Arte, cinema e associativismo. Três palavras que marcam, particularmente, o percurso de António Costa Valente, produtor e realizador de cinema amplamente premiado que é também o diretor do Festival de Cinema AVANCA, cuja 26.ª edição decorreu no passado mês de julho.
Natural de Avanca, foi aí que assistiu, pela primeira vez, a um filme, numa exibição que aconteceu num espaço que era utilizado para tantos outros fins. Teria entre 12 a 15 anos quando foi assaltado pela descoberta de que “o cinema permite encontrar caminhos muito diversos e, sobretudo, permite grandes explorações”. Esse primeiro encontro com o grande ecrã, conta, trouxe-lhe uma noção clara “de que o cinema permite uma abertura de espaços”.“Isso é também aquilo que mais me agrada e o que me permite estar sempre muito próximo do cinema – o cinema está sempre muito próximo de tudo”.
Arte e cinema, entre dinâmicas crescentes
Arte e cinema. Aveiro viria a materializar, no imaginário de Costa Valente, estas duas palavras. Antes de ingressar no Ensino Superior, rumou à cidade onde o Cinema Estúdio 2002, na Avenida Lourenço Peixinho, exibia filmes diariamente e onde existiam “dinâmicas crescentes”, em torno de uma Universidade ainda muito jovem. “Foi uma descoberta para mim”, conta António Costa Valente, estudante de Artes, recordando as suas idas regulares ao cinema e o contacto com o trabalho criativo de autores que, rapidamente, o levaram a descobrir o grupo AveiroArte. “Autores”, explica, “que tinham um olhar muito interessante para aquilo que era a arte contemporânea”, introduzindo-o a um conjunto de situações que permitiram aquilo que veio a ser o seu percurso.
Aveiro continha em si “um conjunto de dinâmicas crescentes e isso fazia da cidade um espaço, sobretudo, de grande liberdade e de grande esperança. E isso são coisas cruciais, sobretudo para quem é ainda muito novo e está, obviamente, a procurar, a experimentar e a considerar coisas”, partilha.
Tendo, depois, estudado Teatro no Porto e Comunicação Multimédia em Santarém, retornou a Aveiro, onde, entre muitas outras procuras e experimentações, completou um Doutoramento em Ciências e Tecnologias da Comunicação cuja tese foi construída em torno da produção da primeira longa-metragem do cinema de animação português. “Até ao Tecto do Mundo” tinha várias particularidades, explica. “Uma delas tendo a ver com o tipo de tecnologia que foi empregue e a outra o facto de ter sido a primeira vez que, em Portugal, se procurou construir um filme com um tamanho completamente diferente daquilo que até essa altura se tinha feito”.
Produzida pelo Cine Clube de Avanca, a longa-metragem contou com a realização de António Costa Valente, Carlos Silva e Vítor Lopes, tendo juntado cerca de 100 pessoas e levado aproximadamente quatro anos a concluir. Aí, “mesmo a realização foi construída em conjunto”, conta. “Tudo é resultado de juntar: juntar pessoas à volta de uma associação, que é o Cine Clube de Avanca”.
Associativismo e o poder de juntar pessoas
Não só em “Até ao Tecto do Mundo” António Costa Valente destaca o poder inevitável do cinema em juntar pessoas e diferentes valências. Tendo feito parte dos primeiros momentos do Cine Clube de Avanca, associação que celebra este ano 40 anos de fundação e 45 de efetiva e ininterrupta atividade, afirma, invariavelmente, que também o associativismo tem sido “uma palavra muito importante” ao longo do seu percurso. “É sempre importante o associativismo, mesmo nas artes plásticas em que parece que a criação é encarada de forma mais individualizada”, reforça. “Por isso mesmo – por ter esta particularidade de juntar pessoas”.
O Festival de Cinema AVANCA, que assinala este ano 25 anos de realização ininterrupta, é um reflexo disso. Tendo tido início a 22 de julho e com competições internacionais entre 27 e 31 de julho, a 26.ª edição do Festival avançou sob o signo dos “Deslocados”, que, explica Costa Valente, diretor do AVANCA, “são aqueles que viajam sem que isso seja efetivamente o seu desejo”. “Como o desejo é uma palavra crucial – é ela que faz com que as coisas boas possam acontecer –, naturalmente, quando o desejo não está na base de uma deslocação, temos um problema”, reflete. Um festival de cinema, não só é um espaço de encontros, mas também “um processo para ter tudo isto presente, de uma forma ativa, com um olhar ativo.”Tal como a sala de aula.
A educação e a lente que procura o menos óbvio
Costa Valente descreve o seu percurso como um “que procura sempre muitas ramificações e, sobretudo, muitos encontros” e que, implicando um trabalho de criação, pressupõe também um trabalho de descoberta. E essa, explica, acontece “sempre no espaço da educação.”
Acreditando no poder de uma sala de aula enquanto “espaço onde tudo se coloca em questão”, tem vindo a lecionar em diferentes instituições de Ensino Superior, sendo, atualmente, Professor Auxiliar na Universidade do Algarve.
A sala de aula, conta, é um espaço “onde a aprendizagem é de constante pergunta-resposta e de interrogações. Um espaço onde não sabemos exatamente qual será o fim. O ensino é isso mesmo: é, de novo, um espaço de grande diálogo, é um espaço onde tudo o que se coloca em cima da mesa é algo que precisa de ser plenamente explicado e, sobretudo, plenamente interrogado”. E isso, aprofunda com entusiasmo, “abre as portas a que a sala de aula seja também uma pequena tempestade de muitos ventos” que acaba por levar à construção do inimaginável, “que é sempre o que se deseja, sobretudo quando se está num espaço de Ensino Superior em que as artes são o mote”.
Tendo produzido e realizado filmes que foram distinguidos com mais de três centenas de prémios em festivais de todos os continentes, Costa Valente aponta, como elemento comum a todas as suas obras, “a preocupação com um ponto de vista muito particular”. “Tem de ser um ponto de vista de uma câmara livre, de uma câmara ativa. Um ponto de vista muito mais subjetivo do que ficar sentado num sofá a assistir ao que está a acontecer”, explica. Em cada uma das obras, “há certamente um olhar que fica completamente de esguelha, que encontra uma linha do horizonte completamente vertical, que nunca reflete aquilo que parece ser a normalidade”.
E a vontade de criação, que “quando nos afastamos do que parece mais óbvio”, não cessa. “Há novos filmes a chegar”, conta. “Esse é também o objetivo daquilo que é a minha atividade: que os filmes possam dar lugar uns aos outros.”
“Há sempre um sítio, em qualquer parte do mundo, em que estará um filme produzido pelo Cine Clube de Avanca a ser exibido. E, portanto, é esse o nosso objetivo: que haja essa continuidade de exibição e que os filmes possam encontrar pessoas – mais diversas – e que possam criar o diálogo que nós não podemos criar, dadas a extensão e dimensão do planeta em que vivemos”.