AveiroMag AveiroMag

Magazine online generalista e de âmbito regional. A Aveiro Mag aposta em conteúdos relacionados com factos e figuras de Aveiro. Feita por, e para, aveirenses, esta é uma revista que está sempre atenta ao pulsar da região!

Aveiro Mag®

Faça parte deste projeto e anuncie aqui!

Pretendemos associar-nos a marcas que se revejam na nossa ambição e pretendam ser melhores, assim como nós. Anuncie connosco.

Como anunciar

Aveiro Mag®

Avenida Dr. Lourenço Peixinho, n.º 49, 1.º Direito, Fracção J.

3800-164 Aveiro

geral@aveiromag.pt
Aveiromag

A maestrina que deixou a Irlanda para transformar as vozes aveirenses

Artes

 

Aoife – pronuncia-se “i-fa” e é um nome tradicional de origem gaélica – Hiney cresceu, embalada pela voz da mãe e pelas canções que esta trauteava para adormecer os seus irmãos – Aoife é a mais velha de cinco –, passando os anos da infância e adolescência numa aldeia do litoral oeste da Irlanda “pequena demais para ter uma escola de música”. “Na Irlanda, não existe um sistema público de educação musical. Há escolas de música nos centros urbanos, mas não nos meios de menor dimensão”, apresenta Aoife Hiney, estabelecendo uma comparação com a realidade que encontrou quando se mudou para Portugal. “Por cá, além dos conservatórios, há ainda uma cultura de bandas filarmónicas”, refere, elogiando a forma como estas coletividades (algumas delas, bicentenárias) têm ajudado a democratizar o acesso à educação musical – estima-se que existam mais de 700 bandas filarmónicas em Portugal. 

Aoife Hiney apercebeu-se do seu gosto pela música ao acompanhar o pai numa viagem a casa de “Patty, The Wool Man” – um senhor que visitava a aldeia regularmente para avaliar lã” –, por altura do Natal. “Ele tinha histórias fantásticas e era um bom músico. Não sei se ele alguma vez tinha tido algum tipo de formação, mas tinha vários instrumentos em casa. Durante essa visita, enquanto os adultos estavam a conversar, eu ia brincando com os instrumentos, até que ele disse ao meu pai ‘Põe aquela miúda a aprender música, vê-se que ela gosta’. Mas nós éramos cinco, os meus pais tinham mais que fazer”, relata. 

Já depois desse episódio, “a minha mãe achou que um piano dava um bom objeto de decoração, que era excelente para expor vasos, relógios e outros bibelôs, e levou um lá para casa. Era a minha oportunidade para voltar a pedir aos meus pais para aprender a tocar. Quando tinha 9 anos, lá fui”, recorda Aoife Hiney, que começou a ter aulas particulares, à quarta-feira, num dos quartos de um antigo convento onde “cabia pouco mais que o piano e duas cadeiras”. 

Mais tarde, numa audição de piano – “de vez em quando participávamos em exames regionais. Era uma forma de nos incentivar a estabelecer e atingir metas” – um dos jurados comentou que Aoife Hiney “cantava bem e devia seguir canto”. “Tenho a certeza que tinha muito mais entusiasmo do que talento, mas foi o que precisei de ouvir para decidir seguir este caminho”, confirma.

Mudou-se, então, para Dublin, a capital do país, cidade onde viria a licenciar-se em Educação Musical, deparou-se com “todo um outro mundo”. Foi em Dublin que Aoife Hiney integrou, pela primeira vez, um coro de câmara – os New Dublin Voices –, apaixonando-se pela sonoridade e dinâmicas daquele grupo. “Também foi nessa fase que comecei a interessar-me por direção musical”, recorda. 

Concluída a licenciatura, não lhe passou pela cabeça dar continuidade ao seu percurso académico, por exemplo, apostando num mestrado na área. “Queria era começar a dar aulas e, paralelamente, dirigir um coro de comunidade e inscrever-me em pequenos cursos de verão onde pudesse aprender mais”. Assim foi: começou a trabalhar como professora de música para adolescentes dos 12 aos 18 anos – também chegou a trabalhar com crianças em part-time –, continuou a cantar e, sempre que possível, a dirigir. 

Todavia, quanto mais anos passavam, mas Aoife Hiney se sentia frustrada com o sistema de educação irlandês, na sua opinião, “muito mecanizado e virado para os exames”. “Os alunos viviam obcecados com conteúdos que poderiam constar dos exames, decoravam as matérias à pressa, de forma a conseguirem ‘despejá-las’ por escrito nas páginas de um teste e rapidamente esqueciam tudo”. 

Decidiu, então, tirar um ano para fazer um mestrado – “acreditava que o segredo para me tornar uma professora melhor estava na formação” – e começou a avaliar as possibilidades que tinha pela frente. “Na Irlanda não havia qualquer mestrado em Direção Coral ou Orquestral. Para seguir o ramo, teria mesmo de procurar oportunidades noutro país”, enquadra, contando que, depois de pesquisar por vários programas, em universidades de vários países, lhe restaram duas hipóteses: uma solução mais cara e demorada, na Hungria, e outra mais breve, acessível e com “uma importante componente prática”, no DeCA – Departamento de Comunicação e Arte – da Universidade de Aveiro, pela qual acabaria por optar. De certa forma, até já estava familiarizada com a língua – alguns anos antes, Aoife participara num curso de direção coral em Espanha com Marco António Ramos, professor da universidade de São Paulo, no Brasil, um docente “inspirador” que a convencera a aprender algumas palavras em português na expectativa de um dia poder vir a participar num festival brasileiro. 

No primeiro ano em Aveiro, “parecia que me tinha mudado para um país tropical. Andei de manga curta até ao final de novembro”, aponta Aoife Hiney, revelando que, entretanto, já se tornou “mais portuguesa”. Na perspetiva da professora e investigadora, a última década trouxe uma evolução significativa à cidade. “Está mais luminosa, povoada, aberta”, classifica, anuindo que “faltam equipamentos culturais com diferentes dimensões e ambientes”. 

O plano inicial era ficar apenas um ano e, no segundo ano de mestrado, dedicado ao desenvolvimento e escrita da tese, voltar à casa dos pais, na Irlanda, regressando a Portugal pontualmente. Porém, o seu entusiasmo para com a música e a direção coral e as pessoas que, à conta dele, conseguiu reunir à sua volta, acabariam por lhe trocar as voltas. “À medida que se aproximava a data de voltar à Irlanda, menos interessante me parecia essa ideia. Pensei: ‘Se calhar candidato-me a um doutoramento e fico mais um aninho’”, relata Aoife Hiney.

“A verdade é que Portugal estava a mudar-me. A vivência na universidade de Aveiro ajudou-me a crescer enquanto pessoa e a ver as coisas de forma diferente. Mudei a minha perspetiva – uma visão muito ‘século XIX’ – e comecei a ter mais cuidado para com as pessoas que fazem música, a olhar para elas como pessoas e não enquanto simples veículos para a concretização de uma partitura e comecei a interessar-me pela educação musical para adultos”, reconhece.

Hoje, Aoife Hiney é professora auxiliar convidada na Universidade de Aveiro, professor adjunta convidada na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto e investigadora no DeCa e no INET-md - Instituto de Etnomusicologia - Centro de Estudos de Música e Dança, sediado na Universidade Nova de Lisboa.

Aoie Publicidade

 

A origem do Voz Nua

Foi no âmbito de um projeto académico de curta duração que, em 2012, a maestrina formou o Coro Voz Nua. “Eis outro exemplo de excelente planeamento da minha parte: o coro era para durar três meses e cá estamos, doze anos depois, em 2024”, graceja. “Conheci gente espetacular e não quis que aquilo acabasse. A partir do momento em que tive a certeza que tinha sido aceite no doutoramento e, por isso, ia ficar por cá, contactei-os, voltámos a encontrar-nos e agendámos os nossos primeiros concertos”. 

No momento de nomear o projeto, Aoife quis “encontrar um nome que misturasse o português com o gaélico”. “Em gaélico, ‘nua’ significa ‘nova’, ‘fresca’ ou ‘pura’. Além disso, é uma pequena homenagem ao New Dublin Voices [Novas Vozes de Dublin]”, explica a maestrina. “Custou-me tanto deixá-los!”, admite. “Quando contei aos meus pais que ia deixar a Irlanda, eles não tentaram convencer-me a ficar por deles, mas perguntaram-me logo ‘E vais deixar o coro?’ porque bem sabem o que me ia custar”, partilha Aoife, reconhecendo que, “ainda hoje, todas as terças-feiras, às sete da tarde – o dia e hora a que o coro realizava o seu ensaio semanal – recorda aquele grupo. Por outro lado, “em português, o adjetivo ‘nua’ remete-nos para a ideia de ‘voz despida’, o que faz todo o sentido, tendo em conta que o nosso repertório é maioritariamente a cappella, isto é, despido de instrumentos”.

Ao longo de mais de doze anos de atividade, o Coro Voz Nua já se apresentou em variadíssimos palcos em Portugal e no estrangeiro, tendo colaborado com diversos artistas, grupos e organizações. Em 2015, lançou o álbum Nativitas, gravado na Igreja da Misericórdia, e constituiu-se como associação sem fins lucrativos. 

Para fazer parte do Coro Voz Nua, “não é necessário ter qualquer formação musical prévia”, garante Aoife Hiney. No entanto, quando se integra o grupo, é preciso estar disposto a abraçar um ritmo de aprendizagem intenso e estar disponível para uma agenda de apresentações bastante completa. “Para quem prefere cantar de forma mais recreativa”, fundaram, em 2017, um novo grupo – Voz Pop – dedicado à música ligeira e lançaram o álbum Vox Pop.

 

 

 

Mais recentemente, em 2021, criaram também um coro feminino, o Lua Nua, e, neste momento, estão em mãos com um novo projeto com crianças dos 6 aos 10 anos. “Já tínhamos tentado formar um coro infantil, mas ainda não tínhamos encontrado um espaço adequado para desenvolver esse projeto. As crianças precisam de um espaço amplo, confortável e com luz. Agora surgiu a oportunidade de fazermos uma parceria com o Clube dos Galitos e utilizarmos a sede deles, na Praça Joaquim Melo Freitas, em Aveiro”, explica Aoife Hiney. “Já fizemos alguns ensaios e está a correr lindamente”. 

Aoife Hiney segue uma abordagem baseada na filosofia pedagógica de Kodály, transformando a formação musical e o desenvolvimento da técnica vocal em jogos e brincadeiras. “No processo que nos leva a aprender a nossa língua materna, primeiro ouvimos o que as pessoas que nos são mais próximas dizem e depois tentamos reproduzir sons. Começamos por dizer palavras soltas e só mais tarde frases completas. Só muito depois começamos a ver como se escrever. Na música, muitas vezes queremos que as crianças aprendam tudo quase em simultâneo. Não digo que tenhamos de esperar seis ou sete anos, como fazemos com a língua, mas vamos lá ter calma. Eu própria, por vezes, tenho de lutar comigo própria porque o registo escrito está enraizado na maneira de ensinar, é uma forma de mostrar trabalho feito, uma prova concreta e quantificável. Mas há muitas formas de saber coisas e conseguir reproduzir por escrito é só uma delas”, comenta a professora. 

O coros Voz Pop e Lua Nua vão participar, juntamente com outros coros da cidade, num "Grande Coro",uma iniciativa inserida no programa "Boas Festas" e com o selo Aveiro Capital Portuguesa de Cultura que decorre amanhã, dia 6 de dezembro, no Centro Cultural e de Congressos de Aveiro. Quanto ao Coro Voz Nua, apresenta-se este sábado, dia 7 de dezembro, no Civilria Christmas Club, em frente ao Mercado Manuel Firmino, às 11h30, num concerto que marca a estreia do coro infantil. No sábado seguinte, dia 14 de dezembro, crianças e adultos voltam a juntar-se no mesmo palco para um concerto de Natal. É às 18h00, na Igreja da Misericórdia, em Aveiro, e tem entrada gratuita. 

Apelo a contribuição dos leitores

O artigo que está a ler resulta de um trabalho desenvolvido pela redação da Aveiro Mag. Se puder, contribua para esta aposta no jornalismo regional (a Aveiro Mag mantém os seus conteúdos abertos a todos os leitores). A partir de 1 euro pode fazer toda a diferença.

IBAN: PT50 0033 0000 4555 2395 4290 5

MB Way: 913 851 503

Deixa um comentário

O teu endereço de e-mail não será publicado. Todos os campos são de preenchimento obrigatório.