Há quem garanta que a primeira partida de xadrez jogada à distância opôs o monarca britânico Henry I e o rei francês Luís VI, no século XII, mas também há quem defenda a tese de que o primeiro confronto remoto ocorreu cerca de trezentos anos antes, entre o imperador bizantino Nicéforo e o califa de Bagdade, Harun al-Rashid. Certo é que esta vertente do xadrez jogada por correspondência é bem antiga e tem vindo a acompanhar o curso da história da Humanidade, dos países e, muito particularmente, dos meios de comunicação.
No xadrez por correspondência, a mesma partida pode demorar vários anos e os jogadores nunca estão em contacto presencial. Os lances já foram transmitidos por mensageiros a cavalo e por pombos-correio, mais tarde, por telegramas em código morse e, claro, por carta e postal. Foi só na primeira década do século XXI, com a democratização do acesso à internet, que o xadrez por correspondência evoluiu para o universo online.
Para competir neste 73.º Campeonato Individual Europeu, Luís Grego jogou através do servidor da Federação Internacional de Xadrez por Correspondência. “Em vez de irmos aos correios enviar os lances, cada jogador tem uma password para aceder ao servidor da Federação Internacional e é lá que regista a sua jogada”, resume o xadrezista.
Antes de ingressar no Beira-Mar, Luís Grego passou pelo Orfeão de Águeda, pela Associação Académica de Coimbra, pelo Ateneu Comercial de Lisboa, pelo Instituto Superior Técnico e, finalmente, pelo Sporting Clube de Portugal. Porém, tudo terá começado muitos anos antes, à porta de casa, na localidade do Sardão, em Águeda. “Desde muito pequeno que me lembro de ter um tabuleiro de xadrez lá em casa, mas foram os meus vizinhos de infância – Joaquim e Luís Castro Ferreira - que me ensinaram como é que se moviam as peças num jogo de xadrez”, recorda, em entrevista à Aveiro Mag, confidenciando que, “ao fim de quinze dias, eu já lhes ganhava”. Luís começou também a jogar na escola e rapidamente foi convidado para se juntar à secção de xadrez do Orfeão de Águeda. Foi lá que participou nas primeiras provas e arrecadou as primeiras conquistas. A secção viria a terminar, alguns anos depois, quando Luís e a sua equipa de jovens xadrezistas abandonam a localidade para ingressar no ensino superior.
Terminada a universidade, Luís Grego continuaria a competir regularmente, no entanto, à medida que as exigências da sua vida profissional lhe iam roubando o tempo que o xadrez tradicional exige, começou a dedicar-se à vertente do xadrez por correspondência.
“No fundo, o xadrez por correspondência é a versão científica do xadrez de tradicional jogado em tabuleiro. Os jogadores não estão em contacto, os jogos duram muito tempo e é permitida a consulta a bases de dados e a utilização de programas informáticos”, esclarece. “É a busca da perfeição, daí a esmagadora maioria dos jogos terminar empatados”, acrescenta. Na verdade, das 136 partidas disputadas neste 73.º Campeonato Individual Europeu de xadrez por correspondência, 129 terminaram empatadas.
“O tempo de reflexão é de 50 dias por cada dez lances. Em média, cada etapa do campeonato pode demorar dois a três anos. Esta fase final demorou quatro porque houve um jogo que, excecionalmente, demorou muito”, conta Luís Grego, referindo-se à partida entre Mikhall Churkin e Sergey Kishki. “Na prática, o jogo já estava empatado, qualquer um dos jogadores podia ter requerido o fim da partida com um empate. Mas não o fizeram” – naturais da antiga União Soviética, os jogadores estarão “em litigio” com a federação internacional e, ao que tudo indica, terão resolvido prolongar o jogo propositadamente, violando o código de conduta. “Tive de esperar que esse jogo terminasse porque, em caso de vitória de um desses jogadores, seria ele a ficar em primeiro”, nota o aguedense.
Então, como é que se ganha uma competição? “Com pequenas vantagens”, desvenda Luís Grego. “Temos de analisar as partidas do adversário, ver como é que responde a cada tipo de lance, que variantes é que usa, e tentar perceber quais são as posições em que se sente menos confortável”.
Tendo em conta a experiência dos jogadores, o tempo dado para refletir sobre cada jogada e, obviamente, a possibilidade de recurso a softwares especializados, é quase impossível haver falhas, mas “o fator humano faz com que os erros aconteçam”. No decorrer deste torneio, o jogador aurinegro ter-se-á precipitado numa jogada e cometido um erro que o levaria a perder um jogo – o único ao longo de toda a competição. “Essa derrota ia-me custando o campeonato”, admite. “Se não fosse essa derrota, já era campeão há dois anos”.
Mas há mais: “no xadrez por correspondência não se jogam gambitos [lance de abertura em que se sacrifica uma peça para causar maior perda ao adversário]”, explica Luís Grego. “Nesta vertente, isso não funciona. A partir do momento em que se tem um peão de vantagem, com consulta às bases de dados e com a ajuda dos programas de análise, esse peão deixa de ser um risco e passa a ser uma garantia de, pelo menos, não perder o jogo. No xadrez por correspondência, para tentar ganhar, há que tentar manter o maior número de peças no tabuleiro. Tentar criar a confusão sem simplificar a posição. No xadrez tradicional, faz-se o oposto. Tenta-se criar pequenas vantagens que nos deem a iniciativa do jogo e obriguem o adversário a assumir uma posição defensiva”.