Não deixa de ser um regresso a casa, mesmo sabendo que “a casa agora é outra”, bem diferente da que conheceu. O próprio artista mudou, ganhou escala, reconhecimento e é hoje uma referência absoluta na dança portuguesa. No dia 4 de novembro, às 21h30, o bailarino e coreógrafo feirense Marco da Silva Ferreira sobe ao palco do Cineteatro António Lamoso com “Bisonte”, uma criação para seis intérpretes, que convoca memórias afetivas num encontro entre a melancolia e a histeria.
“Queria muito apresentar na Feira outra vez, estar próximo das memórias do passado”, confidencia Marco Ferreira, que acolheu com grande entusiasmo o convite para regressar à carismática sala de espetáculos de Santa Maria da Feira. Está de volta com “Bisonte”, uma peça “cheia de tapetes, de imprevisibilidades, que aborda a construção da identidade, do sujeito, mas também da dúvida, frustração, reconstrução e questionamento”. Um espetáculo aberto a diferentes públicos, com enfoque no adulto jovem, entre os 15 e os 40 anos, “que se conecta mais com o tema, com o ritmo e a estética, com a música e a energia em palco”, sublinha o intérprete e coreógrafo, artista associado da Bienal de Lyon, França, e da Maison de La Dance de Lyon, entre 2023 e 2025, e que mantém a sua ligação ao Rivoli, Teatro Municipal do Porto, estrutura que apoia atualmente o seu trabalho.
Regressar a Santa Maria da Feira é para Marco viajar pelas memórias e regressar ao ponto de partida. O coreógrafo não esquece que o seu percurso na dança começou aos 17 anos, através do desporto escolar do Colégio Liceal de Santa Maria de Lamas, “de forma lúdica, totalmente despretensiosa e descomprometida”. O mesmo não acontecia com a natação, pois era atleta de alto rendimento no Futebol Clube do Porto e mais tarde no CD Feirense, “mas procurava algo mais expressivo e menos competitivo”.
Quando surgiram as primeiras aulas de dança na academia All About Dance (AAD), o interesse foi ainda maior. “Dancei muito, mesmo muito, porque gostava muito de dançar”, primeiro como aluno, algum tempo depois como professor. Marco começou por dar aulas a crianças em escolas do 1º Ciclo, depois a turmas de adultos e mais tarde a jovens no Colégio Internato dos Carvalhos. Trabalhou sem pausas, investiu na formação, viajou pelo mundo com Vitor Fontes e Patrícia Pires (AAD) à procura dos melhores talentos e referências, fez audições para trabalhos comerciais até que, em 2010, participa e vence o concurso de talentos da SIC “Achas de sabes dançar?”, experiência que lhe trouxe a validação que faltava junto do grande público.
Há nomes que Marco da Silva Ferreira não esquece, indissociáveis dos momentos de afirmação na sua carreira como bailarino e coreógrafo, nomeadamente Rita Spider, Victor Hugo Pontes, André Mesquita e Tiago Guedes. Trabalhar com nomes incontornáveis da dança nacional trouxe-lhe mais exposição e reconhecimento, e acelerou a sua transição do circuito comercial para o circuito artístico.
Durante vários anos, Marco foi intérprete para vários artistas, mas “sempre quis trabalhar de forma autoral”. Em 2014, dá-se o ponto de viragem com “Hu(r)mano”, a concretização do seu primeiro trabalho como coreógrafo e criador autoral. “Graças a esta tournée, viajei por vários países do mundo, como Brasil, Inglaterra, Itália, numa espécie de primeira apresentação de quem eu era”, recorda. A esta criação, seguiram-se outras, como “Brother” e “Carcaça”, de escala europeia e intercontinental.
Marco da Silva Ferreira define-se como “bailarino e coreógrafo de dança contemporânea, com um olhar particular sobre as danças de rua e a dança academizada”. Reconhece que a dança é uma expressão artística difícil de interpretar e seduzir grandes massas porque é um trabalho emocional, do foro da abstração, do subjetivo. E apesar do distanciamento natural e inevitável dos últimos anos por questões profissionais, espera reencontrar os amigos de sempre no António Lamoso e encontrar-se com um público verdadeiramente apaixonado pela dança.
* Créditos da foto: José Caldeira