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Nuno Duarte Queirós: “Para muita gente, a Igreja ainda é uma instituição bizarra”

Artes

Nuno Duarte Queirós nasceu, cresceu e estudou em Santo Tirso e foi naquele concelho a norte do Porto que se fez músico, monge beneditino e professor. É, no entanto, na diocese de Aveiro que, em 2013, é ordenado padre e hoje, aos 36 anos, continua a ser por cá que exerce o seu ministério.

Além de diretor do Secretariado Diocesano de Liturgia, membro do Serviço Diocesano de Música Litúrgica ou delegado diocesano ao próximo Congresso Eucarístico Internacional, em Budapeste, Nuno é pároco de Santo António de Vagos, Soza e Fonte de Angeão, missão que encara com entrega e dedicação, consciente que um dos grandes desafios da Igreja passa por “um diálogo constante com o mundo”.

Nuno Duarte acaba de lançar o livro “O Mistério do Natal do Senhor”, uma reflexão sobre a história da festa do Natal na Igreja ocidental, o ambiente que motivou a génese desta festividade e as diferentes hipóteses que sustentam a definição do dia 25 de dezembro como data para a sua celebração.

A investigação que deu origem a esta obra remonta a 2013 e foi realizada no âmbito do mestrado integrado em Teologia da Universidade Católica Portuguesa, no Porto. Logo no dia da dissertação final, Nuno foi convidado a apresentar os resultados no ciclo de História Religiosa daquela universidade e, pouco tempo depois, a publicar parte do seu estudo na revista da faculdade de Teologia.

Desde esse momento, a ideia de poder publicar este trabalho em formato de livro nunca mais o abandonou e a súbita disponibilidade imposta pelo grande confinamento da primavera passada veio tratar do resto. Nuno fez uma revisão aos textos, atualizou a reflexão científica e aproveitou para traduzir algumas passagens em latim. “Numa publicação deste estilo, apesar de as notas de rodapé conterem muitos excertos dos originais em latim, o corpo do texto tinha que estar em português para que fosse acessível a todos”, explica o sacerdote, garantindo que “mesmo com uma dimensão teológica forte, não é só para crentes. Afinal, o Natal é uma festa celebrada socialmente” e a história da sua origem pode muito bem interessar ao público em geral.

Apesar de ser filho único, Nuno recorda os natais da sua infância e juventude como tendo “uma marca extremamente familiar”, sendo vividos não só com os pais, mas também com os avós, tios e primos. Foi assim até há bem pouco tempo. Agora, com a responsabilidade de celebrar a missa da noite de Natal nas suas paróquias, são os pais a descer ao concelho de Vagos para passar a consoada.

A família de Nuno sempre foi assídua à eucaristia de domingo, mas é somente quando o jovem começa a envolver-se em grupos e movimentos paroquiais – como as turmas de catequese, o agrupamento de escuteiros ou o grupo coral –, que os pais passam também a assumir uma presença mais ativa na vida em Igreja.

A par do seu envolvimento comunitário na paróquia de São Bartolomeu de Fontiscos, em Santo Tirso, Nuno estudou sempre em escolas católicas, uma opção de percurso que muito valoriza e que, na sua visão, “fez toda a diferença”. O sacerdote está convicto que, naquele contexto, “dificilmente encontraria uma formação de base tão boa se não tivesse frequentado o colégio de Santa Teresa de Jesus e, mais tarde, o colégio jesuíta das Caldinhas”.

Nuno recorda com especial carinho uma professora de História que o levou a visitar o imponente convento de Mafra e a sua primeira professora de música – a irmã Isabel – com quem conversou pela primeira vez sobre o tema da vocação. Numa dessas conversas, a teresiana ter-lhe-á falado de um jovem monge da Abadia de Singeverga, um caso concreto de vivência da vocação religiosa que, desde logo, despertou a atenção de Nuno. Qual não foi o seu espanto quando, pouco tempo depois, conhece o tal jovem no Conservatório de música.

É por via deste colega que Nuno vai passar um primeiro fim de semana ao mosteiro de Singeverga. “E aquilo mexeu logo comigo”, admite, em entrevista à Aveiro Mag. Pouco tempo depois, uma segunda visita coincidiu com a festa de São Bento, o patrono dos monges do Ocidente. “Quando voltei a casa , a minha mãe perguntou-me como tinha corrido e eu chorei compulsivamente. Não estava a chorar de tristeza nem de medo. Eram lágrimas de uma profunda alegria interior”.

A essas primeiras experiências tão marcantes, muitas outras se sucederam ao longo daqueles anos de secundário tanto que, ao terminar o 12.º ano, Nuno já não tinha dúvidas: queria ir para o mosteiro.

Para os pais, perceber que, com apenas 18 anos, o seu único filho estava prestes a entregar-se a um ambiente tão restrito e fechado “foi um processo difícil”. Mas Nuno estava visivelmente feliz e só isso era razão mais do que suficiente para o apoiarem.

Ora et labora (Reza e trabalha) – é a isto que deve resumir-se o dia-a-dia de um monge beneditino e foi segundo esta regra que Nuno viveu nos anos que passou no mosteiro. Por um lado, a vivência da oração individual e comunitária; por outro, a importância do trabalho. No caso de Nuno, além das funções de organista, cantor e membro da comissão de liturgia do mosteiro, trabalhou proximamente com os setores de conservação e restauro e encadernação tradicional de livros.

Seis anos depois de ter entrado na abadia, contudo, e já depois de ter feito os votos, Nuno desenvolve uma “crise de identidade” que leva à sua saída. “Seria aquele o caminho?”, questionava-se, à época, o jovem.Sai com muitas dúvidas se estaria a fazer a opção correta, mas “tinha de o fazer, havia várias questões que, aos vinte e poucos anos, achei que deveria de explorar como pessoa”, relata.

Vários anos depois, a questão monástica continua a gerar grande alvoroço no coração de Nuno Duarte. Sobre a possibilidade de, no futuro, voltar a abraçar esta vocação de forma ativa e plena, Nuno não tem uma resposta certa: “Continuo à procura, atento àquilo que vou sentindo”, assume.

Os anos seguintes à saída do mosteiro são preenchidos por uma experiência de dois anos enquanto professor de Educação Moral e Religiosa Católica e História no colégio de Ermesinde, até que, por via da amizade com Ângelo Silva, antigo noviço do mosteiro de Singeverga e padre na diocese de Aveiro, e de um convite de D. António Francisco dos Santos, à época, bispo de Aveiro, surge a possibilidade de Nuno fazer uma experiência concreta numa paróquia. Os dois anos que viria a passar em Esgueira, com o padre Joaquim Martins, são de “uma descoberta pessoal muito importante”. “É aí que eu percebo que era aquele o meu ambiente, era aquele o meu meio”, afirma o sacerdote.

Em 2011, passa a integrar a unidade pastoral de Águeda, onde é ordenado diácono e dali só viria a sair, quatro anos depois, já como padre.

Nuno Duarte Queirós é ordenando a 17 de novembro e 2013 por D. António Francisco, curiosamente, num ano muito especial para a diocese de Aveiro. Celebravam-se os 75 anos da restauração da diocese e todas as paróquias estavam mobilizadas para levar a cabo um intenso programa de comemoração e evangelização que ficaria conhecido como Missão Jubilar. “Eu, o Leonel e o Victor somos os padres da Missão Jubilar”, lembra Nuno, orgulhoso.

Desde aí, tem assumido as funções e tarefas que os bispos diocesanos – primeiro D. António Francisco, agora, D. António Moiteiro - lhe têm solicitado, entre as quais a missão de ser pároco de Santo António de Vagos e Soza e, mais tarde, também de Fonte de Angeão.

No seu ministério pastoral, há duas dimensões que tenta nunca descurar. Há que “continuar a alimentar a fé” daqueles que estão presentes na vida em igreja, garantindo-lhes um acompanhamento próximo, e que manter "uma relação de fraternidade universal com as várias associações e instituições" da comunidade. É nessa perspetiva, por exemplo, que Nuno Duarte aceitou o cargo de diretor da Vagos FM (que já não exerce) ou que abraçou as confrarias dos Sabores da Abóbora, das Saínhas de Vagos, das Favas de Fonte de Angeão ou dos Nabos e Companhia de Carapelhos.

“A Igreja tem de dialogar com o mundo e com as várias manifestações sociais. Um padre não pode estar presente só para aqueles que estão dentro, mas também para o mundo. Essa também é a sua função”, afirma.

A Igreja tem de dialogar com o mundo. Mas fá-lo? “Tenta fazer”, diz Nuno Duarte, ainda que, por vezes, “demonstre muita dificuldade em lidar com alguns temas”. Noutra perspetiva, sabendo que um diálogo pressupõe sempre dois interlocutores, e apesar de admitir que, “da parte da sociedade civil, há um enorme respeito pelo papel da Igreja”, há que ressalvar “uma certa dose de desconfiança, uma suspeição. Para muita gente, a Igreja ainda é uma instituição bizarra”.

Apesar de ter um quotidiano bastante preenchido, o padre Nuno esforça-se por não abdicar do ginásio, da música, da literatura e de juntar os amigos à volta de uma mesa para almoçar, jantar ou, simplesmente, conversar.

Exceção seja feita ao “Visita Guiada”, na RTP 2, um programa “sobre histórica, arte, património e cultura”, confessa que vê muito pouca televisão; o mesmo já não se pode dizer de cinema. Nuno subscreve pelo menos uma plataforma de streaming de conteúdos audiovisuais e, quando se lhe pergunta a sua série de eleição, a resposta não podia ser mais imediata: “Outlander”, afirma, sem hesitações. Esta viagem no tempo até à europa (e não só) do século XVIII é, no ponto de vista do sacerdote, uma série “muito completa”. “Tem o lado histórico que me fascina, mas também ação, romance”, comenta, num momento em que já aguarda pela prometida sexta temporada.

Outra paixão que marca a vida de Nuno são as viagens. Já visitou várias capitais europeias; foi à Sérvia e à Bélgica pelo Comité Internacional de Acólitos; passou um mês com a comunidade católica de língua portuguesa de Hamburgo, na Alemanha; e conhece relativamente bem os Açores, arquipélago que visitou por diversas vezes para orientar formações na área da liturgia. Além disso, há vários anos que Nuno organiza uma viagem anual com os seus paroquianos, aliando, desta forma, “o gosto pela descoberta de novos sítios, da história, do património e da natureza”, a importantes “oportunidades de estar uma semana com um grupo de paroquianos em ambiente de descontração, momentos que ajudam imenso a missão pastoral”.

“Desde que vim para Vagos já fomos juntos a Roma e à Sicília, a Israel, à Turquia e, mais recentemente, à Grécia”, conta o padre que, para o verão de 2020, tinha prevista uma viagem com os seus paroquianos à Polónia, a propósito do centenário de nascimento de São João Paulo II. A pandemia veio estragar-lhe os planos, mas o projeto continua em mente, na esperança de poder ser concretizado no futuro.

Estamos a poucos dias de um Natal que, em vários aspetos, será muito diferente do habitual. O risco de transmissão do novo coronavírus permanece em níveis elevados e as autoridades de saúde recomendam a comunidade a repensar as deslocações e as tradicionais reuniões familiares.

No entender do padre Nuno, “um maior recolhimento poderá ajudar a viver o Natal na sua essência e com a serenidade necessária para acolher o que aí vem; poderá despertar uma maior disponibilidade para aquilo que é espiritual”.

Para Nuno Duarte, as grandes crises da Humanidade foram também crises da Igreja, no entanto, todas elas trouxeram uma oportunidade de purificação. Esta pandemia não deverá fugir à regra. “Ao percebermos que não podemos estar uns com os outros, os presentes tornam-se completamente secundários”, afirma o sacerdote, rematando com um apelo para “que a solidariedade, convencional nesta época, não seja entendida como algo sazonal, mas que desperte para a crise económica e social que aí vem e que vai tocar a todos”.

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