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Pedro Gonzaga: “Ser DJ não é só escolher música. É a paixão pela partilha”

Artes

O hábito de sair à noite para beber um copo, dar dois dedos de conversa e dançar sempre teve um ritual associado. Nas noites em que se enchiam de gente, numa comunhão mais ou menos desinibida de conhecidos e desconhecidos, os bares e discotecas transformavam-se em verdadeiros espaços de partilha e encontro. Brindava-se à vida, celebravam-se amizades antigas e nasciam novas relações. Na cabine, um DJatarefado tratava de conduzir o serão ao som da melhor seleção musical. Nas pistas, a vibração da música, a vertigem das luzes e o calor delirante da multidão não deixavam ninguém indiferente. Entre coreografias exuberantes e movimentos mais discretos, todos se aventuravam num pezinho de dança. E o desassombro daqueles para quem a festa só terminava de manhã, tinha no ar fresco da cidade, no silêncio revigorante e na luz envergonhada da aurora as suas maiores recompensas.

Por conta das medidas de combate à pandemia, há mais de um ano que este ritual não se repete. Bares e discotecas mantém-se de portas fechadas e a possibilidade de retomarem atividade continua a não constar dos mais recentes planos de desconfinamento do Governo. Os profissionais do setor – como aqueles que, de discos em riste e aos comandos de uma mesa de mistura, ajudavam a definir o pulsar das pistas de dança – anseiam pelo crepúsculo de melhores noites, mas a esperança vai-se dissipando semana após semana. Pedro Gonzaga, de 38 anos, é um desses profissionais.

Este ilhavense que, durante vários anos, foi DJ residente da mítica Estação da Luz, formou-se em ciências da comunicação, na Universidade do Porto, e chegou a trabalhar como jornalista. No entanto, a crise no setor acabaria por motivar o seu afastamento da profissão e ditar que se dedicasse a outra vocação: a música.

No caso de Pedro, pode dizer-se que o gosto pela música “é de família”. Filho de um apaixonado pelo high-end – equipamentos de grande qualidade, por norma, associados a custos elevados –, cresceu rodeado de excelentes aparelhagens de som, amplificadores de alta gama e colunas de grande categoria. Com equipamentos destes, qualquer faixa de boa música facilmente se transformava numa experiência auditiva ímpar. Não é, portanto, de estranhar que Pedro tenha desenvolvido grande curiosidade pelo funcionamento destes aparelhos, bem como uma paixão especial pela música que neles ia experienciando.

O próprio Pedro, apesar de tudo, parece ter outra visão: “Tornei-me DJ porque fui um músico frustrado”, admite, ainda que nem por um segundo lamente o caminho que percorreu. No secundário, partilhou o sonho de tantos adolescentes de ter uma banda de rock. Mas, além de nunca ter aprendido a tocar um instrumento, “o que me despertava mesmo interesse era ver os DJs a trabalhar ao vivo nas festas e discotecas que frequentava”.

“Descobri que ser um bom selecionador de música e partilhar os meus gostos com os outros seria uma boa alternativa para colmatar essa lacuna . E acho que acertei na muche”, afirma, convicto.

Pedro Gonzaga estreou-se como DJ num convívio de estudantes, em Coimbra. “Correu muito bem. Toquei o tipo de música que gostava e que ouvia na altura”. A partir daí, a palavra espalhou-se de tal forma que, em pouco tempo, garantiu residência no Bárbaro Bar, na Travessa do Rossio, em Aveiro. Pedro assegurou as noites de sexta-feira durante cerca de dois meses até que um irrecusável convite ditaria a sua saída.

Foi com “um enorme orgulho” que Pedro aceitou tornar-se DJ residente da Estação da Luz. Inaugurada no final da década de 1980, esta discoteca continua a ser um dos espaços de diversão noturna com mais história no país. Pedro suspeita que “os aveirenses talvez não tenham noção do marco que a Estação da Luz chegou a representar a nível nacional. Sabias que a primeira rave que houve em Portugal teve lugar na Estação da Luz?”, questiona, à conversa com a Aveiro Mag. Por acaso, até sabíamos. Estima-se que, nessa noite de inverno, em 1992, perto de 2800 pessoas de todo o país tenham marcado presença na discoteca aveirense, naquele mesmo espaço que, anos mais tarde, Pedro passaria a encarar como casa.

“Lembro-me perfeitamente da primeira vez que toquei na Estação da Luz. A pista de dança estava cheia. Mais de metade da pista eram amigos meus, mas eu estava tão nervoso que não consegui pousar a agulha . Tremia por todos os lados”. Foi assim a primeira de “muitas noites memoráveis” para Pedro na discoteca onde viria a passar os nove anos seguintes, período que recorda com carinho e gratidão. “ partilhei a cabine com vários artistas que admirava e aprendi muito com os outros DJ residentes”, sublinha Pedro. “Foi na Estação da Luz que me tornei um DJ a sério”, assegura. Mas o que é que isso significa? Na ótica do ilhavense, “ser DJ não é só escolher música. É a paixão pela partilha” que mais importa. “Há pessoas que têm muito boas coleções de discos , mas que depois não as sabem partilhar com as pistas de dança. Um bom DJ é aquele que sabe ‘ler a pista’ e perceber o que público quer a cada momento. É algo que só se aprende com a prática, com a ousadia de arriscar uma escolha arrojada e com a humildade de aceitar que há noites que não correm tão bem”, explica o DJ. Uma vez alcançada, “a sensação de ter uma pista de dança inteira ligada a nós, conectada com aquilo que estamos a partilhar, é indiscritível. É esse fascínio que, ainda hoje, passados tantos anos, continua a fascinar-me quando toco”, acrescenta.

No que diz respeito a espaços de diversão noturna, no entender de Pedro, “Aveiro já esteve mais bem servida”. “Por volta de 2006, qualquer barzinho de Aveiro tinha uma mesa de mistura e dois pratos. Havia a cultura de ter uma programação regular, com DJs residentes e convidados, ouvia-se boa música em todo o lado e havia muito por onde escolher”, lembra.

Pedro dá nota que, nesses anos, havia três grandes discotecas na região de Aveiro, todas elas com público fiel, identidades distintas e em plena atividade: o Quest, em Oiã, também conhecido por Belas Artes, e, em Aveiro, a Estação da Luz e a Oito Graus Oeste. Nos meses de verão, funcionava ainda o Quebra-Mar, em pleno areal, entre as praias da Barra e da Costa Nova. E, se a tudo isto, juntarmos os bares de menor dimensão nas cidades de Aveiro, Águeda e, até mesmo, Ílhavo, é fácil perceber que “o roteiro era fantástico não só para o público, mas também para a valorização dos artistas da região”, como afirma o DJ.

A crise económica que despontou em 2008, bem como o alargamento dos horários de funcionamento dos bares, que passaram a encerrar às quatro da manhã, foram fatores determinantes para uma drástica mudança de paradigma. Por um lado, “as pessoas ficaram com menor poder de compra e deixaram de sair à noite como antigamente”. Por outro, por via da alteração na legislação do horário dos bares, “as discotecas passaram a ter um período de faturação muito mais curto. As pessoas passaram a chegar muito mais tarde e algumas já nem sequer apareciam. Tornou-se difícil sustentar o negócio”.

“Nos meus últimos anos na Estação da Luz, eu tocava no segundo slot, ou seja, das três até às seis da manhã e, muitas vezes, quando começava a tocar ainda não tinha a pista cheia, o que, em anos anteriores, seria impensável”, descreve o DJ.

Hoje em dia, apresenta-se nas cabines em dupla com Luís Rocha que, curiosamente, na mesma altura em que Pedro tocava na Estação da Luz, era o DJ residente do Quest, em Oiã. “Éramos concorrentes, mas conhecíamo-nos bem e sempre respeitámos muito o trabalho um do outro. Quando o Luís sai da Quest e eu saio da Estação da Luz, decidimos marcar um evento para tocarmos os dois. Correu tão bem que começaram a dizer-nos que devíamos tocar mais vezes juntos. Arranjámos um nome – Whitenoise – e avançámos com a ideia”. Nessa altura, tanto Pedro como Luís continuavam a tocar sozinhos, em performances individuais e só pontualmente é que se juntavam como dupla. Até que, certa vez, aconteceu o inevitável: Pedro tocava no Fonte Nova Esplanada, junto ao cais com o mesmo nome e ao Centro Cultural e de Congressos de Aveiro, e, na mesma noite, Luís animava o Canto Vivo, junto ao canal de São Roque. “Nessa noite, os nossos amigos tiveram de se dividir e nós garantimos que não voltaria a acontecer. A partir daí, tocamos sempre em conjunto”, conta.

É com Luís que, em novembro de 2016, Pedro funda a Faina, uma editora e produtora de eventos de música eletrónica em Aveiro que, nas palavras do DJ, “junta um grupo rebelde, irreverente e criativo de artistas” e proporciona “experiências musicais em sítios inusitados”. Não só em sítios, mas também em horários. Os eventos da Faina decorrem em formato matiné. “O horário da tarde é diferente e, quanto a mim, muito agradável. Resulta muito bem. O ambiente é muito mais leve, o pôr do sol ajuda a criar jogos de luz interessantes na pista de dança e ainda apanhamos as primeiras horas da noite ”.

A produtora é a responsável pelas matinés no bar do Galitos, num cenário que tem os canais urbanos da Ria como pano de fundo, pela Rota do Areal, uma série de eventos que percorre as praias da região, e por aquele que é o seu “evento ex-libris”, a sua “imagem de marca”, a sua festa maior: a Faina Maior, na marinha da Noeirinha, em Aveiro.

Já em tempos de pandemia, a Faina criou ainda a Maré Baixa, um ciclo de eventos de música eletrónica de registo mais calmo, realizados ao ar livre, nos quais a lotação é limitada, há lugares e mesas marcados e o espaço para dançar é restrito. Durante os meses de maio, junho e julho, o Maré Baixa ocupa o lounge do Duna Bar, na praia de Mira, dois sábados por mês. Na última quinzena de julho e durante o mês de agosto, é a vez deste ciclo de eventos passar também pela praia da Barra.

Por estes dias, a Faina pode orgulhar-se de esgotar quase todas as suas iniciativas e o ciclo Maré Baixa é bom exemplo disso mesmo. De acordo com Pedro, todas as datas já divulgadas esgotaram em pouco tempo. “São festas que se vendem em cinco minutos! A lotação é curta e as pessoas estão com muitas saudades de estar umas com as outras”. Razões mais do que suficientes para o DJ antecipar nova ronda de eventos com casa cheia assim que novas datas forem divulgadas.

Se, por um lado, há que reconhecer que as restrições de lotação e distanciamento impostas pelas autoridades de saúde são fundamentais para o combate à propagação do vírus, por outro, não há como negar que estas limitações são, de alguma forma, “incompatíveis com o espírito de uma pista de dança”. “A pista de dança é partilha, contacto, vibração e, neste contexto, não podemos ter nada disso”, assume o DJ. Ainda assim, acrescenta, “não queremos estar mais tempo afastados das pessoas”. “Entre ficar em casa isolado ou promover estes pequenos convívios com música mais calma e espaços de dança mais controlados, preferimos a segunda hipótese”, remata.

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