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Diana Ferreira: “O mais importante é mesmo fazer a música acontecer”

Artes

A pretexto dos Reencontros de Música Contemporânea, que decorrem até 28 de maio no Teatro Aveirense, a Aveiro Mag esteve à conversa com Diana Ferreira, da direção da Arte no Tempo, associação responsável pela organização desta bienal.

Nascida em Aveiro, em 1976, Diana Ferreira é um dos principais rostos da associação criada em 2002 e que assume, também, a realização do Aveiro_Síntese, entre outros projetos.

Estudou música no Conservatório. Foi aí que tudo começou?

Comecei um bocadinho tarde. Eu já estava no 9.º ano quando fui estudar piano. Na altura, ainda era possível andar desfasado. Já estava na universidade, em Físico-Química, quando percebi, claramente, que o que eu queria mesmo era fazer música. Desisti do curso, fiquei um semestre a preparar-me para fazer as provas e consegui entrar. Daí em frente, ia ser compositora. Entretanto, começámos a organizar o primeiro festival. Eu ainda era aluna quando fizemos o primeiro festival, tinha 20 anos. Descobri que isto de programar concertos e fazer com que as coisas aconteçam faz com que me sinta muito mais útil do que a tentar escrever a minha própria música. Escrever música dá imenso trabalho, é muito solitário. Quando descobrimos obras que é tão importante divulgar...

Mas a Diana tem obras da sua autoria, peças já premiadas.

Sim, mas isso é passado. Não tenho conseguido arranjar tempo. Fica sempre para trás. Por algum motivo será. Se calhar, o mais importante é mesmo fazer a música acontecer. Estar com as pessoas. É tão incrível isto de poder desafiar as pessoas, pôr músicos em contacto com compositores, fazer as coisas acontecer. Sinto que, de alguma forma, estou a fazer parte da história, se calhar, melhor do que se estivesse a escrever a minha música, sozinha, à secretária. Desta forma, faço as coisas acontecer. E isso é mesmo muito gratificante.

Também colabora com o jornal Público...

Sim, ocasionalmente. Uma vez por mês, exceto neste mês de maio em que não consegui colaborar.

Como é “fazer acontecer” numa cidade como Aveiro?

Aveiro já foi mais pequena. Quando começámos, no final dos anos de 1990, era bastante mais pequena. Por acaso, gostava dessa dimensão que a cidade tinha. Há imensas vantagens em poder trabalhar numa cidade pequena. Numa cidade pequena, qualquer coisa que se faça, faz a diferença. Pode ser mais difícil cativar o público, mas não sei se miúdos de vinte anos teriam grande aceitação numa cidade maior. Eu sou de Aveiro, interessa-me fazer coisas em Aveiro. Neste momento, a cidade já está muito diferente daquilo que foi a cidade onde cresci, onde fiz o secundário. Sobretudo, a cidade dessa fase do secundário, em que eu acordei para o mundo. A cidade tem muito mais gente... sinto-me um bocadinho estrangeira, aqui enfiada na praça Marquês de Pombal, no coração da cidade de Aveiro. Sinto-me mais conectada com pessoas de outras cidades pelo mundo que fazem coisas parecidas e menos conectada com esta cidade onde anda tanto turista. Ultimamente, tenho sentido vontade de ir viver para o campo. Por outro lado, Aveiro é a cidade que eu escolhi. Podia ter ficado em Lisboa, mas gosto de Aveiro.

Chegou a estudar fora, pelo que percebi.

Sim. Fiz um semestre na Bélgica. Aos 20 anos, quando começámos a fazer aquele festival, eu tinha entrado na Escola Superior de Música de Lisboa. Em Aveiro só havia um curso para via ensino. E eu não queria nada ser professora. Acabei por ser e, ainda hoje, tenho de ser. Fui para Lisboa estudar composição sem me perder com as cadeiras pedagógicas, só que não consegui largar Aveiro. Andei ali um ano a ir para Lisboa aos fins de semana. Fazia as aulas de sexta-feira – tinha aulas de História da Música do Século XX, das quais gostei muito –, e ia aos concertos da Orquestra da Gulbenkian. Foi importante esse contacto, mas não consegui largar Aveiro. Então, trouxe Lisboa até cá. Começámos a fazer concertos com estágio de interpretação de música contemporânea que, de algum modo, está replicado no “Nova música para novos músicos”, um projeto que decorre em todas as bienais que fazemos. São alunos de todos os pontos do país a tocar peças de jovens compositores e outros não tão jovens, obras escritas e pensadas para estudantes de música. Esse é um aspeto muito importante: muitas vezes, nos conservatórios, não se faz música contemporânea. Porque as peças são muito complicadas ou porque os professores não estão tão motivados para essa linguagem. Quando nós começamos a tentar pôr alunos e professores a trabalhar a música contemporânea, as coisas tornam-se mais simples. Há, agora, mais professores e mais alunos motivados para isso. Não é só por causa do nosso projeto. O nosso projeto foi um dos primeiros, mas começaram a aparecer outros e há cada vez mais. A música contemporânea já está na moda de uma forma mais interessante. Nos anos de 1990, os músicos que tinham vontade de tocar música contemporânea não eram tão bons. Agora, não é assim. O nível dos músicos portugueses aumentou imenso. Há músicos com muito mais técnica do que havia antigamente. Houve mesmo uma mudança radical. E há muito mais predisposição para fazer música do nosso tempo.

Estes Reencontros de Música Contemporânea têm aqui um papel importante nessa mudança.

Vou dizer que têm um papel importante porque acredito que andamos aqui a fazer alguma coisa. Uma bienal sozinha não muda grande coisa. É preciso um trabalho regular. O facto de este espaço existir faz com que as pessoas que desenvolvem música contemporânea saibam que aqui é possível apresentarem trabalho. Pode acabar por servir de estímulo para alguns músicos e para alguns compositores. Sabem que, aqui, se as coisas forem conversadas com tempo e se o trabalho que apresentam for sério, há aqui um espaço onde podem apresentar o seu trabalho. Trabalhamos muito com músicos portugueses. Temos sempre um ou outro estrangeiro, mas temos sempre muitos músicos portugueses. E isso só é possível agora porque o nível aumentou muitíssimo. Vamos ter a Orquestra Filarmonia das Beiras dirigida pelo Nuno Coelho, um maestro fantástico. É um jovem brilhante. Sempre quisemos incluir a Orquestra Filarmonia das Beiras, por ser a orquestra da região, mas agora fazemo-lo na certeza de que o resultado vai ser o melhor possível. A Orquestra está melhor e, com maestros que fazem este tipo de trabalho, a Orquestra vai tocar sempre melhor. É mesmo muito satisfatório sentir a diferença. Eu lembro-me de ouvir tocar a Orquestra Filarmonia das Beiras a tocar em 1997, quando começou, e não era a mesma coisa.

Este ano, vão ter várias estreias na Bienal.

Os números mudaram um bocadinho. Há peças que acabam por perceber que não conseguem tocar neste prazo ou que mudam de programas. Serão 39 obras de 29 compositores; 20 são portugueses; 18 ainda estão vivos; e são 20 estreias absolutas e 1 estreia nacional.

Em termos locais e regionais, já sabemos. Mas qual é o posicionamento desta Bienal no âmbito nacional? Há margem para crescer? Já atrai algum público? Compositores, já percebemos que sim, que olham para esta Bienal como um palco importante para apresentarem o seu trabalho. Em termos de público, qual o posicionamento da Bienal?

É sempre difícil. Há sempre pessoas que vêm de fora da cidade. Não me lembro de ninguém que tenha vindo do estrangeiro. Vêm sempre algumas pessoas de Lisboa ou do Alentejo, mas não arrasta multidões. É como aqueles cinéfilos que vão para os clubes de cinema de Bragança porque há um festival com o qual se identificam, mas não é um programa para massas. Ao mesmo tempo, tentamos trabalhar com o público local. Este ano, vamos ter para aí uma dúzia de alunos da José Estêvão. Fizemos algumas sessões de audição comentada na José Estêvão ao longo do ano letivo. Alguns alunos que não estudam música vêm como público. Isso é muito positivo. Mas é um trabalho que é muito lento. Desta dúzia de alunos, se calhar, no próximo ano só vêm dois. Mas, quem sabe, não são dois que ficam para o resto da vida? O trabalho de desenvolvimento de públicos é mesmo muito difícil.

E o restante público de Aveiro? Já participa na Bienal? Ou ainda está à margem do que acontece e não dá a devida atenção a este importante encontro?

Para nós é bastante difícil trabalhar a parte da comunicação. Não sei como é que se trabalha a comunicação. Só com mais dinheiro, com um assessor de imprensa daqueles que estão sempre a telefonar, é que se consegue maior visibilidade. E, mesmo assim, isso não garante público. Garante que as pessoas sabem o que acontece, mas não garante que se deslocam até ao teatro.

Fico muito satisfeita quando estou num concerto e vejo caras que não conheço. É daquelas coisas que me dá uma grande alegria. Geralmente, conheço as pessoas todas. Não têm de ser amigos. Muitas vezes são pessoas com as quais não tenho nenhuma relação, mas que já conheço, que já apareceram noutro concerto. Há pessoas que conheço porque têm aparecido em concertos, que eu nunca tinha visto na vida e que acabam por voltar. Isso também é muito gratificante. Mas a sensação de ter alguém que não sabemos que é... Isso é mesmo especial. Ficamos muito contentes quando vemos público novo. Às vezes, é público muito mais velho, pessoas de setenta anos que nos aparecem. Mas é sempre muito gratificante.

Uma coisa importante que nós também temos feito é trabalhar com as escolas do 1.º Ciclo. Este ano, trabalhámos com as escolas do Agrupamento de Escolas de Aveiro e o Agrupamento de Escolas de Esgueira, despertando os alunos para a escuta e para uma prática musical com objetos do dia-a-dia que podem ser utilizados para fazer música. É uma forma de os despertar para a expressão musical e de lhes criar uma certa abertura para a escuta de música nova. As crianças têm reações muito diversas umas das outras, mas demonstram tanta abertura para a música nova como para a música antiga. São esponjas, absorvem tudo.

Vou lançar-lhe um desafio: destacar dois ou três espetáculos.

É um exercício ingrato. Posso destacar compositores?

O António Chagas Rosa, um compositor de quem vamos estrear duas obras, um concerto para violino e orquestra, com a Orquestra Metropolitana de Lisboa, que o António queria muito escrever e nunca mais andava para a frente. Nós fizemos-lhe a encomenda e contactámos a Orquestra Metropolitana de Lisboa e o projeto vai acontecer. Ficamos muito contentes quando vemos o entusiasmo dos compositores a fazer acontecer aquilo que eles idealizam. O António Chagas Rosa nasceu em 1960, é um compositor português. Esteticamente, não me revejo no trabalho dele, mas é um compositor com uma qualidade de trabalho muito interessante. É importante o programador não se cingir àquilo que gosta, mas dar oportunidade àquilo que sabe que é bom, mesmo que não seja exatamente aquilo em que se revê mais. O António Chagas Rosa tem um corpo de trabalho bastante sólido, é muito honesto, não tenta fazer diferente para agradar aos programadores. É o que é.

Destaco também o Helmut Lachenmann, um compositor nascido em 1935, uma figura incontornável da música contemporânea, dos mais importantes da segunda metade do século XX. O ars ad hoc e o duo de guitarras do Gil Fesch e do Nuno Pinto vão tocar obras dele. Há pouco, relativamente ao Chagas Rosa, não disse, mas a Kuniko Kato e o Nuno Aroso vão estrear uma obra, que já era para ter sido estreada em 2021, inspirada nos diários do Delacroix, um pintor um bocadinho à frente do seu tempo, mas que odiava tudo o que era seu contemporâneo. Vejo aqui algo do próprio Chagas Rosa. Não é que ele odeie tudo o que é seu contemporâneo, mas é muito pouco vanguardista. Há alguma metáfora aqui.

Por último, o György Ligeti, nascido a 28 de maio de 1923. Celebramos o seu centenário de nascimento no dia em que terminamos os Reencontros. A Orquestra Metropolitana e a Orquestra Filarmonia das Beiras vão tocar obras dele. Esse concerto de encerramento, para mim, também será especial. Além de termos as Beiras dirigidas pelo Nuno Coelho, temos três solistas portugueses. E o nível vai ser muito alto, tenho a certeza. Temos uma obra do Jorge Peixinho, uma estreia de João Carlos Pinto que foi uma encomenda da câmara municipal de Aveiro e uma obra de Ligeti, cantada pela Andrea Conangla com a Orquestra das Beiras. Estou com grandes expectativas.

Fica o convite para os aveirenses (e não só) marcarem presença.

E os bilhetes são baratíssimos. O bilhete mais caro é o das orquestras, que são seis euros. Temos bilhetes a dois euros e a maior parte dos bilhetes são a quatro euros. Há passes com descontos. O bilhete não será uma razão para não vir ver o que se passa, que música é que anda a ser feita.

Kuniko Kato e Nuno Aroso, dois dos intérpretes que vão marcar presença na Bienal RMC 2023

Como é que podemos apresentar a Arte no Tempo?

A Arte no Tempo é uma associação cultural sem fins lucrativos. Foi criada, em 2002, para a promoção da arte musical contemporânea. Trabalhamos com a música ocidental de tradição erudita. É uma entidade mista, na medida em que fazemos programação, mas também temos alguns projetos de criação. Os nossos projetos tanto resultam de propostas que nos são feitas. Por exemplo, este Portugal Japão com que vamos abrir a Bienal foi uma proposta do Nuno Aroso, com quem mantemos uma grande cumplicidade. A partir daí, o projeto foi-se desenvolvendo e, dois anos depois, vai chegar a público. Há projetos que resultam de um desafio que lançamos aos compositores ou a músicos que depois vão crescendo em direções diferentes daquelas que tínhamos previsto e isso é interessante. São dinâmicas que não são estanques. As coisas vão-se transformando ao longo do tempo até chegarem a público.

Já falámos da Bienal, dos Reencontros, também do Aveiro_Síntese. Mas têm outra atividade regular, as sessões “Que música ouvimos?”, uma vez por mês. Essa atividade é interessante para chegar a novos públicos, para conseguir atrair mais pessoas?

Sim. Quando começámos com esse projeto, em 2018, tínhamos a expectativa de que ia ser incrível, que íamos conseguir ter as pessoas connosco. Os aveirenses eram os protagonistas das sessões. Naquela primeira temporada, os convidados eram sempre pessoas de Aveiro. Achávamos que vinham os amigos dos convidados e que depois iam todos aos concertos. Ora, isso não acontece. Há três ou quatro pessoas que vão às sessões e que vêm a alguns concertos ou espetáculos que nós promovemos. Outras pessoas, vão sempre às sessões e nunca vão a nenhum concerto. É um mistério! As razões que as pessoas apresentam são variadas.

Têm outros projetos na calha? Novidades que estejam para surgir?

Temos um projeto muito importante no seio da Arte no Tempo, o ars ad hoc. Foi criado em 2018. É um grupo de música de câmara que se dedica tanto ao repertório mais antigo como à música contemporânea, embora trabalhe mais música contemporânea porque é o que faz mais falta. Nós começámos só com músicos de fora de Aveiro e, entretanto, já temos um flautista e um vioncelista de Aveiro – o Ricardo Carvalho e o Gonçalo Lélis – e uma viola que também cresceu por aqui e colabora connosco – o Francisco Lourenço. Isso, para mim, também é uma alegria muito grande, poder ter pessoas que partilham da mesma alegria ao falar do nome de uma rua que os outros “estrangeiros” não sabem onde é. É estranho falar-se sobre isto. não é bem bairrismo. É a alegria de gostar de estar numa cidade pequena. O Gonçalo Lélis partilha isto comigo. É uma pessoa que viaja pelo mundo, mas gosta de estar aqui, de ir ao cinema à terça-feira. É engraçada esta noção de família.

ars ad hoc

O ars ad hoc é um projeto central na Arte no Tempo. Neste momento, fazemos residências na Fundação de Serralves, onde apresentamos três programas por ano. Este ano estivemos também em Festivais como o de Viseu e o de Leiria e vamos ao de Marvão em julho. É um projeto com o qual, artisticamente, conseguimos fazer um trabalho mais ambicioso e continuado. A regularidade também traz frutos. Fazer um projeto isolado nunca é o mesmo que fazer um projeto continuado.

Outro projeto que gosto bastante é um podcast que faço com o Nuno Aroso em que temos muito pouco trabalho. Compositores de todo o mundo mandam-nos gravações a falar de qualquer tema que não seja a sua própria música – o que é difícil, porque tudo gira à volta do seu trabalho. É um projeto que nos tem trazido algumas surpresas interessantes. É enriquecedor aprendermos com os compositores coisas que não fazíamos ideia, os seus pontos de vista, as suas perspetivas sobre coisas que nunca nos passariam pela cabeça.

Mais projetos: no próximo ano, vamos fazer uma ópera multimédia com o Ricardo Guerreiro, um compositor que já colabora connosco há mais de 20 anos.

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