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Francisco Vaz da Silva, o designer que deu corpo e forma à “Gigões e Anantes”

Artes

Começou por exercer a profissão de professor do ensino básico mas a vida acabou por o encaminhar para a área do design e das artes em geral. Pelo meio, teve uma breve incursão no mundo dos jornais, experiência que não lhe deixou grandes saudades. Hoje, aos 65 anos, Francisco Vaz da Silva é proprietário da Gigões e Anantes, livraria que marca a diferença na cidade (e não só), e continua a levar o design muito a sério, trabalhando numa área onde poucos se aventuram: a impressão fine art.

Natural de Oliveira de Azeméis, foi em Aveiro que se fez gente - veio para a capital de distrito com sete anos, na altura em que o pai, militar da GNR, aqui foi colocado -, trilhando um percurso que também ficou marcado por algumas incursões na política. Encara-a “como uma obrigatoriedade cívica de intervenção”, confessou, em conversa com a Aveiro Mag.

Como surgiu a ligação ao design?

Sou professor de profissão. Mas depois de dar aulas durante seis anos, fiquei desempregado e fiz-me à vida. Também tinha estudado cinema. Entretanto, decidi dedicar-me ao design numa altura em que para fazer trabalho de design era fundamental desenhar bem. Hoje, as pessoas socorrem-se de meios informáticos. Na altura, tínhamos de fazer as maquetes todas, esboçar, desenhar. Como era uma paixão minha desde sempre, aí fui. Tive algum sucesso.

O desenho sempre esteve lá?

Sempre. Publiquei um livro que escrevi e ilustrei quando ainda estava a estudar. Tinha vinte e poucos anos. O Expresso considerou-o uma obra obrigatória e houve uma senhora que era professora catedrática na faculdade de Letras que o usou numa gramática da língua portuguesa como um estilo linguístico muito raro que eu próprio desconhecia que existia. Teve um certo sucesso.

É curioso porque a minha professora de Literatura Infantil deu-me a pior nota. Ela tinha umas pegas terríveis comigo. Uma vez até abandonou a sala e disse que enquanto eu estivesse lá. Não é que eu fosse malcriado, mas discutia com ela e ela não gostava. Foi naquele período – 1976 – em que tínhamos sangue na guelra. Eu era dirigente estudantil desde as primeiras eleições aqui no liceu. Fiz parte da primeira direção da associação de estudantes, depois também na Homem Cristo, no último ano, e também no Magistério Primário. Fazia ouvir a minha voz quando discordava. É assim que deve ser, na minha opinião. Mas a professora de Desenho deu-me a pior nota e a professora de Literatura Infantil também.

E nem de propósito, acabou por lançar um livro que não tardou a ser reconhecido...

Sim. Chama-se “A história de uma gota de água” e é um livro infantil. Na altura, eu estava a fazer umas aulas de estágio e queria explicar aos alunos como é que era o ciclo da água. Então, escrevi um texto para lhes mostrar. Um amigo meu leu-o – ele era professor de Português – e disse “Isto está tão engraçado, dá-me aí o texto”, mas não disse mais nada. Passado uma ou duas semanas, telefona-me a editora – a Edições Afrontamento, da Marcela Torres – e diz-me “Francisco, podes vir aqui ao Porto? Nós lemos o teu texto e gostámos muito. Queremos publicá-lo”. Não estava a contar com isso, não o tinha feito com essa intenção e nem isso me tinha passado pela cabeça. Depois também apareceu em manuais escolares...

Ofereceu-o às professoras que lhe tinham dado negativa?

Elas souberam. Acho que ficaram com uma cachola. Elas souberam, mas não se manifestaram.

Claro...

Estava sempre a discutir – discutir no sentido de argumentar. Com a professora de Educação Visual, algumas aulas eram um desastre. E eu questionava-a naturalmente, sem ofender. Aliás, eu tinha boa relação com a maior parte dos professores. Ainda hoje, com o António Nóvoa, que foi meu professor - e foi reitor e candidato à Presidência da República -, mantenho uma relação de amizade. Fui apoiante dele. Sempre que vem a Aveiro vem fazer-me uma visita. Ainda agora, quando foi nomeado embaixador da UNESCO, veio fazer-me uma visita. Convidou-me e acabei por ir a Paris fazer-lhe uma visita. Mostrou-me o edifício, foi uma simpatia. Mantemos relação. E também com outros professores, o Remédios (de Filosofia), o Manuel Matos (de Pedagogia)

Como foi assumir a profissão de designer?

Na altura, Aveiro apenas tinha um designer, o Jorge Trindade, que toda a gente conhecia. Ele era sempre a referência. A minha sorte foi que comecei a fazer projetos, mas no início ninguém me dava trabalho em Aveiro. Trabalhei para fora, para municípios – Almada, Porto, Viseu... cá, ninguém me dava trabalho. E as gráficas também não tinham interesse... tinha de ir para o Porto ou para Coimbra. Andava sempre por fora.

Quando eu já não precisava de ter trabalho aqui , fui fazer a renovação do Diário de Aveiro, do Diário de Coimbra, Leiria, Viseu. A primeira vez que se usou cor no jornal, fui eu que fui introduzir essa inovação. Foi um desafio interessante e uma experiência da qual gostei.

Mais tarde, fiz uma série de trabalhos para a Comissão Europeia. Concorri a uma série de concursos públicos para Bruxelas e até me convidaram para ser fornecedor. Não se podia falhar um único prazo. As propostas que eles faziam tinham por base aquilo que nós apresentávamos como orçamento e como ideia. A partir daí... fiz uma coisa sobre a área da nanotecnologia, outra sobre a terceira idade, e eles gostaram muito. Disseram que tinham gostado muito e que não tinha aparecido nada parecido nos gabinetes belga e francês que costumavam consultar. Perguntaram se eu queria... sim, mas eu não consigo garantir porque tinha sido convidado para ser responsável de imagem de uma multinacional dinamarquesa que estava implantada em Portugal. Tinham cerca de duzentas fábricas na Europa, sobretudo nos países nórdicos. Era muito bem pago. Tinha o meu ateliê na mesma e, para mim, era importante. Tinha uma excelente relação quer com o administrador dinamarquês, quer com o administrador português. Isso teve algum peso . E era um tipo de trabalho que me interessava fazer. Depois também fui responsável pela imagem do Teatro da Trindade, em Lisboa, tenho, ainda hoje, um trabalho num Museu em Almada de construção naval. Fiz a área da construção em ferro.

Ainda trabalha como designer?

Sim. Mas hoje faço uma coisa que há poucas pessoas em Portugal a fazer. Faço impressão Fine Art, ou seja, impressão de qualidade excecional. Não há, atualmente, outro processo com tamanha qualidade. São reproduções de obras de arte que têm uma resistência aos raios UV – o principal inimigo de tudo quanto são reproduções em tipografia e serigrafia – e que funcionam para imagens de arquivo, etc. Já trabalhei para a fundação Gulbenkian, para o Museu da Presidência da República.

Isto vem de uma curiosidade minha. Conheço este processo desde que ele existe, nos anos ’90. Uma curiosidade minha, mas sobretudo pelos conhecimentos de gestão de cor usando processos informáticos. Garantimos que pegamos numa obra que está em formato digital e ela respeita aquilo que está .

Dentro destes milhares de livros , há muita gente com quem trabalho. Foi por mero acaso. Quando inaugurámos a livraria, fiz a reprodução de umas ilustrações para a Catarina Sobral e perguntei-lhe se queria vender os originais. “Não queria vender, porque é uma coisa que acabei e fazer e não queria desligar-me deles”. Pedi-lhe os ficheiros e quando ela chegou para a inauguração da exposição, “Estes não são os originais, mas estão fantásticos”. Vendeu muitos e fez o favor de começar a dizer a toda a gente.

Quando é que abriu a Gigões e Anantes?

Em setembro de 2012.

A que se deveu esta aposta numa livraria?

No meio desta coisa toda, já tinha publicado outro livro, em 2010, “O País das Letras”. Com este livro, tornei-me editor. Fiz uma série de edições de livros que eu gostava e que correspondia àquilo que eu achava que devia ser a edição de livros ilustrados, que não são obrigatoriamente livros para crianças. Podem ser ou não. Quando perguntavam ao Manuel António Pina se ele era autor de literatura infantil, ele dizia que não. “Para mim, há literatura”. Ponto final. Tinha coisas que são acessíveis aos mais novos, outras para mais velhos. O Afonso Cruz é outro que tem coisas para jovens e adultos e outras que as crianças também gostam.

Tive um problema: os livros que nós editávamos, à exceção de um título, esgotaram todos. Um dos títulos, em seis meses. E não conseguia reeditar porque a editora não conseguia ganhar dinheiro suficiente, mesmo esgotando um livro, porque tinha uma margem muito elevada . Quem nos vendia os livros era a Fnac. Era impossível negociar com a Bertrand porque as margens que eles exigiam eram de tal forma grandes... Esse livro que esgotou em seis meses – “A Gigantesca Pequena Coisa” -, custava 20 euros ao público e nós recebíamos onze euros e trinta e dois cêntimos. Desses, tínhamos de pagar sete euros e quarenta cêntimos que era o valor da impressão e dos direitos de autor. Não ficávamos com margem para poder editar.

Toca a resolver o problema, criando uma livraria própria...

Pensei em abrir uma livraria que funcionasse da forma como achava que era correto uma livraria funcionar. Sou um apaixonado pela livraria e pelos livros, por isso, foi esse o nosso alento.

No início, havia muita gente que passava em frente à livraria e dizia que era só para crianças. Aos poucos fomos conseguindo desconstruir esta ideia e, hoje, acho que isso está presente em muita gente. Depois havia outra coisa que era terrível. Uma vez, uma senhora, na montra, dizia-me “Tem livros muito giros, mas os livros aqui são mais caros”. As pessoas não sabem que há uma lei de preço fixo que tem de se cumprir. Quem decide o preço não é o livreiro ou a livraria, é o editor. Temos de respeitar esse preço. Aos poucos as pessoas foram entendendo.

Quando abriram, a aceitação foi boa? Foi preciso marcar a diferença?

Sim. Uma das coisas que fazíamos, que era nossa preocupação, era ajudar as pessoas a escolher os livros, a descobrir... sobretudo a descobrir. Muitas vezes, olhamos para um livro e ele não nos diz nada, mas se alguém der um ajuda... tentamos perceber o que é que a pessoa procura.

Conseguem ter um atendimento personalizado que não se consegue ter noutra livraria...

No outro dia, uma das colaboradoras desses outros espaços que costuma vir cá comprar, disse-me que tinha ordens para não perder tempo a aconselhar nada. Só promoções e campanhas. Nós temos aqui livros que demoram um ano a vender, mas que deve ter-se numa livraria. Claro que temos de vender, como é evidente. A nossa preocupação é com a qualidade da ilustração, do texto e de ter uma oferta vasta para todos os leques, desde alguns meses de idade até aos mais velhos.

Não é uma livraria comercial.

Não...

Visa o lucro, obviamente...

Mas nunca me moveu aquela ideia “Vou fazer uma livraria e vou ficar rico”.

Nem tem de ter aquele novo lançamento, o autor mais popular...

Há livros que nós não temos e que são sucessos de venda. É uma opção nova. Há aí um livro que não vou agora identificar que os miúdos gostam e não faz mal que eles leiam, mas que, do ponto de vista literário, aquilo não tem qualidade nenhuma. Nós tentamos arranjar alternativas. Apercebemo-nos que os miúdos gostam de livros que falem sobre os seus problemas, as suas experiências, o dia-a-dia com os pais, a família, os amigos e a escola. Isso é importante, mas não pode ser a qualquer preço.

Quando é que mudaram para estas instalações da Rua Dr. Nascimento Leitão?

Estávamos junto ao Teatro Aveirense e a Bertrand e, entretanto, o edifício foi vendido. Tínhamos 80 metros quadrados que, para nós, dava razoavelmente, mas já era pequeno. O contrato dizia que tínhamos de sair. Arranjámos este novo espaço que tem outra potencialidade. Não está tão exposto, há menos gente que conhece, mas permite ter sessões de lançamento, encontros literários, workshops... Em 2015, mudámo-nos para aqui

Porquê Gigões e Anantes?

Quando abrimos a livraria decidimos dedicá-la a alguém que tivesse feito pela literatura, que nós gostemos e com quem se identifique. Lembrámo-nos do Manuel António Pina, uma pessoa que tinha alguma ligação a Aveiro – estudou cá –, e fomos falar com ele. “Gostamos do seu trabalho, vamos abrir uma livraria com estas características e gostávamos de lhe chamar ‘Gigões e Anantes’, o nome de uma obra”. Corresponde àquela ideia de que é para todos. Também o convidámos para vir à sessão de abertura. Ele acabou por não vir porque adoeceu e morreu no mês seguinte, em outubro de 2012. Ainda adiámos a inauguração algum tempo, mas depois percebemos que já não ia ser possível, com muita pena nossa. Veio cá o Álvaro Magalhães, amigo do Manuel António Pina, não para o substituir, mas para, de alguma forma, o representar.

Tem corrido bem o projeto?

Não tem sido fácil. A livraria é muito conhecida fora de Aveiro. Há pessoas que vêm de Leiria, Coimbra, Viseu, Porto, Salamanca, Galiza... e somos convidados para ir a alguns encontros em Pombal, Beja, a São João da Madeira. Somos conhecidos por ter uma oferta diferente daquela que é tradicional. Se formos vender aquilo que é vendido num supermercado ou na Fnac ou na Bertrand, estou a fazer a mesma coisa que eles. Tenho de ser diferente senão não faz sentido. Não consigo competir com os descontos que eles fazem.

Esta livraria tem histórias fantásticas. Aparecem-nos as pessoas mais incríveis que podemos imaginar. Uma vez apareceu-nos aqui um senhor americano e disse-nos “já não há livrarias assim”. Entrou, esteve à conversa comigo meia hora... vinha com um livro na mão. “Sou escritor”, anunciou. Olhei e confessei que não o conhecia. Quando ele saiu, fui pesquisar e era o Michael Connelly, publicado em todo o mundo, também em Portugal, Foi fantástico. E depois apareceu-me a seguir ao almoço. “Tenho de mostrar esta livraria a uns amigos de Sintra”, dizia.

Também teve uma incursão na política...

Encaro a política como uma obrigatoriedade cívica de intervenção. Sempre me envolvi na comunidade. Fiz parte da direção da primeira associação de estudantes do Liceu José Estêvão. Nos anos seguintes, fui dirigente associativo e, mais tarde, dirigente nacional do Movimento de Esquerda Socialista. Gostei dessa parte. Nunca me passou pela cabeça fazer vida disso. Sou uma pessoa muito crítica. Esteja num sítio ou noutro, não sou clubista. O Celso , um amigo do comité central, dizia “este gajo é um hipercrítico”. Entendo que só podemos estar nas coisas para melhorar.

Já tinham pressionado para que avançasse, mas como tinha alguma expectativa relativamente ao Alberto Souto, achei que não fazia sentido, era preferível apoiar . Mas depois houve coisas que não concordei e candidatei-me à câmara. Era militante do Bloco, mas impus que fosse eu a fazer os convites. Na lista que eu encabeçava, quase todas eram independentes.

Ainda está ligado à política?

Não, desliguei-me completamente. Houve uma coisa que correu mal e eu não aceito. Sou mais exigente com as pessoas que são mais próximas de mim. Mas continuo a ter opinião e a manifestá-la. A política não pode ser deixada só para os profissionais. A experiência ganha-se, aprende-se. Sempre estive pelas ideias. Era fundamental um arejamento da maior parte dos partidos, independentemente de serem de esquerda ou de direita. Uma professora dizia “és o único gajo capaz de dialogar com pessoas de esquerda e de direita”. Eu nasci numa família em que eram todos de direita e tive de sobreviver nesse meio. Eu não era, mas afirmei a minha voz e respeitei a dos outros. Para me respeitarem a mim também. Tenho ideias diferentes, mas sou capaz de discutir... ou não. Com o tempo, há coisas que mudam e a experiência dá-nos outras perspetivas sobre as coisas.

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