A limpidez melódica dos Dire Straits, a energia familiar dos Xutos e Pontapés e as cassetes de música pimba que ouvia no carro dos avós fazem parte da improvável combinação de sonoridades que marcou a infância de Tomás Lacerda. Natural da Vista Alegre, em Ílhavo, Tomás cresceu apaixonado pelo mundo da música e com o sonho de criar uma banda. A oportunidade surgiu depois de ter visto Ricardo Neto a cantar nas galas de final de ano da universidade e o convite não tardou. Afinal, já se conheciam – apesar de serem de cursos e departamentos diferentes, Ricardo havia sido treinador da equipa de futsal universitário da qual Tomás fizera parte – e talento não lhe faltava.
Ricardo aceitou o desafio. “Podia finalmente deixar de ser aquele chato que levava a guitarra para os jantares de curso e experimentar algo a sério”, conta. Natural de Amiais-de-Baixo, no concelho de Santarém, Ricardo Neto dá os primeiros passos na música por “teimosia” do pai, fadista amador, que sempre lhe incutiu que “quem sabe de música está sempre um passo à frente de quem não sabe”. Antes de se mudar para Aveiro, para onde veio estudar na área da Multimédia e Tecnologias da Comunicação, chegou mesmo a completar cinco anos de guitarra clássica no Conservatório de Música Jaime Chavinha, em Minde (Alcanena). Em entrevista à Aveiro Mag, afirma ter passado por uma fase em que ouvia, essencialmente, música indie em língua inglesa, mas atualmente é no pop português que o músico e designer encontra as suas playlists de eleição. Tiago Bettencourt, cujo repertório cantou repetidamente nas tais galas académicas, é a sua referência maior.
“Eu já tinha algumas músicas escritas que experimentámos os dois, mas rapidamente percebemos que não íamos lá só os dois. Sentimos necessidade de alargar o projeto a mais pessoas e mais instrumentos”, explicam Tomás e Ricardo. Foi neste contexto que apareceu André Morais que, à época, era colega de trabalho de Ricardo. “Descobri, por acaso, alguns vídeos na internet em que ele tocava piano. Achei logo que seria uma boa adição à banda”, justifica o vocalista. Por sua vez, coube a Tomás contactar João Areias para lhe apresentar uma proposta. “Era a única pessoa que eu conhecia que tocava baixo”, abrevia.
Apesar de ter raízes familiares em Vagos – e ser um apaixonado pelo metal, género musical com já vasta tradição naquele concelho -, João Areias é, tal como Tomás, natural de Ílhavo. Cresceu sob a influência próxima de um tio que olhava “como irmão mais velho” e a quem, sempre que podia, subtraía um ou outro CD. “Curiosamente, o primeiro [CD] que lhe roubei do quarto chamava-se “Steal this Album!” – terceiro álbum dos System of a Down, de 2002 – e eu, obedientemente, segui à letra a diretriz e assim o fiz”. A ligação de Areias com a música, no entanto, é mais antiga. “Os meus pais entenderam que eu devia estudar música. A minha primeira atuação de sempre foi no palco do Teatro Aveirense a tocar piano”, revela, para surpresa do grupo, jurando ainda saber tocar o tema “Parabéns a Você”; durante vários anos, João dedica-se também à guitarra, assumindo a animação de acampamentos e celebrações seu grupo de escuteiros, até que decide aventurar-se no baixo. “Pela minha forma de ser, por gostar de estar na retaguarda, mas ter um papel ativo na condução das coisas, achei que o baixo fazia todo o sentido para mim”, explica.
O último a ser recrutado foi o percussionista João Carvalho. Com um percurso repartido entre a fanfarra da Associação Musical e Cultural de São Bernardo e o Conservatório de Música Calouste Gulbenkian, em Aveiro, Carvalho chegou à banda, por intermédio de João Areias, que o conhecera no programa “Soltar a Corrente” do Departamento de Pastoral Juvenil da Diocese de Aveiro. Vinha habituado às sonoridades do folk de tradição irlandesa e a acompanhar o coro da igreja ao cajon. Chamam-lhe “mãos de ferro”. Foi já no contexto dos Maria Café que decidiu dedicar-se também à bateria e, hoje, difícil é fazê-lo largar as baquetas.
A banda estava formada, mas ainda lhe faltava um nome. “Andávamos há tanto tempo a arrastar a decisão quanto ao nome da banda que, numa das vezes que nos juntámos para ensaiar, firmámos o compromisso de não abandonar a sala sem uma escolha feita”. Uma garrafa de hidromel depois surgiu o nome Maria Café. “Em Amiais, a minha avó sempre chamou maria-cafés às flores que, por cá, são conhecidas como azedas e nós achámos que tinha uma sonoridade interessante”, desvenda Ricardo. “Há quem tenha a tese que só a avó dele é que lhes chama assim”, brincam os restantes membros da banda. É provável que, naquele briefing bem regado, outras designações tenham surgido, mas nenhuma lhes ficou na memória. A designação daquela flor selvagem de amarelo forte acabou eleita, o grupo saiu dali batizado e a palavra de que uma nova banda de música portuguesa estava a surgir na região começou a espalhar-se.
Pontualmente, às 11 horas, 11 minutos e 11 segundos do dia 11 do 11.º mês do ano passado, os Maria Café deram a conhecer ao mundo “Entardecer”, o seu primeiro single, acompanhado por um videoclipe que mostra a banda em alguns dos cenários mais emblemáticos da paisagem regional. “Como somos assumidamente uma banda da região de Aveiro – foi Aveiro que nos juntou a todos – e este single era a nossa apresentação ao mundo, a primeira música que criámos em conjunto, achámos que a melhor forma de a dar a conhecer de forma visual era mostrarmos a região de Aveiro”, explica João Areias. Percorreram as margens da pateira de Fermentelos e tocaram com o espelho de água a servir-lhes de fundo; deambularam pelas ruas e pontes do bairro da Beira Mar e pelas ruas e fontes do bairro da Vista Alegre; terminaram, como não podia deixar de ser, na praia da Costa Nova, embalados pelas ondas, temperados pela brisa e iluminados pelo céu do entardecer.
Em fevereiro, foi a vez de disponibilizarem “Casa da Costa”, um showcase acústico gravado ao vivo, “de forma crua e sem muitas edições”, numa casa de férias, na Costa Nova. “É uma casa bonita e repleta de memórias de verões em que a toda a família se reunia”, enquadra João Areias. Além dos originais “Pensar em Ti”, “O Que Consigo Ser” e “Chave Secreta”, o alinhamento contava ainda com uma versão de “Se Te Amo”, dos Quinta do Bill, canção que consideram “fazer sentido com a sonoridade e a história da banda”.
Os Maria Café não escondem que o futuro passará pelo lançamento de um registo de duração mais longa. Todavia, este ainda não é o momento. “Precisamos de nos dar a conhecer a mais pessoas para que, em vez de ‘tropeçaram’ em nós nos concertos, irem acompanhando o nosso trabalho”, explica Ricardo Neto. “Se queremos fazer dos Maria Café um projeto coeso, naturalmente, o caminho passará sempre pela consolidação das nossas músicas no formato de um EP ou de um álbum”, entende João Areias. “Pode não ser já o próximo passo, mas está no horizonte e será, seguramente, um dos próximos”.