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Joakin Pereyra: um artista multifacetado e irreverente

Artes

“A inspiração existe, mas tem de encontrar-te a trabalhar”. A frase é de Pablo Picasso, mas Joakin Pereyra, artista plástico natural de Estarreja, revê-se nela totalmente. Aos 71 anos, mantém uma presença jovial e interventiva, bem como uma capacidade de produção artística invejável. Só nos períodos de confinamento, por exemplo, terá pintado mais de seis dezenas de trabalhos a óleo e realizado perto de trinta esculturas. Neste momento, e até ao dia 28 de julho, tem patente, na Biblioteca Municipal de Estarreja, a exposição “Mulher”, uma série de esculturas em madeira com que homenageia as tradicionais artes e ofícios, materializando-os na figura da mulher estarrejense. Em simultâneo, preparou uma coleção de dez “santo-antónios”, espalhou-os pelo centro urbano de Estarreja e criou uma espécie de jogo aberto à participação da comunidade: “Percorrendo as ruas, as pessoas vão encontrar santo-antónios pintados por mim expostos nas montras e janelas. Tradicionalmente, a imagem de Santo António tem uma iconografia própria – um conjunto de símbolos que o distinguem e caracterizam –, mas há peças desta coleção com elementos em falta. Há que descobrir quais são”, explica o artista. Em semana das Festas de Santo António, fica o desafio do artista estarrejense, com a promessa de uma lembrança para quem for capaz de o concluir com sucesso.

Com mais de meio século de atividade, Joakin Pereyra continua excêntrico, provocador e dono do mesmo espírito irreverente que cultivou na juventude. Como Pessoa, é multifacetado; como Santo António, é eloquente. E prima ainda pela delicadeza e sensibilidade das flores que tão bem sabe representar.

Joakin conta com dezenas de exposições individuais no currículo, assim como a participação em várias mostras coletivas. Está representado em Espanha, Itália, França, Holanda, Japão, Austrália e Brasil, tal como em várias pinacotecas particulares, em Portugal e no estrangeiro. Em 2009, ganhou o primeiro prémio em escultura na Bienal de Bragança e, no mesmo ano, arrecadou um segundo prémio, desta vez, em pintura, na Bienal de Coimbra. É da sua autoria a escultura a Santo António na rotunda norte de Estarreja, inaugurada a propósito das comemorações da elevação a cidade, bem como o monumento aos bombeiros voluntários, de 2020. Joakin valoriza os prémios artísticos que lhe atribuíram e sabe da sua importância, mas é no reconhecimento da comunidade que vê a sua maior recompensa. Possivelmente, porque, durante muito tempo, se sentiu “mal-amado”. “Quando estava a estudar no Porto e só vinha a Estarreja ao fim de semana, as pessoas esperavam que eu chegasse para me virem ver e criticar a minha figura, as roupas excêntricas que vestia, o cabelo mais comprido que a norma”, recorda o artista, confessando que “as críticas só me incentivavam a fazer ainda pior. Ia a casa e fazia questão de sair à rua com uma roupa ainda mais extravagante, um penteado ainda mais exuberante”. “Aquilo entristecia-me, mas também me alimentava”, assume. Hoje, o cenário é bem diferente. É “o artista da terra”. Uma reviravolta que só o tempo, a capacidade de trabalho dedicado e convicto e uma boa dose de resiliência puderam concretizar. “Tornei-me popular entre as gentes daqui e sou bastante acarinhado. Tenho consciência disso, mas também é assim porque me impus e nunca desisti desta terra”.

Nascido e criado em Estarreja, o primeiro contacto com a arte, Joakin teve-o por via de José Mendonça, pintor naturalista e seu vizinho. “Foi o Zeca que me ofereceu os primeiros óleos”, partilha. Na escola industrial souberam reconhecer-lhe o talento e incentivaram-no a seguir o caminho das artes. Joakin. Aos 15 anos, chega pela primeira vez ao Porto para estudar na Escola Soares dos Reis de onde sai, mais tarde, para ingressar na Escola Superior de Belas Artes.

Não chegaria a terminar o curso. Aos 20 anos, por se recusar a manusear armas de fogo, vê-se obrigado (pela sua consciência) a abandonar o país, radicando-se em Paris. Foge sem plano nem destino, bem vestido – “Julgavam que éramos turistas” – e com os dois contos – “Era muito dinheiro na altura” – que pedira à mãe. Entrega-se a uma jornada de peripécias, sortes e adversidades, e que, assegura Joakin, “dava um livro”. Ainda não deu, justifica, porque “não é o tempo certo” para revisitar certas memórias. “Há coisas que acho que ainda não devo contar. A vida que vivi, as dificuldades porque passei e como tive de sobreviver”, enumera.

Nos dois anos que permaneceu na capital francesa, Joakin trabalhou no Le Dôme – histórico café parisiense dos finais do século XIX e ponto de encontro para intelectuais e artistas como Hemingway ou Picasso. Nas horas que lhe sobravam, visitava o Louvre, pintava a cidade e vendia os seus trabalhos na ponte Neuf. Foi também em Paris que viveu um episódio que marcaria para sempre a sua vida e a sua arte:

Passou-se num dia em que Joakin ainda não tinha comido nada. A última refeição que fizera, havia já bastantes horas, tinha sido “uma baguete com água da torneira”. Nos bolsos, não deveria ter mais de 20 cêntimos do franco (cerca de 3 cêntimos de euro). “Não dava para comprar nada”. Deambulando pela margem sul do Sena, entra na igreja deSaint-Germain-des-Prés, perto do Café Flore – outro café icónico, frequentado por nomes ligados à literatura, à filosofia e às artes –, onde há uma imagem de Santo António. “A igreja era comprida, muito escura e estava praticamente deserta. Quem, do lado de dentro, olhava para a porta via um grande clarão. Dei o dinheiro ao santo e não sei explicar o que aconteceu – não sei sequer se acredito -, mas comecei a sentir qualquer coisa, um ímpeto para olhar para trás”, relata Joakin Pereyra. “Olhei e vi a silhueta de um homem. Nada de especial. Desviei o olhar, mas aquela impressão continuava a arrepiar-me. Olhei novamente. Quando me levantei para sair, o homem aborda-me e pergunta se preciso de ajuda”. Estranhou a pergunta e o súbito interesse do estranho. O primeiro impulso foi para dizer que não, mas a fome falou mais alto. Joakin Pereyra lembra-se de acompanhar aquele homem “um barzinho perto da igreja onde comeu uma espécie de bolinhos de bacalhau embrulhados em couve”. Conversaram, o sujeito deixou-lhe algum dinheiro e despediu-se. O curioso é que, apesar de recordar todo este episódio com um detalhe impressionante, Joakin confessa não ter “qualquer memória do rosto daquele homem”. Lembro-me de tudo, menos do rosto. E é esta a explicação para a minha devoção a Santo António. Aquela vivência foi muito marcante”.

De acordo com o Le Monde, nos últimos anos, a mesma imagem de Santo António que Joakin terá visto tem sido coberta por orações escritas por fiéis que visitam a igreja de Saint-Germain-des-Prés. Escritos em várias línguas, estes graffitis em caneta de feltro, uns em tom de súplica, outros de ação de graças, provam a grande devoção que o santo português (e aquela imagem em particular) continua a merecer por quem visita Paris.

Importa é que, desde esse momento, o santo passou a ser um “verdadeiro companheiro de vida e de viagem” para Joakin Pereyra. Não haverá figura que tenha pintado ou esculpido mais vezes. E “depois de uma grande exposição, quando vou um bocadinho abaixo, sabes o que faço? Pinto santo-antónios”, revela.

Pouco tempo depois da Revolução de abril, Joakin regressa a Portugal. Começa por fixar-se no Porto, ainda com o intuito de terminar os estudos, “mas eu já não estava com a cabeça para isso. Queria era pintar”. No Porto, viria a conviver com vários artistas de renome - integraria o grupo 3+3, com os pintores António Joaquim, Irmã Gabriela, Jaime Ferreira, José Mendonça e Luís Alberto – todos mais velhos. “Lidar com artistas de gerações mais velhas permitiu-me beber ensinamentos, experiência e, acima de tudo, não me deixar deslumbrar”. “A escrever, quase todos aprendemos, mas ser escritor não é para qualquer um. Da mesma forma, qualquer um pode pintar, mas artistas há muito poucos”, entende Joakin Pereyra, lamentando o individualismo e presunção das gerações mais novas. Aos poucos, todavia, a vida boémia e agitada daquela “cidade de liberdades e seduções” começou a distraí-lo e a perturbar o seu trabalho. Algum tempo depois, optaria por voltar a Estarreja. “Aqui encontro o sossego que preciso para criar”, explica Joakin Pereyra.

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