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Mariana e André transformaram a estação de comboios de Esmoriz numa “guesthouse”

Artes

O encontro estava marcado para as 11h00. Às 10h56, recebemos um código de entrada no edifício - a Cork Train Station Guest House, uma guesthouse na estação de comboios de Esmoriz, recentemente inaugurada. Diante da porta de entrada, digitamos o código que nos haviam enviado, ao que se segue o som do destrancar da porta. Abrimo-a e entramos. Do andar superior, ouvem-se passos num crescendo de intensidade. Entre dois lanços de escadas, surge Mariana. “Bom dia”, diz de sorriso impresso no rosto. A Aveiro Mag foi conhecer o casal que transformou a habitação dos antigos chefe e subchefe da estação de Esmoriz numa casa onde são recebidas pessoas de qualquer parte do mundo - ou não fosse a ideia de André e Mariana “viajar a partir de casa”.

Subimos as escadas. À direita, um mapa-mundo em cortiça colado na parede - eis a clarificação do mote do projeto. Chegados ao topo, em frente, fixo à parede, um retângulo de cortiça com a numeração de um a quatro nele gravada. Estávamos à entrada de um corredor ao longo do qual se acede aos quatro quartos, duas cozinhas e uma sala de estar que constituem a casa. Mariana guia-nos na descoberta das diferentes divisões e indica-nos o local onde decorrerá a nossa conversa. Encontramo-nos na sala de estar. Do outro lado do compartimento, senta-se a ex-professora de Filosofia. As duas janelas estão abertas e a distância de segurança assegurada. Começa a viagem.

Mariana Oliveira e André Gomes conheceram-se “num grupo de amigos” e há vinte e um anos formam o casal que assume não dispensar das viagens de autocaravana, de caminhar e de ouvir música. Há 5 anos deixaram os seus empregos e foram viajar pelo mundo - uma viagem que durou 10 meses: conheceram o Sudoeste Asiático, Austrália, Nova Zelândia e Inglaterra. Entretanto, foram distribuindo o seu tempo entre o house sitting, pet sitting e a construção do seu novo projeto, que ganhou vida a 8 de julho deste ano. Mas às viagens e aos projetos já regressamos.

Para já, partimos à descoberta de algumas lembranças dos jovens empreendedores. A sua história de amor remonta à idade dos 18 anos - “altura em que tudo começa”. Foram amigos durante “muito tempo” e, desde que se juntaram para formar casal, já contam com 21 anos juntos. Mariana estudou Filosofia e foi professora no Colégio Liceal de Santa Maria de Lamas durante catorze anos e André conta com um longo percurso na área comercial. Assumem-se apaixonados pela música de Nick Cave e Benjamim Clementine - a sua banda sonora de eleição, sem qualquer dúvida.

Na sala onde conversamos, estamos nós e Mariana - André não chegou ainda. Quando surgiu a pergunta sobre o gosto musical do casal, a anfitriã da casa respondeu sem pensar duas vezes: “Nick Cave e, mais recentemente, Benjamim Clementine”. Ouvem-se passos apressados ao longo do corredor e, em voz alta, diz Mariana “Ó André, olha anda cá responder a umas perguntas”. André chega à sala e cumprimenta-nos. “Vou buscar água”, diz. Dirige-se à cozinha. À distância de um corredor, Mariana pergunta: “Estão a perguntar que bandas nos acompanham”, ao que rapidamente André responde “Nick Cave”. Sintonia perfeita. A ex-professora devolve uma nova questão: “E atualmente?”. Fez-se silêncio. Avançamos com a próxima pergunta. Quando Mariana começava a responder, André, ainda na cozinha, grita “Benjamim Clementine”. Ecoa uma gargalhada na sala. “Estamos em sintonia, estás a ver?”, comenta Mariana. A verdade é que a sincronia era indubitável, assim como a alegria e amabilidade do casal entre eles e para connosco.

Mariana e André na sala de estar.

Seguimos para o gosto pelas viagens - o que, de resto, nos trouxe até cá. Não foi fácil chegar a uma conclusão acerca do momento em que essa paixão começou. No entanto, dizem ter sido, provavelmente, o facto de nunca o terem feito. Uma vez que o horário de trabalho dos seus pais era rigoroso e não permitia muito tempo livre para “grandes viagens”, a vontade de conhecer mais “mundo” ficou adiada para mais tarde. A dada altura, dizem ter refletido sobre a relação entre a passagem do tempo e a vontade de aproveitá-lo da melhor forma possível - “Quando já não puderes é que vais ter tempo para ir?” -, o que os levou a dar passos nesse sentido.

Se as condições para viajar não estavam reunidas no momento, tudo fizeram para consegui-las. Mariana trabalhava como professora de Filosofia e André era comercial na área do tabaco, quando, com o objetivo de comprar uma autocaravana, abriram uma Tabacaria-Livraria, de nome “Procura tempo”. Estaria dado o primeiro passo. O negócio foi-se desenvolvendo até que conseguiram alcançar o objetivo pretendido: comprar a autocaravana. Ainda assim, havia um pequeno problema: falta de tempo para viajar. “Só nos sobrava a tarde de sábado e o domingo”, recorda Mariana. Este é o momento em que a professora pede licença sabática e André rescinde o contrato de trabalho. Seguiu-se uma viagem pelo mundo.

A primeira grande aventura

A ideia inicial era viajar pelo mundo de autocaravana, mas rapidamente se aperceberam que ficaria “muito dispendioso”. “Tivemos de ver o processo mais económico - porque quanto menos dinheiro gastássemos, mais tempo andávamos em viagem. Então, deixamos cá a carrinha e fomos de mochila às costas”, afirma Mariana. Investiram um ano e meio a programar toda a viagem e, “de mochila às costas”, foram à descoberta do Sudoeste Asiático, Nova Zelândia, Austrália e Inglaterra, durante 10 meses.

Pelo caminho, criaram uma página no Facebook, de nome Tempo para Viajar, onde foram partilhando alguns dos locais por onde passaram. O objetivo era poderem recordar o que viveram sempre que quisessem e manter os familiares e amigos ao corrente da viagem. Para além destes, colegas de trabalho e pessoas que foram conhecendo ao longo da viagem - com quem mantêm contacto até hoje - interagiam com as suas publicações. Durante os dez meses de “aventura”, houve vezes em que fizeram house sitting, que consiste em “ficar a tomar conta da casa e dos animais de estimação de pessoas que vão de férias ou de trabalho”.

https://www.facebook.com/tempo.viajar/posts/1745370579035547


Do Sudoeste Asiático recordam o calor, a humidade e as multidões, aliados à grandiosidade dos espaços, dos monumentos e da fé. “Na rua, vimos pessoas nas suas motinhas que, quando paravam por causa do trânsito, ficavam ali a rezar. No meio daquele barulho todo conseguiam ter aquele silêncio da fé”, partilha Mariana. Apesar da imensidão destes elementos, o casal destaca ainda os grandes contrastes entre quem tudo tem e quem vive com muito pouco: “sente-se muito que é a vida pela vida, o dia pelo dia. Foi dos países que mais nos deixou tristes, porque se notava muito, por um lado, a riqueza e, por outro, a pobreza”.

Findada a viagem, voltam a Portugal e retomam os seus empregos. No entanto, não foi necessário muito tempo até surgir a vontade de dar continuidade às viagens e às descobertas. “Não íamos voltar a estar 16 anos no processo de comprar casa e repetir tudo outra vez”. Ainda assim, estar sempre a viajar não seria uma opção viável, uma vez que seria importante manter o “orçamento equilibrado”. Eis que surge a ideia de “viajar a partir de casa”, recebendo pessoas de qualquer parte do mundo em sua casa - uma ideia que toma a forma da Cork Train Station Guest House. “Não queríamos que fosse uma casa normal, porque isso seria bastante comum - Airbnb, por exemplo. Queríamos algo diferente e que estivesse relacionado com viagens. Nada melhor que uma estação de comboios, onde há sempre pessoas a entrar e a sair - para além de ser um edifício histórico”, partilha Mariana.

Este é o momento em que abandonam as suas atividades profissionais para se dedicar por inteiro ao novo projeto. “Acho que, se estivéssemos os dois a trabalhar, este projeto nunca tinha nascido”, comenta André. “Se isso acontecesse, estaríamos embrenhados no nosso trabalho e este projeto ficaria um pouco de parte”, prossegue. Cada detalhe foi cuidadosamente pensado e o maior objetivo foi conservar a essência do espaço. “Acompanhamos a obra do início ao fim: desde trazer a tijoleira cá para cima até à parte final, em que envernizamos o chão, penduramos o que havia a pendurar, entre outras coisas”, diz Mariana. “Chegar até aqui implicou mais de oito horas de trabalho por dia - incluindo sábados, domingos e feriados”.

O auge da pandemia coincidiu com o arranque do projeto. No entanto, este não constituiu um impedimento para a fluidez do mesmo. O casal rapidamente procurou adaptar-se às novas condições, tendo sempre como principal objetivo “zelar pela segurança das pessoas”. Os cuidados com a desinfeção dos espaços redobraram e a ocupação dos quartos, espaçada em tempo e em espaço, assumiu o papel central. “As pessoas veem-nos a passar o desinfetante nas maçanetas, a desinfetar o que está na cozinha e as áreas comuns. Acho que isso lhes vai dar tranquilidade e serenidade - que é o que neste momento estão a precisar”, comenta Mariana. “Acima de tudo, somos todos seres humanos. Não pomos como prioridade o dinheiro, mas a pessoas”.

As expectativas foram-se adaptando de acordo com o tempo e, hoje, afirma o casal, “foram superadas”. Quem visitar o novo espaço, no piso superior da Estação de Comboios de Esmoriz, poderá contar com um conjunto de possibilidades de lazer: desde os passadiços em frente ao edifício (que proporcionam longos passeios junto ao mar), experiências de surf, passeios a cavalo, visitas a uma tanoaria e ao Parque do Buçaquinho. O acesso ao comboio permite ainda viajar até cidades como Aveiro e Porto.

Durante o processo de construção da nova guesthouse não abandonaram o house sitting, embora com a condição de não lhes tomar mais de quatro dias - “sabíamos que um dia ou dois sem estar cá bastaria para uma porta ser posta ao contrário e depois não podermos reverter a situação”. Para além disto, começaram a tomar conta de animais de estimação, através do projeto Pet Sitters - Cuidadores Com Responsabilidade, um serviço que começaram a prestar aquando do regresso da viagem. “Percebíamos que as pessoas precisavam de ir um fim de semana de férias ou ir em trabalho e não tinham onde deixar os animais”. A partir de clientes mais próximos, começaram a expandir a ideia - que conta com um contacto regular com os donos dos animais através do envio de fotos e vídeos.

A autocaravana e o futuro

As viagens nunca ficarão de parte na vida deste casal aventureiro - ou não fosse a sua autocaravana a motivação ideal para isso acontecer. Dispensam longas viagens - no máximo, percursos de 3 a 4 horas - e a busca pelo desconhecido já os levou a percorrer Portugal de norte a sul e a conhecer algumas cidades espanholas. “Acima de tudo, procuramos os ambientes mais remotos e selvagem da natureza”, avança André. “Nós gostamos de socializar, mas também há alturas em que gostamos de estar completamente em sossego”, continua Mariana. O ambiente ideal para estas ocasiões é aquele onde não há pessoas nem carros e, preferencialmente, junto a um rio.

As aventuras sobre quatro rodas já lhes trouxeram momentos que recordam de sorriso esboçado no rosto. Mesmo indo para “os sítios mais remotos”, o que acontece quase sempre é alguém espreitar o interior da autocaravana para ver se lá está alguém ou comentarem “Ah, isto é espetacular” ou “Isto terá sido comprado assim?”, “Onde será que eles a arranjaram?”. André recorda ainda uma vez em que viajaram até Trás-os-Montes e o toldo - tecido que usam para montar uma tenda - voou. “Andamos para aí quatro ou cinco dias com o toldo amarrado por baixo da carrinha”, lembra Mariana, rindo-se.

André demonstra um grande interesse pelas “zonas de Trás-os-Montes e Alto Douro” e, apesar de Mariana partilhar deste gosto, sublinha a sua paixão pela Costa Vicentina. Sempre acompanhados da sua autocaravana. Em resumo, diz a ex-professora, “a ideia não é fazer quilómetros, mas sair da rotina”. “Gostamos muito de Portugal, com as particularidades que cada região tem”. Nestas alturas, André aproveita para pôr em prática uma das atividades de que muito gosta: pescar. Para além do que pode vir a reunir para uma refeição, destaca a “sensação de não pensar em nada mais para além daquilo”.

Para o futuro, o jovem casal tem os seus planos definidos e novos projetos estão em maturação, “dentro desta área, mas num conceito diferente”. Ainda assim, como prioridade, de momento, está a Cork Train Station. “Gostávamos de solidificar bem este projeto, retirando daqui o máximo de experiências possível e rentabilizar o investimento que fizemos”, comenta André. “Vamos tentar usufruir do gosto de receber pessoas, das pessoas gostarem e proporcionar-lhes uma experiência diferente - nós quando gastamos dinheiro para ir de férias é porque queremos ter uma experiência boa”, conclui Mariana.

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