A UA preparou um programa especial para assinalar este 50º aniversário? Esgota-se na data de 15 de dezembro? O que podemos esperar?
É um programa que se inicia a 15 de dezembro e se prolonga até novembro de 2024. Haverá ocasiões para lembrarmos o passado, para refletirmos sobre o presente e pensarmos sobre o futuro. Uma característica única do programa é que foi aberto às sugestões da comunidade académica. Fizemo-lo porque achamos que o programa é da Universidade, e não da reitoria ou do reitor.
Há alguns nomes/personalidades que gostaria de recordar nesta data especial? Pessoas que tenham desempenhado um papel fundamental no percurso da UA...
A Universidade de Aveiro é uma construção coletiva. Alguns dos obreiros iniciais ainda estão ativos, muitos estão aposentados e alguns já não estão entre nós. Não podemos esquecer os cidadãos que lutaram para que o ministro Veiga Simão situasse em Aveiro uma das universidades que ponderava criar. Cada estudante que passou pela Universidade de Aveiro é importante, porque sem estudantes não haveria universidade. Cada membro do pessoal técnico, administrativo e de gestão, cada professor, cada investigador, teve aqui o seu papel, deixou a sua marca. Iniciaremos as comemorações do 50º aniversário a 15 de dezembro. Entregaremos ao primeiro reitor eleito da Universidade de Aveiro, o Prof. Doutor Renato Araújo, o título de professor emérito. Será um momento para recordar, mas de grande valor simbólico também. É impossível fazer justiça a todos os que contribuíram para definir a nossa identidade, ao longo destes 50 anos.
Quais foram, no seu entender, os grandes momentos/datas especiais destes 50 anos da instituição?
Há uma pré-história quase esquecida, de trabalho intenso – por exemplo, de Orlando Oliveira -- que levou o Ministro da Educação, Veiga Simão, a decidir situar em Aveiro uma universidade. Depois, foi criada a comissão instaladora e iniciou-se o período de instalação, que só terminou nos anos oitenta. O primeiro plano de atividades, de 1974, já buscava a “influência recíproca universidade-sociedade”. Os primeiros cursos na área da eletrónica e das telecomunicações foram marcantes. A aposta na formação de professores, a criação de um departamento ligado aos materiais cerâmicos, o lançamento do primeiro curso de engenharia de ambiente e a criação do primeiro departamento de ambiente em Portugal, foram sinais de que o futuro tinha chegado, e estava em Aveiro. A eleição do primeiro reitor e a aprovação dos primeiros estatutos também foram momentos de grande importância interna. A afirmação da investigação e da internacionalização como pilares fundacionais também teve um grande impacto na nossa direção de desenvolvimento.
E a nível pessoal? Formou-se na UA (é, inclusive, o primeiro ex-aluno da academia aveirense a assumir o cargo de Reitor) e desenvolveu quase toda a sua carreira aqui, terá, certamente, muitas memórias individuais...
A universidade partiu do zero. Não tinha um edifício, um livro ou um terreno. Não tinha sequer uma localização. Alguns dos contratados nos anos setenta estiveram na universidade mais de quarenta anos. Acompanharam toda a evolução da academia. Sentem-na como coisa sua, e de facto a Universidade de Aveiro é coisa sua. Construíram-na, afirmaram-na, deram-lhe tudo o que tinham para dar. Todos temos memórias individuais inesquecíveis. É o entrelaçado destas histórias individuais que faz da Universidade de Aveiro uma instituição tão especial. Não se vem para a Universidade de Aveiro para fazer um curso, ou para obter um lugar. Vem-se para a Universidade de Aveiro e tem-se uma experiência – única, completa, gratificante.
Quanto ao presente e ao futuro, que desafios se colocam à UA?
Os estudos gerais medievais preservavam o conhecimento. A sua missão era transmiti-lo, enquanto coisa feita. A universidade de investigação surgiu no início do século XIX, quando von Humboldt fundou a Universidade de Berlim. A missão da universidade passou a incluir a criação de conhecimento, de forma independente da sociedade – a torre de marfim. A geração seguinte de universidades passou a ocupar-se da transmissão, criação e aplicação do conhecimento, numa lógica de desenvolvimento institucional. A Universidade de Aveiro ocupa-se da transmissão, criação e aplicação do conhecimento, mas visando moldar o seu entorno – fazer crescer a região e crescer com ela. Para a Universidade de Aveiro, a aplicação do conhecimento deixa de ser um instrumento de desenvolvimento da universidade, para passar a ser um instrumento de desenvolvimento conjunto universidade-sociedade. Mas sabemos que só conseguiremos ter algo de interesse para oferecer à região se for inovador à escala global. Não podemos ser úteis regionalmente se não formos competitivos a nível internacional.
O atual ritmo de evolução do saber veio colocar novos desafios. Quando o conhecimento se renova substancialmente em poucos anos, os modelos formativos clássicos – licenciaturas, mestrados, doutoramentos – revelam limitações. Já não basta formar profissionais, é também preciso mantê-los atualizados. A Universidade de Aveiro e a sua Universidade Europeia, a Universidade ECIU, foram pioneiras nos novos modelos formativos necessários para a requalificação e formação ao longo da vida, sem nunca deixarmos de ser uma universidade de investigação, que cria e aplica conhecimento.
Estava apontado para este ano (2023) a abertura do curso de Medicina em Aveiro. Em que fase está este processo?
Está em apreciação pela entidade competente, a A3ES.
Foi, recentemente, eleito presidente do CRUP. Como encara o desafio de liderar, durante os próximos três anos, o organismo que representa uma parte importante do sistema nacional de Ensino Superior.
Vivemos um momento de incerteza, a vários níveis. Mas independentemente disso, o CRUP é um órgão que pode dar à sociedade e aos governos, sejam eles de que linha partidária forem, matéria de reflexão relevante para o futuro do país. Por exemplo, podemos começar desde já a trabalhar na identificação e estabilização de um conjunto de indicadores que possam nortear o financiamento do ensino superior no futuro, que como é conhecido está muito abaixo da média da OCDE.
As instituições de ensino superior portuguesas são muito diferentes entre si, mas também estão implantadas em regiões muito diferentes. É preciso que cada uma possa encontrar um rumo, um projeto de valor próprio, que lhe permite realizar todo o seu potencial – na formação, na criação de conhecimento e na transformação da economia. Poderemos fazê-lo melhor se tivermos mais autonomia. Urge reconhecer que uma universidade não é uma repartição. Devemos ser reconhecidos como parte da administração autónoma do estado, o que nos daria a possibilidade fazermos mais com menos. Algo, diga-se, a que as universidades não são estranhas.