No passado sábado, dia 25 de fevereiro, a Aveiro Mag assinalou o 4.º aniversário com uma tertúlia dedicada ao tema “Aveiro: região de ciência, tecnologia e cultura”. Com moderação a cargo da jornalista Maria José Santana, diretora da Aveiro Mag, a sessão pública teve lugar no salão nobre do Clube dos Galitos, em Aveiro, e contou com as intervenções de Pedro Almeida, diretor do PCI – Parque de Ciência e Inovação – de Aveiro, Pedro Pombo, diretor da Fábrica Centro Ciência Viva e José Pina, diretor do Teatro Aveirense, além da participação de dezenas de leitores, colaboradores e parceiros da Aveiro Mag.
À primeira vista, ciência, tecnologia e cultura podem parecer dimensões estanque, de desenvolvimento autónomo e suficientemente distintas para se influenciarem umas às outras. Todavia, à medida que estes domínios têm vindo a ganhar relevância no dia-a-dia das comunidades, tem-se verificado o oposto. Veja-se, a título de exemplo, como a investigação científica tem influenciado a forma como nos comportamos, como encaramos o planeta ou os recursos que consumimos; veja-se como a inovação tecnológica tem contribuído para o bem-estar das populações, seja na área da saúde ou na forma como interagimos com a arte nas suas variadas formas; repare-se, também, na maneira como as novas gerações, à boleia do progresso, têm passado a aceder à informação ou a adquirir conhecimento; ou como temos vindo a mudar a forma como comunicamos uns com os outros, à medida que exploramos novos meios e ferramentas de expressão. Não restam, portanto, muitas dúvidas de que o conhecimento científico, concretizado em produtos e soluções tecnológicas, molda a forma como nos relacionamos connosco mesmos, com os outros e com o mundo. Da mesma forma, à medida que a cultura se desenvolve, surgem necessidades e anseios que só a ciência e a tecnologia podem colmatar. E nesta teia de interdependências, os territórios onde a ciência, a tecnologia e a cultura estão mais desenvolvidas, surgem, de certa forma, privilegiados.
Com um vasto histórico no desenvolvimento de soluções e equipamentos para telecomunicações, na promoção de estratégias de modernização digital e na mais recente implementação da rede 5G, há várias décadas que Aveiro está na linha da frente no que à ciência e tecnologia diz respeito. O PCI – Parque de Ciência e Inovação –, por exemplo, é testemunho desse espírito aveirense de inovação e empreendedorismo. “O PCI foi criado para ser o promotor estratégico da inovação, do conhecimento e do empreendedorismo da região de Aveiro”, introduz Pedro Almeida, diretor do parque. “Temos três unidades estratégicas: a Design Factory Aveiro, que trabalha a componente de inovação; a Incubadora de Empresas da Universidade de Aveiro e o BIC - Business Inovation Center, uma unidade de consultoria que dá apoio às empresas para que estas possam estruturar a sua gestão estratégica de investigação e desenvolvimento”, lista.
Foquemo-nos na incubadora, que já vai com quase 50 empresas incubadas. Destas, avança Pedro Almeida, “cerca de 40 por cento, têm origem internacional”. “A incubadora foi criada para dar apoio à criação de empresas de base tecnológica a partir de ideias de funcionários e estudantes” da academia, mas, hoje, apesar de continuar a apoiar projetos de base tecnológica, “está aberta ao mundo”. “Acolhemos empreendedores de qualquer geografia”, enquadra. Outro dado interessante diz respeito à faturação destas empresas: “No final do ano passado, faturaram mais de 30 milhões de euros”, garante o diretor do PCI, concluindo que “nestes negócios de cariz tecnológico, as empresas rapidamente conseguem escalar, chegando a volumes de faturação que impressionam”. E prossegue: “O principal motor desta economia é, sem dúvida, o conhecimento. É conhecimento que se está a vender. Espero – e vai, certamente, acontecer – que, dentro de meia dúzia de anos, a faturação destas empresas já ande na ordem das centenas de milhões”.
Neste momento, segundo Pedro Almeida, o PCI tem capacidade para acolher até 150 empresas – a taxa de ocupação atual é de 85 por cento -, mas já está em curso um plano de expansão. “Estamos a trabalhar para construir novas infraestruturas para conseguirmos dar respostas às necessidades”, adianta, alertando para o facto de o parque trabalhar “sempre com base numa lógica de necessidade. Os novos edifícios vão surgir porque há um conjunto de entidades que asseguram a sua ocupação”.
Com os olhos postos na comunidade da região de Aveiro, Pedro fez questão de sublinhar “a ligação aos agrupamentos de escolas”, considerando “importante que os alunos possam conhecer o parque e as empresas que estão no parque”. “Estamos a promover junto dos agrupamentos de escolas a realização de estágios curriculares com empresas do parque. O acesso aos recursos humanos é cada vez mais complicado pelo que, quanto mais cedo se começar a trabalhar com as estruturas que produzem estes recursos humanos – as escolas – melhor será para as empresas e para os próprios alunos, que passarão a poder ter contacto com a realidade das empresas antes da fase final da sua formação académica” e, desta forma, “conseguirão orientar o seu percurso formativo para as áreas que mais gostam e em que se sentem mais motivados para trabalhar”.
Se o PCI se dedica à inovação e ao empreendedorismo com base tecnológica, a missão da Fábrica Centro Ciência Viva passa pela divulgação científica, principalmente, direcionada a crianças e jovens. “A nossa oferta educativa está distribuída por 14 salas onde temos conteúdos de ciência que ocupam uma área total de 3.750 metros quadrados. Tirando o Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa, somos o maior centro da rede Ciência Viva. Ter esta estrutura instalada em Aveiro é um investimento da universidade para a cidade”, entende Pedro Pombo, diretor da Fábrica.
Há que esclarecer, no entanto, que, apesar de as visitas à Fábrica – das quais, 62% são provenientes de alunos do ensino básico e secundário – constituírem o principal foco do projeto, “a Fábrica não trabalha exclusivamente para escolas”. “Por vezes, entende-se que a Fábrica, enquanto Centro Ciência Viva, é um espaço exclusivamente dedicado às escolas e aos públicos infantojuvenis. (...) Mas nós somos um centro diferente”, explica o diretor. Antes de mais, há que recordar que, ao contrário dos restantes centros da rede Ciência Viva, a Fábrica não é uma associação sem fins lucrativos, mas sim uma unidade orgânica da Universidade de Aveiro o que, de acordo com Pedro Pombo, permite “ter uma atuação muito próxima da ciência, dos investigadores, dos laboratórios e das empresas”. Já no que respeita à sua atividade, e além do programa indoor e das visitas ao edifício da Fábrica, há dois outros domínios através dos quais o centro aveirense marca pela diferença e que têm ajudado a garantir a sustentabilidade de todo o projeto.
Em primeiro lugar, o programa educativo itinerante desenvolvido, para divulgação científica “fora de portas” e “por todo o país”. Em execução desde 2011, este programa surgiu como resposta a um desafio da CIRA – Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro – para que a Fábrica pudesse sair das suas instalações e, assim, envolver mais pessoas e, desde aí, tem contribuído para aumentar significativamente a abrangência da atuação da Fábrica, acrescentando ao número de visitantes, o público que participa nas atividades fora de portas. “É interessante pois conseguimos mostrar a ciência que se faz em Aveiro não só às pessoas que visitam o nosso edifício, mas também a pessoas de todo o país”, diz Pedro Pombo.
Todos os anos, a Fábrica recebe uma média de 40 mil visitantes. Cerca de metade, é proveniente dos municípios da CIRA; a outra metade, de territórios fora da região. Com isto, “a Fábrica acaba por ser um instrumento de atração de pessoas para a cidade. Temos programas articulados com departamentos da universidade, assim como com espaços culturais e empresas turísticas da cidade”. Para o diretor da Fábrica, “a cultura científica é uma área da cultura”. “Nós promovemos a cultura científica, mas fazemos questão de não a fechar numa gaveta. É bom “que a visita não se limite à cultura científica, mas possa extravasar para todo o fantástico ecossistema cultural da cidade de Aveiro”.
Por fim, há ainda aquela que é a linha de atuação da Fábrica que menos se conhece e que passa pelo desenvolvimento e comercialização de produtos. “Criar exposições, produzi-las e instalá-las noutros centros Ciência Viva, em museus ou em espaços municipais”, resume Pedro Pombo.
Nas palavras do diretor, é graças a este modelo de funcionamento que um espaço como a Fábrica pode ser financeiramente sustentável. “A bilheteira tem um valor reduzido para que possa ser o mais inclusivo possível. Isto significa que quando um estudante vai à Fábrica com a sua escola, o valor que paga pelo bilhete não paga tudo o que ele vai lá fazer. As pessoas não sabem, mas a Universidade de Aveiro está a cofinanciar o bilhete daquela criança. arranjámos maneira de vender outros serviços”, reforça.
Para aqueles que ainda não estiverem convencidos que ciência e tecnologia convivem bem com cultura, o município de Aveiro tem ajudado a provar o contrário com iniciativas como o Prisma/Art Light Tech – festival de exploração dos espaços urbanos da cidade de Aveiro que tem a luz como matéria-prima e eixo principal do roteiro artístico – ou o Criatech – evento de promoção da criação artística que combina as artes digitais com a tecnologia em espaço público e patrimonial. Para José Pina, diretor do Teatro Aveirense, “a dimensão da ciência e tecnologia é essencial”, ainda mais quando se trata de Aveiro, “um território em que estas dimensões estão inscritas no ADN”. Questionado sobre o papel da ciência e da tecnologia no projeto “Aveiro Capital Portuguesa da Cultura 2024”, o programador salvaguardou o facto de o município aveirense ainda estar “a definir quais vão ser os objetivos a atingir com o projeto, o orçamento, os recursos e a logística”, mas afirmou estar convicto que essas dimensões serão trabalhadas. José Pinha recordou que a candidatura de Aveiro a Capital Europeia da Cultura 2027, que servirá de base para a conceção do projeto para 2024, “não era só um programa cultural de ações e eventos”, mas sim uma visão mais ampla e que pretendia responder à questão “Como é que, através da cultura, podemos construir um futuro melhor para a cidade, a região e as suas comunidades?”.