard – a modalidade fundadora do Miss Costa Nova Cup – ou de slackline – a mais recente adição ao leque de modalidades do evento.
No entender de Vasco, o Miss Costa Nova Cup tem trazido boa fama às ondas da Costa Nova e contribuído decisivamente para afirmação das praias do município de Ílhavo no panorama dos desportos de ondas a nível nacional e internacional. Para a edição deste ano, antecipa “ondas consistentes, a rebentar num sítio certo” e está convicto que “as previsões de pouco vento, com ondas de um metro e meio, vão permitir um bom espetáculo, com cada surfista a mostrar todo o seu potencial”.
Desde 2014 que a campeã nacional de surf é coroada na Costa Nova e é possível que isso volte a acontecer este ano. A discussão pelo título está ao rubro com uma luta renhida entre Teresa Bonvalot, Carolina Mendes e Yolanda Hopkins Sequeira. As três surfistas, que já venceram a Miss Costa Nova Cup em edições anteriores, querem sair de Ílhavo com uma vitória e, se possível, com o título nacional.
De resto, à semelhança dos anos anteriores, ao longo dos três dias de campeonato, a organização vai proporcionar experiências de surf a utentes de IPSS do Município de Ílhavo, bem como aulas gratuitas de surf a todos quantos desejem experimentar as ondas pela primeira vez.
*Foto: André Neto
Pingback: Surfistas lançam vídeo onde ensinam a lidar com agueiros - AveiroMag
Pingback: Aveirense Vasco Ramalheira apoia júri nos jogos olímpicos - AveiroMag