AveiroMag AveiroMag

Magazine online generalista e de âmbito regional. A Aveiro Mag aposta em conteúdos relacionados com factos e figuras de Aveiro. Feita por, e para, aveirenses, esta é uma revista que está sempre atenta ao pulsar da região!

Aveiro Mag®

Faça parte deste projeto e anuncie aqui!

Pretendemos associar-nos a marcas que se revejam na nossa ambição e pretendam ser melhores, assim como nós. Anuncie connosco.

Como anunciar

Aveiro Mag®

Avenida Dr. Lourenço Peixinho, n.º 49, 1.º Direito, Fracção J.

3800-164 Aveiro

geral@aveiromag.pt
Aveiromag

Ricardo Regalado: “A cultura é o melhor meio para se viver em comunidade”

Artes

Formado em Teatro, Ricardo Regalado juntou-se à Promob quando esta associação cultural lutava contra o encerramento do Colégio Frei Gil, em Bustos. Hoje, como presidente da direção, é a cara desta coletividade bairradina que procura alimentar a cultura e promover a participação cívica de uma comunidade longe dos grandes centros urbanos.

 

Ricardo Regalado cresceu na Mamarrosa (Oliveira do Bairro), uma aldeia – mais tarde, vila – rural, com pouco mais do que um milhar de habitantes. Quando era pequeno, a Mamarrosa fervilhava de atividade artística e cultural. “Pertenci a um grupo cultural orientado pela professora Rosinda de Oliveira, onde fazíamos contradanças e teatro satírico e, por influência da minha mãe, também fiz parte de um grupo de poesia desde muito novo”, enquadra o jovem, em entrevista à Aveiro Mag. “[Nesse tempo], as pessoas juntavam-se naturalmente para dançar, para fazer teatro ou ler poesia”, recorda, lamentando que “a maior parte dessas atividades tenham deixado de existir”. “As expressões culturais e artísticas que, de alguma maneira, estavam institucionalizadas resistiram – os ranchos folclóricos e a banda filarmónica, por exemplo –, mas todas as iniciativas espontâneas acabaram por morrer”, descreve Ricardo, lembrando um tempo em que a “vivência cultural era muito menos institucionalizada”, bem diferente da lógica atual em que a cultura está muito associada a salas de espetáculo e às autarquias que lhes definem a programação. “Dantes, a cultura era uma extensão natural da vida em aldeia”, esclarece o dirigente associativo que, aos 28 anos, assume como sua a missão de voltar a trazer à sua comunidade a vivência das tradições culturais, os hábitos de encontro e os momentos de discussão sobre o território. 

Quando chegou a hora de decidir por que área de estudos enveredar no ensino superior, Ricardo Regalado escolheu o Teatro, sendo que o Colégio Frei Gil, onde concluiu o secundário, foi “muito importante nessa tomada de decisão”. “O colégio apoiava os sonhos e ambições dos alunos, fazia-nos acreditar que era possível”. A verdade é que, na altura, com o país a tentar sair da crise financeira que o afundara, “qualquer caminho profissional parecia arriscado” e Ricardo decide arriscar. Hoje, ao olhar para trás, percebe que, de certa maneira, talvez não tenha feito mais do que cumprir o destino que lhe estava traçado: “A minha família já tinha uma ligação ao Teatro. No início do século passado, o meu bisavô – Júlio Dias Gapo – que, como a maior parte das pessoas da aldeia, era agricultor, já escrevia peças de teatro e encenava-as aqui na Mamarrosa”, expõe o jovem, confessando sentir que, apesar de não o ter percebido na altura, esta forma de arte e expressão já fazia parte do seu ADN. 

Ricardo licenciou-se em Teatro, no Porto, e veio a concluir o mestrado em Estudos Artísticos, mais tarde, na cidade de Coimbra. Ao longo do seu percurso académico, teve a oportunidade de passar por “salas como o Teatro Nacional de São João, o Rivoli ou o Teatro Académico Gil Vicente” e de trabalhar de perto com as equipas de “grandes companhias [de teatro], como a Seiva Trupe, os Artistas Unidos, a oficina Teatrão ou a Escola da Noite”.

Ora, com os conhecimentos e a experiência que adquiriu nestes anos formativos, podia ter escolhido desenvolver a sua atividade numa grande cidade, eventualmente até fora do país, lugares onde, apesar da “competição desenfreada” e a lógica de “consumo efervescente”, encontraria, certamente, hábitos de participação instituídos. Porém, escolheu “regressar a casa”, ao “lugar onde tudo começou”, e trabalhar para a comunidade que o viu crescer. “Senti que era o lugar onde fazia mais falta”, fundamenta. “Quis retribuir à minha aldeia as oportunidades e experiências que ela me ofereceu”, atesta, servindo-se do provérbio africano que reza ser “preciso uma aldeia inteira para educar uma criança” para justificar este desígnio. 

 

A Promob e as suas batalhas

Ricardo Regalado ainda estava a concluir a licenciatura quando o Governo de António Costa entendeu pôr fim aos contratos de associação, pondo em risco a continuidade de estabelecimentos de ensino um pouco por todo o país, entre eles, o Colégio Frei Gil, em Bustos. Sem viabilidade financeira para existir de outra forma, a escola viu-se obrigada a recorrer à cobrança de uma propina às famílias dos alunos, muitas deles, sem capacidade para assegurar esse pagamento. É neste contexto que, a 5 agosto de 2016, é constituída a Promob – Associação de Promoção e Mobilização da Comunidade –, um movimento cívico contra o encerramento do colégio, que logo se predispôs a angariar fundos no sentido de apoiar as famílias mais carenciadas. “Começo a participar nas ações que a associação promovia logo desde esse instante. Afinal, aquela era uma causa que me dizia muito enquanto antigo aluno”, conta. Em 2017, Ricardo reúne um conjunto de pessoas e constrói a “Carta a Nunes Alferes ou Para Ser Lida Amanhã”, uma peça de teatro sobre a história do colégio e a sua importância para a comunidade. “Foi das primeiras coisas que eu fiz com a Promob”.

No final, “a luta pelo colégio perdeu-se”, assente. “Hoje até já há uma escola pública nas instalações onde funcionou o colégio, mas a comunidade sente que perdeu aquela batalha”. Por momentos, o futuro da Promob pareceu incerto, mas logo a associação se reinventou, evoluindo para um projeto de promoção da cidadania ativa e do envolvimento com a comunidade. O foco da sua ação passou para uma nova causa: o restauro do Torreão do Palacete de Bustos, uma peça centenária de inestimável valor patrimonial, símbolo identitário daquela freguesia e, por conseguinte, daquela comunidade, que se encontrava em elevado estado de degradação. 

Também esta luta não teve o final sonhado. A associação que era proprietária do imóvel tê-lo-á doado à câmara municipal de Oliveira do Bairro, transferindo para a autarquia a responsabilidade da sua preservação e esvaziando o sentido da Promob investir na sua recuperação. À segunda batalha perdida, é possível que tenha havido um novo momento de desalento e que muitos tenham questionado a sobrevivência da associação. Mas já nada poderia parar o movimento que se criara. 

A Promob resiste e decide avançar para a aquisição de uma sede própria. Com a verba angariada, compra um outro edifício histórico no centro de Bustos que, também ele, faz parte da memória coletiva da comunidade – é “um antigo armazém de móveis ao qual, em tempos, todos recorriam” – e nele começa a exercer a sua atividade. “Temos vindo a habitar a nossa sede aos poucos, aproveitando para organizar exposições, concertos e palestras”, informa o agora presidente da direção. 

Agueda Publicidade

O presente e o futuro da Promob

Oito anos passados, “a Promob ainda é uma associação à procura de quem quer ser”, entende Ricardo. Ainda assim, “há uma série de linhas condutoras” a considerar”: o objetivo é que a Promob se afirme como “uma espécie de útero ou berçário de tudo o que é cultura nesta comunidade. Além de ser uma associação promotora de projetos culturais, quer também ser uma facilitadora de iniciativas comunitárias. E essas iniciativas até podem não estar relacionadas com nada artístico. A discussão de assuntos públicos, por exemplo, também é um objetivo nosso. Queremos promover o debate sobre o futuro do lugar onde vivemos, alimentando os hábitos de participação cívica. A cultura é o melhor meio para se viver em comunidade. Queremos que as pessoas sintam a sede da Promob como o local de encontro ideal para construírem comunidade, seja através de um concerto, um espetáculo, um debate público, uma palestra ou uma mostra. São tudo bons motivos para estarmos uns com os outros”, resume Ricardo, lembrando o slogan que serve de mote a toda a atividade da associação: “para habitarmos juntos o lugar”.

 

 

A Promob desenvolve um conjunto de projetos comunitários dos quais são exemplos maiores o Festival Semente, o Concurso Literário e de Ilustração Professora Rosinda de Oliveira, a residência artística do grupo de teatro comunitário JAU – Jovens Artistas Unidos –, a Oficina de Fotografia ou a Orquestra Barroca. Além destes, “estamos a tentar instituir a tradição da Semana Cultural, associada ao 18 de fevereiro, data da criação da freguesia de Bustos”, revela o presidente. “Não é tanto sobre essa efeméride que nos interessa falar, mas sim sobre o facto de, ao longo da história, este ter sido encarado como um dia de reflexão pública sobre a identidade da freguesia. Reunia-se a comunidade num grande almoço, havia grandes debates e chegavam mesmo a tomar-se decisões sobre a vida comum, sobre o que as pessoas queriam para Bustos”, explica, reiterando a ambição de “retomar esse espírito”. Depois de uma primeira edição em fevereiro passado, a associação está já a projetar a Semana Cultural de 2025.

Há que considerar igualmente os “eventos mais pontuais”, como as “oficinas de cerâmica e olaria”, os “concertos” e as “exposições de arte”. Tudo isto, sem esquecer outra dimensão que “ocupa muita energia” à direção liderada por Ricardo: “a captação de financiamento para a requalificação do edifício-sede e outras despesas”. 

Na visão deste dirigente associativo, urge “fazer uma reflexão sobre o associativismo”. “Estamos a viver um tempo de transformação que vai ditar a morte rápida de boa parte da vida associativa”, vaticina, antecipando um período de “seleção natural” em que só as associações que conseguirem adaptar-se aos novos tempos poderão sobreviver. “A forma como vivemos a comunidade está a transformar-se. As associações têm de mudar de paradigma, pensar nos próximos dez ou vinte anos e refletirem sobre que tipo de associativismo é que fará sentido no futuro. O associativismo dos centros recreativos já não faz sentido e a dependência do voluntariado, mais tarde ou mais cedo, vai acabar”. Num tempo em que as coletividades têm de “competir com os municípios”, que “só olham para a cultura sob o ponto de vista das massas – os eventos têm de ter muita gente e ir ao encontro do que a maioria acha que é bom” –, as associações só conseguirão “contrariar essa tendência” se, “não perdendo o caráter democrático e a vocação comunitária, perceberem que têm de se profissionalizar”. “O associativismo amador tem os dias contados”, elucida Ricardo, assegurando que “a Promob tem disso consciência” e está a trabalhar para poder vir a ter “uma gestão e administração profissional” de forma a tornar-se sustentável. “Por muito que isso parta o coração a muita gente, há que repensar o tecido associativo. Algumas [associação] terão de se reinventar, outras acabarão inevitavelmente por se extinguir”, reforça.

Apelo a contribuição dos leitores

O artigo que está a ler resulta de um trabalho desenvolvido pela redação da Aveiro Mag. Se puder, contribua para esta aposta no jornalismo regional (a Aveiro Mag mantém os seus conteúdos abertos a todos os leitores). A partir de 1 euro pode fazer toda a diferença.

IBAN: PT50 0033 0000 4555 2395 4290 5

MB Way: 913 851 503

Deixa um comentário

O teu endereço de e-mail não será publicado. Todos os campos são de preenchimento obrigatório.