É curioso que, de todos os concursos de dança em que Sofia já participou, um dos que recorda com maior entusiasmo é o Dançarte, realizado em abril de 2022, no Teatro das Figuras, em Faro, quando ainda era aluna do LP Studio: “Não ganhei absolutamente nada, mas a competição era mesmo muito boa. Lembro-me, por exemplo, de ver a apresentação da rapariga que estava antes de mim e de ficar deslumbrada com o solo dela; lembro-me de pensar o quão grata estava só por poder estar naquele lugar”. A rapariga a Sofia se refere era Rita Salazar, bailarina da Companhia de Dança do Algarve, que viria a conquistar o 2.º lugar na categoria de solista, no seu escalão, e que, poucos meses depois, tornar-se-ia amiga de Sofia, no âmbito de um projeto muito especial. Nesse verão de 2022, doze jovens bailarinos – entre os quais, Sofia e Rita – provenientes de escolas de dança de todo o país foram selecionados para participarem no “Território”, um projeto dos Estúdios Victor Córdon que lhes proporcionou uma experiência profissionalizante com coreógrafos do circuito internacional. Naquela que foi a 5.ª edição do projeto, os bailarinos tiveram um mês para desenvolverem duas peças – uma peça do repertório de Marcos Morau, coreógrafo de referência e fundador da companhia La Veronal, em Barcelona (a peça foi ensaiada por Jon López, assistente do catalão), e uma peça criada pela canadiana Dorotea Saykaly. Depois de duas apresentações no Teatro Nacional São João, no Porto, e outras duas no Millennium Festival ao Largo, em frente ao Teatro Nacional de São Carlos, em Lisboa, o espetáculo ainda subiu ao palco do Teatro José Lúcio da Silva, em Leiria. “Foi uma das experiências mais marcantes da minha vida”, recorda a bailarina da Gafanha da Nazaré.
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Sofia Santos não esconde o desejo de vir a construir uma carreira internacional, primeiro, como bailarina, mais tarde, como coreógrafa. A jovem acompanha o trabalho de vários bailarinos e coreógrafos profissionais, tem no virtuoso “Dom Quixote” um dos seus bailados de eleição, no NDT – Nederlands Dans Theater – uma academia de referência e em Marcelino Sambé um exemplo de esforço e superação – aos 30 anos, o jovem português e antigo aluno da EDCN é bailarino principal do Royal Ballet, em Londres –, mas também de modéstia e generosidade.
A possibilidade trabalhar a expressão física de forma artística e de ver o corpo como ferramenta para contar histórias e transmitir sentimentos é o que mais cativa Sofia Santos na dança. Talvez, por isso, tenha na dança contemporânea a sua “área de especialidade”. “Sou fã de contemporâneo. Por contraste ao Clássico, em que é preciso mais calma, foco e capacidade de me autocentrar, o Contemporâneo traz-me liberdade, diversão e adrenalina”.
Apesar de ser fisicamente desgastante, a auto sobrelevação aquando da conquista de um passo ou movimento é potenciadora de uma energia única. “Sou capaz de começar uma aula mesmo cansada, sem vontade de estar ali que, quando termino, se a aula tiver corrido bem, sinto que me foram renovadas as baterias”, descreve Sofia. No fundo, “a dança não é um desporto, mas um bailarino tem de ser um atleta”, compara, sublinhando as obrigações as que ambos estão sujeitos. Uma coisa é certa: “estar em palco é uma recompensa que vale por todo o esforço”.
Ora, se, fisicamente, a dança pode deixar um bailarino de rastos, o que dizer do efeito exaustivo que gera na mente? Antes de mais, há que perceber que “a dança é muito condicionada pela estética, pelo corpo e pelas nossas condições físicas e, por vezes, é difícil aceitar que temos de trabalhar com as condições que temos. Há coisas que não podemos mudar, pelo que a arte está em aprender a trabalhar com o que temos, mas isso pode ser duro”, introduz Sofia. “Qualquer pessoa emocionalmente mais frágil pode ir-se abaixo facilmente”, assegura a bailarina, propondo a seguinte analogia: “Da mesma forma que os músicos têm os seus instrumentos e os artistas plásticos têm as suas tintas, o objeto de criação dos coreógrafos são os bailarinos”. A diferença é que, contrariamente aos instrumentos musicais ou aos pinceis e pigmentos, os bailarinos são seres humanos e “há coisas que os bailarinos ouvem que ninguém deveria ter de ouvir”.
Levantam-se questões: “Até onde é que um coreógrafo pode ir nas exigências que faz a um bailarino?”; “Até onde é que um bailarino deve ceder?”. Estas e outras perguntas habitam, certamente, o leque de preocupações de muitos coreógrafos e bailarinos um pouco por todo o mundo, mas a sua complexidade faz com que sejam de resposta difícil. “É complicado estabelecer limites. Como seres humanos, os bailarinos não deviam ser expostos a certo tipo de comentários e exigências. Por outro lado, é legítimo os coreógrafos procurarem os profissionais que melhor executem a sua visão estética e artística”. No essencial, conclui a jovem, o mais importante é que “todo o bailarino tenha o seu lugar”. “Todos os que têm talento, que se dedicam, trabalham e fazem por ser melhores, devem ter lugar numa companhia ou num projeto, como bailarinos, coreógrafos ou professores”. “Haverá sempre um coreógrafo que vai gostar mais das pernas alongadas, outro que vai valorizar particularmente a cintura fina e outro ainda para quem as ancas largas são característica fundamental. Mas também há quem consiga ultrapassar as características físicas de um bailarino em virtude das suas qualidades técnicas”, crê a bailarina.