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José Cid: “Uns dias acordo astronauta, noutros acordo tratorista”

Artes

Diz ser "um caso único no planeta" e as suas canções fazem parte da banda sonora e do imaginário dos portugueses há várias décadas.

José Cid recebeu a equipa de “Rui(N)zinho”, o mais recente podcast da Aveiro Mag, no jardim da sua quinta em Mogofores, Anadia, para uma conversa de fim de tarde junto à piscina, acompanhada por café timorense que a esposa, Gabriela Carrascalão Cid, amavelmente preparou. 

Nasceu na Chamusca, em 1942, e foi naquela vila ribatejana que viveu até aos 10 anos. Mudou-se, depois, para Mogofores, mas logo os pais “o exilaram” para o Colégio das Caldinhas, uma escola jesuíta, em Santo Tirso. “Todos os anos ganhava prémios de canto coral e melhor aluno de Francês”, conta. Pouco tempo depois, veio para o Colégio [Nacional] de Anadia e “foi um choque”. “Era uma criança completamente ingénua e o resto da miudagem isolava-se nos pinhais com fotografias de atrizes de Hollywood em biquíni”, recorda, avançando que “em menos de um ano, adaptei-me. Com treze anos já era mais malandro do que eles todos”. “Fiz grandes amigos e muito desporto”, acrescenta. Mais tarde, ingressa no Colégio de Camões, em Coimbra, onde começa a descobrir o gosto pela música. “Tive o privilégio de ficar num quarto no rés-do-chão do colégio. Podia deixar a janela semi encostada, saltar cá para fora e ir para as noites de Coimbra”. 

A partir daí, a história é conhecida: tocou com os Babies, depois com o Quarteto 1111 e, finalmente, em nome próprio. Desistiu de Direito para se matricular em Educação Física e chegou mesmo a dar aulas de ginástica na Força Aérea, mas a música impôs-se sempre no seu caminho. Nessa altura, como diz na canção, “já mordia cá dentro esse bichinho”. Contra a vontade dos pais, recusou que o seu destino passasse por “ser engenheiro ou doutor”. Afinal, tinha nascido para a música. “Graças a Deus tinha a minha irmã mais velha, Maria de São João, que sempre me incitou a desobedecer aos meus pais e abraçar esta vida”, reconhece, admitindo que a irmã foi a sua “verdadeira mãe”. 

Ao longo dos anos, José Cid construiu uma carreira repleta de êxitos, prémios e conquistas. Em Mogofores, contudo, ainda há uma geração que o trata por “Menino Zé”. “Sempre fui mais um aqui na terra. Quando era jovem, nunca me dei com os meninos finos, mas sim com a malta que andava de bicicleta, que fazia mais asneiras e dizia mais palavrões”, lembra, recusando a ideia de ser “um privilegiado”. “Tenho tentado conservar tudo o que herdei, particularmente, esta casa, que me caiu em cima. Nunca na minha vida eu construiria uma casa destas. A única coisa que eu mandei fazer foi esta piscina que abro às famílias da comunidade sempre que querem vir. Basta pedirem a chave ao senhor Horácio”, o dono do café ao fundo da rua.

 

Retrato de José Cid ao ar livre

 

Teve “28 canções censuradas pelo antigo regime”, refere enquanto trauteia “Só eu te ouvi gritar de madrugada, camarada, camarada / No dia em que mordeste o pó da estrada para nada, camarada”.Irredutível, mordaz e dono de uma certa rebeldia – que diz ter herdado do bisavô Albano Coutinho, curiosamente, um republicano que foi Governador Civil de Aveiro depois da queda da monarquia –, José Cid continua a identificar-se com o sistema político das monarquias escandinavas, no entanto, nunca colocou a hipótese de candidatar-se a um cargo político. “A minha criatividade musical não me permite dedicar-me a mais nada”.

Há uns anos, tornou público o episódio em que, por ter recusado o convite de Sá Carneiro para fazer a campanha presidencial do general Soares Carneiro, mesmo perante a forte insistência de Ângelo Correia, livrou-se de embarcar na avioneta onde morreria o então primeiro-ministro. Mas o músico guarda outra história relacionada com o desastre aéreo de Camarate: 

“Nesse mesmo ano, eu tinha ido ao MIDEM – o maior encontro mundial de empresas ligadas à música, em Cannes (França) –, onde assisti a uma profecia. No fim de um jantar com o Arnaldo Trindade – fundador da editora discográfica Orfeu - e o José Serafim – proprietário da MoviePlay –, o dono do restaurante recomendou-nos um cartomante. Segundo ele, o Aristóteles Onassis – magnata grego, um dos empresários mais ricos e influentes do século XX – não dava um passo sem consultar aquele adivinho. Eu disse logo que não acreditava em nada daquelas porcarias, mas o Arnaldo alinhou. E ele disse-lhe que um amigo dele, um grande político do seu país, ia falecer em breve num desastre muito grande. Ora, percebemos que só podia tratar-se do Sá Carneiro. O Arnaldo financiava o PSD e era amigo dele – aliás, o primeiro-ministro tinha-o convidado para assumir a pasta da Cultura -, mas nós pensámos que o cartomante era só um imbecil e que aquela história não tinha pés nem cabeça. Até nos rimos”, relata José Cid. “A mim, o cartomante previu-me uma grande oportunidade profissional e, naquela mesma noite, depois de ter cantado uma canção do Sacha Distel ao piano, um homem de cabelo branco e pronúncia norte-americana abeirou-se de mim. ‘Está livre para a América? Gostava de o produzir em Los Angeles’, perguntou-me. Era o Mike Gold, que trabalhava com o Frank Sinatra”, continua. “Nos Estados Unidos, gravei a ‘Springtime Of My Life’ e podia ter lá ficado, mas eles queriam que eu fizesse uma operação plástica ao nariz. Vim-me embora para Anadia, não tinha pachorra para americanices daquelas”, conclui. 

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Para algumas pessoas, ainda é difícil entender que a mesma mente de onde saíram temas como “A Lenda De El-Rei D. Sebastião” (1967), “Na Cabana Junto À Praia” (1979), “O Dia Em Que O Rei Fez Anos” (1974), “Ontem, Hoje e Amanhã” – distinguido com o Most Outstanding Performance Award no Festival Yamaha de Tóquio, em 1975 – ou “Um Grande, Grande Amor” (1980) – com o qual venceu o Festival RTP da Canção –, tenha criado igualmente “A Anita Não É Bonita” (1977), “A Pouco E Pouco” (1979) – conhecido como “Favas com Chouriço” – ou “Como O Macaco Gosta De Banana” (1983). “Qual é o problema?”, questiona o músico. “Uns dias acordo astronauta, noutros acordo tratorista. Um artista não tem de ser coerente, não tem de ter limites”, explana. 

Foi, aliás, a “incoerência” do seu excecional percurso artístico que, segundo o próprio, lhe valeu o mais prestigiado prémio da indústria discográfica. “O Grammy do Carlos do Carmo foi-lhe atribuído pela coerência da sua obra. O meu foi-me atribuído pela minha incoerência”, declara o compositor, intérprete e poeta, vencedor do Grammy Latino de Excelência Musical, em 2019 – o mesmo galardão havia sido atribuído a Carlos do Carmo, em 2014. 

Com mais de 60 anos de carreira, José Cid não hesita em puxar dos galões: continua a encher salas e a dar concertos por todo o país, assegurando sempre uma notável performance vocal, repleta de alma e swing. “Aos 82 anos, devo ser caso único no planeta”, supõe o artista que, não raras vezes, consegue cantar por três horas seguidas como, aliás, teria feito, em Aveiro, não fosse o fogo de artifício a impor-se. “Nem nas aldeias mais recônditas do país se manda parar um concerto por causa de uma coisa que é efémera. Eu teria feito um concerto de três horas em Aveiro e garanto-vos que não saía de lá ninguém”, atesta. 

Ainda sobre o concerto da Feira de Março, José Cid lamenta não ter tido oportunidade de cumprimentar o presidente da câmara de Aveiro, que diz ter visto na plateia. Aos microfones da Aveiro Mag, deixa um apelo: “Ponham-me a cantar na Aveiro Capital Portuguesa da Cultura”. “Escrevi a obra rock mais mundialmente conhecida da região de Aveiro e tenho um concerto brutal ensaiado com a Filarmonia das Beiras”, justifica, revelando que está para breve o lançamento de uma edição limitada de “10.000 Anos Depois Entre Vénus E Marte” gravada, ao vivo, com a Orquestra Filarmonia das Beiras, no Teatro Aveirense, bem como o registo vídeo do espetáculo. 

Apesar de ser o mais conhecido – e de até constar da lista dos 100 melhores álbuns do rock sinfónico do mundo segundo a revista americana Billboard –, este não é o único registo de rock sinfónico do repertório de José Cid. Em 1975, já havia composto “Onde Quando Como Porquê Cantamos Pessoas Vivas” para o 1111 e, no ano seguinte, lançado o EP “Vida (Sons Do Quotidiano). “Pessoalmente, acho mais inspirado o ‘Vida (Sons Do Quotidiano)’ do que o ‘10.000 Anos Depois Entre Vénus Ee Marte’. E acho, no mínimo, igualmente inspirado o meu mais recente álbum de rock sinfónico, o ‘Vozes Do Além’ (2021). São quinze temas escritos por poetas absolutamente sublimes – Sophia de Mello Breyner, Natália Correia, Federico García Lorca, Fernanda de Castro – que opinam sobre a ideia da vida depois da morte e ideia do regresso. E depois convidei mais cinco [poetas] que, não sendo tão mediáticos, também têm uma visão sobre o tema”.

A ideia de se propor musicar visões artísticas sobre a morte e reencarnação terá partido dos versos “Um dia, mortos gastos, voltaremos / A viver livres como os animais / E mesmo tão cansados floriremos / Irmãos vivos do mar e dos pinhais” que inauguram o poema “Um dia”, de Sophia de Mello Breyner, para Cid, “um dos grandes génios da nossa poesia”. “Está agora no panteão, coitada. Deve ser uma chatice estar no panteão. Ouvir o Guerra Junqueiro a ressonar de noite, naquele ermo gelado, e o Eusébio a treinar”, divaga o músico. “Mais valia estar incinerado num canteiro de rosas”, determina.

 

* Texto produzido a partir da conversa conduzida por Rui Baptista e Francisco Silva aos microfones da Aveiro Mag.

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