Na semana em que o Porto de Aveiro comemorou o 216º aniversário da abertura da barra, a Aveiro Mag conversou com o seu presidente, Eduardo Feio, que fez questão de olhar para o futuro, mas também para o passado da estrutura portuária. “É fundamental conhecer a história para trabalhar o futuro”, realçou, antes de falar dos planos para aumentar a capacidade de entrada na barra de Aveiro para navios com 32 metros [de boca].
A Administração do Porto de Aveiro mantém a intenção de recuperar todo o edificado do Forte da Barra. Que planos têm para toda esta zona?
Além da nova unidade hoteleira [o antigo forte da Barra foi a primeira fortificação portuguesa a ser concessionada pelo programa Revive para fins turísticos], também a Administração do Porto de Aveiro vai proceder a obras e arranjos urbanísticos na zona envolvente ao forte velho e à capela de Nossa Senhora dos Navegantes.
A antiga sede da JABRA e os armazéns vão ser requalificados, adquirindo novas funcionalidades com a criação de um auditório e de um pequeno núcleo museológico, aberto ao público, que vai ajudar a contar a história do porto e da Ria de Aveiro. É fundamental conhecer a história para trabalhar o futuro. Neste momento, boa parte da memória histórica do porto de Aveiro está guardada no Museu Marítimo de Ílhavo e no CIEMar.
Passando para o lado do Instituto de Socorros a Náufragos, toda a área vai ser limpa e vai ser criado uma espécie de ‘clube do porto’ onde haverá um ginásio e um espaço de apoio aos trabalhadores, eventualmente, criados em parceria com o novo hotel. Este edifício (do clube) ficará encostado ao futuro espaço para os Pilotos. Neste momento, as lanchas dos Pilotos estão junto à ponte, mas a ideia é passá-las mais para perto da barra, o que permitirá diminuir distâncias, otimizar tempos de resposta, consumir menos combustível e garantir menos emissões de gases poluentes. A ideia é construir um pequeno edifício, devidamente enquadrado, que também deverá acolher parte do arquivo.
O hotel também vai ajudar a recuperar a história deste território?
Sim, principalmente as partes menos conhecidas: aquela torre de sinais – aquilo nunca foi um farol, nunca teve luz – foi construída para defender a entrada da barra. Antes do porto, há que contar a história da defesa da barra e da Ria. Historicamente, temos [registos de] cargas [bastante antigos]. No século XIV já exportávamos sal e maçãs amargas – as doces viriam, mais tarde, do continente americano – para o Norte da Europa e importávamos outros produtos.
Depois, tornou-se muito forte o comércio dentro da Ria. Nos anos de 1930, chegámos a movimentar 500 mil toneladas – tanto como movimenta o Terminal Sul nos dias de hoje – só no comércio dentro da Ria. Cargas internacionais, nessa altura, fazíamos menos. Ainda nos anos de 1960, já depois do Terminal Sul abrir, fazíamos 140 mil toneladas. Hoje chegamos a movimentar cerca de 5.5 a 5.7 milhões de toneladas por ano.
2023 foi um bom ano para o Porto de Aveiro?
Sim. Foi um ano interessante, com um maior número de negócios. Em termos de carga ficámos cerca de 160 mil toneladas aquém do nosso recorde, mas estamos naquele que é o nosso patamar habitual.
O que é que ficou a faltar para chegarem ao recorde?
Há sempre as questões conjunturais. A atividade portuária está sempre muito sujeita ao momento económico nacional e internacional. Mas há algo muito importante, que temos vindo a trabalhar: o lançamento do concurso para o projeto de melhoria das acessibilidades da barra de Aveiro. Temos de conseguir aumentar a capacidade de entrada na barra de Aveiro para navios com 32 metros [de boca]. E precisamos de ter obra física para alcançar esse objetivo. Estamos a falar de navios Panamax (dimensões máximas que um navio pode ter para passar no Canal do Panamá) que representam 60% da frota mundial. A partir daí, passaremos a poder receber navios que, neste momento, vão para outros portos, mas que, naturalmente, viriam para Aveiro porque as empresas que servem estão nas proximidades. Seria um contributo muito positivo para a economia nacional conseguir receber essas cargas cá, permitindo uma maior competitividade para as empresas do eixo Aveiro-Salamanca. É preciso ver que o sistema portuário português vive num modelo de competição-colaboração, ou seja, se cada carga for direcionada para o porto que, do ponto de vista económico, é mais interessante, no fim do dia, é bom para todos.
Essa obra será para quando?
Temos falado com vários atores da região e penso que todos estão alinhados. Vamos passar por uma fase de estudo de impacto ambiental, mas é fundamental não parar. Para termos isto pronto em 2029, não podemos perder tempo – dois anos e meio para o estudo de impacto ambiental, um ano de projeto, mais dois anos de obra. Na Figueira da Foz, o protocolo foi assinado em 2019 e ainda não começámos a obra.
A intervenção implicará dragagens?
Dos estudos que fizemos, algumas soluções defendiam o afundamento do canal, mas optámos pela solução de alargar a entrada e afundar o mínimo possível. Haverá sempre dragagens, mas é preciso ter a noção que todos os anos os portos de Aveiro e da Figueira da Foz investem cerca de dois milhões de euros cada um em dragagens. Só aqui em Aveiro, nos últimos anos, conseguimos reforçar as praias da Costa Nova para sul com 7 milhões de metros cúbicos de areia. Somos um dos principais agentes na minimização dos impactos da erosão costeira.
Não vão mexer muito no canal, então.
A intervenção mais significativa do projeto que temos em cima da mesa vai incidir no Molhe Sul. [Recorrendo a uma imagem de satélite, Eduardo Feio explica que o último terço do molhe vai abrir para sul, formando um L]. A ideia é aproveitar a pedra de um lado para o outro, isto é, retirá-la do sítio onde está e repô-la no novo local. Ainda não há projeto, mas estima-se que seja uma obra na ordem dos 30 milhões de euros e com prazo de execução previsto de dois anos. Fizemos um estudo com vários cenários para ver como é que conseguíamos afetar o mínimo possível o funcionamento da laguna e chegámos a esta solução que tenta compatibilizar a minimização de impactos na Ria e, em paralelo, atingir os nossos objetivos de forma que o porto se torne competitivo à escala global. Enquanto não chegarmos ao padrão Panamax, o porto de Aveiro não poderá competir com os outros portos.
Em Gijon, no Norte de Espanha, construiu-se o porto de em cima do mar, estruturas com 40 metros de profundidade e 20 de altura, e gastaram-se 700 milhões de euros. É uma coisa impressionante. São escalas diferentes. Obviamente, aqui não podemos fazer nada disso. A nossa obra tenta moldar-se ao ecossistema da Ria e às suas variáveis. Provocará sempre impactos. A questão é antecipá-los, medi-los, ver quais as medidas mais indicadas para os mitigar e fazer isso de forma articulada.
A ideia que temos é que a nova configuração da barra vai melhorar o desempenho do porto de Aveiro, facilitando a entrada de navios e permitindo que esteja menos tempo fechada à navegação.
Há outros investimentos previstos?
Este é o projeto mais desafiante e vai passar por várias administrações. Seguramente, não estarei cá, na administração, para ver o fim. A ideia é dar os passos que têm de ser dados para que consiga ser concretizado.
Além deste projeto, temos tido uma estratégia de divulgação do porto bastante forte e conseguido captar investimentos privados. Neste negócio portuário, a notoriedade é muito importante. Os portos têm de ser conhecidos. É fundamental que se saiba que o porto de Aveiro existe, quais são as suas capacidades, qual é o seu potencial de crescimento e quais os negócios que pode ajudar a desenvolver. É importante ter a noção que o porto vai muito para além do cais. O cais é a face visível, mas o porto é um fator de desenvolvimento económico para a região. Saber que consigo ter as minhas cargas a entrar ou a sair daqui de forma económica é fundamental. No que respeita à logística e ao funcionamento em rede, temos vários projetos em desenvolvimento em parceria com Salamanca e com a Mealhada e os respetivos terminais rodoferroviários.
O porto de Aveiro tem uma forte dimensão de energia, por exemplo, desde os tempos da Sacor, uma empresa petrolífera, mas depois também com os químicos, prestando apoio ao Complexo Químico de Estarreja. Esta dimensão obriga-nos a ser um porto muito seguro, uma preocupação permanente e exigente a nível de recursos. Depois também na dimensão das novas energias, temos tido um papel importante no apoio à proliferação de parque eólicos em Portugal, bem como no desenvolvimento da indústria eólica offshore – fomos o primeiro porto português a aderir à WindEurope Ports [plataforma europeia que visa aumentar a visibilidade do papel dos portos na indústria eólica offshore]. No futuro, haverá um conjunto de negócios associados à eólica offshore e nós temos de nos preparar para eles.
O seu mandato à frente da administração do Porto de Aveiro acabará no final deste ano. Está disponível para continuar?
Ainda é muito cedo para responder a essa pergunta. Quero chegar ao fim do mandato e cumprir aquilo com que me comprometi com a República. Esta administração vai fazer aquilo que todas têm feito: dedicar-se aos portos de Aveiro e da Figueira da Foz, ouvindo as comunidades, os municípios e todos os setores. Em Aveiro, temos a sorte de ter uma comunidade portuária muito forte e é importante que assim seja. Mais do que um porto, hoje, temos aqui um cluster de empresas cujas dimensões passam para a terra e da terra para a água