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A história de Vera, a Mãe Borboleta, que vai continuar a voar

Sociedade

Esta é a história de Vera. Ou, pelo menos, pretende ser uma crónica que conte um bocadinho do enorme exemplo de superação que é a história da Vera Ximenes, uma carioca que um dia, por amor, atravessou o Atlântico e que agora, nem mesmo com todas as adversidades que a vida lhe traz constantemente, se permite desistir. Por ela, pelas filhas, pelo Miguel – esse parceiro inigualável –, pelo amor à arte, pelo amor à vida.

Esta era, contudo, para ser uma entrevista como tantas outras. Marcada por altura do lançamento do terceiro livro de originais da Vera – o que explica às crianças o que é a Covid-19, de uma forma simples e fácil de entender. Mas a entrevista rapidamente se tornou conversa, a conversa de tão límpida tornou-se confidência e a confidência, misturada com lágrimas e gargalhadas, de forma avassaladora, fez nascer em mim a vontade em transformá-la numa ode, à coragem, à resiliência, à força, ao amor e ao exemplo que é a vida e a luta da Vera. Fica já o leitor avisado que as próximas linhas serão escritas com sentido, mas, sobretudo, com sentimento.

O sonho do pai e as cores da favela

Aos 17 anos, Vera Ximenes, natural do Rio de Janeiro, fez a vontade ao pai e foi fazer um curso técnico de engenharia: “o pai queria uma engenheira e a Vera foi”, explica, sem mais delongas e segredos. Começou aí a ligação, ainda que sempre a preto e branco, aos “riscos e rabiscos”, numa rotina que, apesar de tudo, define como sendo “um bocado seca”, não se estranhando, por isso, que a precisar de novos desafios, se tenha inscrito noutro curso, este de “desenho de arquitetura”.

Com ele surgiu o projeto Favela Bairro, no qual Vera Ximenes, com a vertente de paisagismo no curso, entrou de alma e coração, enchendo as favelas escolhidas de cores e novas formas de olhar para zonas que são conhecidas pelo lado mais sombrio. “Era cor por todo o lado”, que pedia apenas que cuidassem delas. O futuro não foi positivo para o projeto, “por falta de cuidado”, mas deu um impulso diferente e mostrou novos caminhos.

Carreira no ensino “travada” pelo amor

Aos 19 anos, seguiu-se a licenciatura em Línguas e Literaturas, Português e Inglês, em Juiz de Fora, estado de Minas Gerais, uma mudança definida por Vera Ximenes como o “primeiro choque” em viver em cidades pequenas, mas que a preparou para viver em Aveiro, uns anos depois.

Choque refeito, curso tirado e trabalho imediato. Em ensino de inglês, falado exclusivamente em inglês, para crianças, num colégio conceituado. “Foi, posso dizer, o meu melhor trabalho de sempre, desde que comecei aos 16 anos. Estava bem e, passado um tempo, com responsabilidades de coordenação”, assume, numa carreira que só foi “travada” por um bem maior: o amor.

Amor “virtual” que se tornou tudo

A história de amor de Vera e Miguel começou num chat luso-brasileiro na internet. Parece história de filme, mas não. É verdadeira. Em dois anos, as conversas multiplicaram-se e os laços estreitaram-se de tal forma que, por vezes, dormiam de câmara ligada, para ficarem “zelando um pelo outro”, diz, com um sorriso de felicidade, de menina que recorda os primeiros dias. Os episódios são muitos, mas é preciso manter o foco na história.

A primeira grande contrariedade surgiu quando “o Miguel vai para o Panamá” diz Vera, que franze o sobrolho quando recorda: “foi para o Panamá e deixou de me ligar. Mas eu não desisti e persisti. Mandei mensagem, mandei mail, tanto mail que só parei quando enchi a caixa dele! E quando voltou a ser possível, mandei mail de novo. E resultou”, diz de novo sorrindo. “A timidez” de Miguel que, depois de não ter respondido ao primeiro mail, o inibiu de tal forma “que quase o fez desaparecer” de vez, foi ultrapassada e o encontro, presencial, foi finalmente marcado.

“Encontrámo-nos em Fortaleza. Foi aí o primeiro toque, o primeiro beijo, o primeiro tudo”, recorda. As promessas de amor chocaram com a impossibilidade de Miguel, que até tinha ido a uma entrevista de trabalho no Brasil, de sair de Portugal. O trabalho e a carreira de uma vida de Vera ficaram em risco, mas no final, o que é trabalho quando se fala de amor? O que é ter de atravessar o Atlântico e deixar tudo para trás? “Foi dizer ‘xau’ aos meus pais e partir para Aveiro!”.

Da depressão ao novo curso

A chegada a Aveiro foi difícil. Não por questões familiares ou de amor, mas por causa do trabalho. Não só não existia o ensino bilingue por aqui, como para dar aulas a crianças tem de se ter uma licenciatura em ensino básico. Do choque à depressão “foi um pequeno passo” que só foi ultrapassado quando decidiu lutar e voltar a estudar.

A entrada na Universidade de Aveiro em Educação de Infância, onde se sentia “uma cota” no meio das suas colegas de curso veio no momento certo. Quando acabou foi convidada para uma substituição no Centro Social e Paroquial da Vera Cruz, foi ficando e agora é coordenadora de quatro salas de creche.

O cancro e a “Mãe Borboleta”

Aos 37 anos surgiu o cancro da mama. A história tem contornos complicados. Vera assume-se como “uma mulher cuidadosa”, que sentiu, na apalpação cuidada que fazia, uma “bolinha”. Na consulta inicial, desvalorizou-se e marcou-se um novo exame daí a seis meses. Mas não chegou a tanto. “Eu sabia que era grave, tinha a certeza. Mas na altura não disse nada, porque era a festa de anos da Juju e se eu falasse, não me deixavam organizar a festa. Mas tinha uma tristeza em mim. Após esse momento, voltámos a outro médico e fizemos o tal exame que não se quis fazer, porque era chatinho. E o resultado foi o que se sabe. Cancro da mama”.

Não se consegue colocar em palavras um sofrimento tão atroz, principalmente quando se tem filhas pequenas. E quando, a cada tratamento de quimioterapia, há um novo mundo de dor física e mental. Mas a preocupação de Vera foi encontrar um caminho, não de catarse individual, mas de conseguir explicar às filhas o que se estava a passar com ela. De uma forma que se tornasse mais fácil. Ou menos difícil. Foi aí que surgiu a Mãe Borboleta.

Pollyanna e o poder da arte

O primeiro livro que Vera Ximenes se lembra de ler foi “Pollyanna”, de Ellen H. Porter, numa espécie de premonição da vida que viria pela frente. A obra conta a história de uma menina, órfã, que quando lhe aparece uma qualquer contrariedade, joga o “jogo do contente” que aprendeu com o pai, que transforma qualquer coisa triste numa coisa feliz. Uma mensagem de esperança e bondade para a humanidade.

O livro “Mãe Borboleta” é o primeiro momento “Pollyanna” de Vera através da arte. “Foi a forma que encontrei para explicar às meninas, com sete e cinco anos, quais os efeitos colaterais da quimioterapia, muito agressivos, e elas perceberam! Achei que existiam muitas crianças que passavam pelo mesmo e que nem todos conseguem encontra a melhor forma de explicar. Que não conseguem falar a língua da criança. Isto não é uma doença. A mãe fica pela metade, mas não fica doente. Vai à luta. Vai melhorar. Vira uma lagarta e, depois, consegue transformar-se em borboleta, ganhar asas e voar”. A publicação do livro só surgiu, contudo, após um episódio curioso: “A Juju refez a história. Redesenhou-a e contou-a na escola dela. Só aí é que a professora dela soube. Quando mostrei a história na editora, teve logo aceitação”, explica Vera.

Dos livros ao Casulo

Até hoje, Vera Ximenes publicou mais dois livros de originais. O primeiro, na mesma linha de Mãe Borboleta. Foi a melhor forma de conseguir contar às filhas a perda da avó paterna, outra mulher forte e muito presente na vida familiar. Daí nasceu a Vovó Estrelinha. O último, apresentado em plena pandemia, conta a história do “Martim e o Viroco Rioko”, que troca “por miúdos” todas as problemáticas da Covid-19, numa linguagem simples e eficaz.

É a arte ao serviço de uma sociedade mais livre e feliz? Vera diz que sim. E sorri, aproveitando para falar do seu novo projeto, o Casulo Casa de Arte, um local de partilha onde as crianças aprendem o que querem, como querem, onde são livres e, sobretudo, felizes: “este foi um projeto que surgiu no meu mestrado, a educação pela arte. Ensino técnicas de arte, mas não só. É multidisciplinar, pois é um ensino construído pelos alunos. É a filosofia do Casulo. O mais importante de tudo é ensinar o que elas querem aprender. Quero crianças felizes. Não se chama escola. É um clube de arte”.

É um clube onde todas as crianças podem aprender. Mesmo as que não podem pagar. É a vertente de responsabilidade social que Vera diz ser imperativa, mas que era importante ser transversal à sociedade: “procuramos mecenas que queiram fazer parte de Casulo, desta ideia de proporcionar às crianças o ensino pela arte. Quantos mais participarem, mais crianças saem enriquecidas pela experiência”.

A angústia dos exames de setembro

Mas o Casulo tem tido, mais do que qualquer coisa, uma importância mais forte na vida de Vera, a lagarta que no casulo de Mãe Borboleta, ganhou forças para poder voar. Isto porque Vera está de novo numa encruzilhada. Na altura do cancro da mama, assinou um termo de responsabilidade em que assumia que o tratamento que faz poderia ter implicações no útero. E os exames que realiza, a cada três meses, têm trazido, ultimamente, preocupações.

“A minha vida toda, desde 2016, sou vista a cada três meses e encontram sempre qualquer coisinha. Tenho dores diárias e já fiz duas biópsias e os médicos querem limpar o meu útero porque continuo com dor. Eu não sei o que tenho, mas sei que terei de fazer três exames/investigações, de três órgãos, ao fígado, ao coração e ao útero. E pode ser um tumor. E isso é angustiante. Estou triste porque estou à espera e o Casulo tem sido, como a minha família, a minha âncora, que me segura. É o que tem me levantado o astral. É a liberdade que elas, as crianças, têm de ser”, explica, sem conseguir explicar, Vera, essa mãe borboleta que vai continuar a voar. Por ela, pelos seus, por nós. Voa forte Verinha!

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