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Ricardo Fino: “Não conseguia viver sem estar ligado à música”

Artes

O espetáculo “Canções Tardias”, no formato em que Ricardo Fino e Pedro Almeida o apresentaram no passado sábado, dia 4 de setembro, na Fábrica das Ideias da Gafanha da Nazaré, “não vai repetir-se”. Foi um momento de celebração único e que serviu também para fechar um ciclo. Ricardo Fino juntou vários amigos em palco para se despedir de “Tardio”, o seu primeiro disco de originais, aproveitou para apresentar “três cantigas feitas em tempo de pandemia, que retratam estes tempos num misto de esperança e tristeza”, e para dar as boas-vindas ao seu novo longa-duração – “Olhar” – com edição marcada para outubro.

Ricardo Fino sempre gostou de cantar. Os primeiros concertos deu-os à janela da casa da sua infância, em Aveiro, ainda antes de entrar para a escola, não devia ter mais de 4 anos de idade. Os funcionários que trabalhavam no armazém de vinhos do outro lado da estrada eram o seu público mais fiel. A cada pausa para almoço, reuniam-se para ouvir o pequeno Ricardo, aplaudindo cada canção de forma generosa e animada.

Em casa, apesar de não haver músicos, nunca faltou música. O pai era apreciador dos clássicos que conseguia apanhar na rádio e o irmão mais velho, José Luís, cedo ganhou o hábito de colecionar discos e de investir em aparelhagens de alta-fidelidade. “Por volta dos meus 10 anos, a música começou a ser uma constante lá em casa”, lembra Ricardo Fino. Bandas como os Beatles, os Rolling Stones ou os Moody Blues – “música que fervilhava nos anos de 1960” – compunham a discografia que o irmão rodava amiúde em sessões que organizava com os amigos. Mesmo obrigado a ficar de fora destes encontros, Ricardo nunca deixava de estar à escuta.

Aos 18 anos, ajuda a fundar os Nova Dimensão, de onde saiu dois anos depois para integrar a formação dos Kzars. “Nessa época havia uma coisa terrível que afastava os miúdos da música: a Guerra do Ultramar. Quando o vocalista dos Kzars foi chamado a cumprir serviço militar na Guiné, eu aproveitei a oportunidade para me tornar vocalista da banda. Mas, pouco tempo depois, aconteceu o mesmo comigo. Tive de ir para a tropa”, relata o músico aveirense, reconhecendo que, apesar de tudo, teve “uma sorte danada”. “Entrei para o exército em ‘74. Foi uma aposta que eu ganhei a mim próprio. Não muito tempo antes, tinha ponderado dar o salto , como tanta gente fez. Mas tive alguém que me soprou ao ouvido e me convenceu a aguentar mais um bocadinho que a coisa ia passar”.

Antes da Revolução de Abril, a informação que circulava era bastante escassa, mas Ricardo sempre procurou estar bem informado. Além da música, um dos seus passatempos na adolescência passava por recolher ao quarto mais interior da sua casa, sintonizar rádios clandestinas e, noite fora, ouvir as emissões que chegavam, em português, de destinos como a Rússia ou a Argélia. “Ficávamos a par de muita coisa, das greves que se faziam e da quantidade de pessoas que estava a morrer ”. “À boca calada, nas vésperas da revolução e através de contactos no exército”, Ricardo já sabia que estava prestes a acontecer alguma coisa” e isso ter-lhe-á dado doses extra de esperança e resistência.

Hoje, Ricardo Fino não se vê como “um autor panfletário”, mas assume gostar de “escrever sobre as coisas que vejo que não estão bem: o problema da desinformação, tudo quanto são discriminações...”. “No próximo disco vou voltar a abordar isso”, antecipa.

Mas voltemos à década de 1970: de regresso a Aveiro, dos Kzars, já só sobravam Ricardo, o baixista Nói Raposo e o teclista Luís Mário Pessoa . “Mudámos de nome, fundámos os Mandrágora”, conjunto musical do qual faria parte até ao início da década seguinte. Tal como os Kzars, os Mandrágora eram uma banda de covers, focando-se particularmente no repertório anglo-americano em voga naquela época.

Pouco tempo depois, fruto da sua constante busca por novas sonoridades, chegou às mãos de Ricardo um disco que viria a marcá-lo de uma forma muito especial: “Fernandinho vai ao vinho”, o primeiro trabalho a solo de Júlio Pereira e talvez o último antes de se dedicar aos cavaquinhos e à música tradicional portuguesa, área na qual viria a cimentar carreira. “Fernandinho vai ao vinho” é “uma opereta meio rock” (palavras do autor), um álbum conceptual no qual participaram dezenas de artistas daquele tempo: Zeca Afonso, Paulo de Carvalho, Sérgio Godinho e até Herman José são alguns exemplos.

Ricardo lembra-se de levar a cassete para um ensaio dos Mandrágora e de insistir, perante os evidentes “narizes torcidos” dos restantes membros da banda, para que algumas daquelas canções passassem a integrar o alinhamento habitual do grupo. “Lembro-me perfeitamente do primeiro baile em que tocámos aquelas canções. Toda a gente parou para perceber que som era aquele, tão diferente da música que estavam habituados a ouvir”.

Mais tarde, os Mandrágora começaram “timidamente a compor originais” e seria Ricardo, vocalista principal e ocasional guitarrista do grupo, que ficaria responsável pelas letras. Escreveu-as, segundo o próprio, “de forma empenhada, mas muito ingénua” e, apesar de até terem considerado essa hipótese, a banda não chegaria a gravar os temas nesse período.

Nos anos inaugurais da década de 1980, Ricardo volta a levar propostas ousadas para o ensaio dos Mandrágora. “Eu já vinha a desenvolver algumas das ideias que viria a concretizar vinte e tal anos depois. Ainda guardo o registo das minhas ideias, datilografado, tal como o apresentei aos meus colegas de banda. Por vezes, vou lá ver para comparar com o que vim a fazer mais tarde”. Naquela altura, os restantes elementos dos Mandrágora “não acharam piada àquilo” e Ricardo, que já vinha revelando “alguma saturação e desencanto” e estava pronto para abraçar uma nova etapa da sua vida, acaba por abandonar a banda.

Seguir-se-iam mais de duas décadas longe da atividade musical, mas nem por isso longe da música. “Nem eu conseguia viver sem estar ligado à música de qualquer forma. Aproveitei muito bem esses anos”, assegura Ricardo Fino. “Nunca assisti a tantos concertos, nunca comprei tantos discos, nunca ouvi tanta música como nesses anos. Não havia semana em que eu não fosse a um concerto!”, recorda o músico, que afirma ter ouvido “coisas muito diferentes: rock alternativo, música indie, jazz, fado, world music, música erudita...”.

Em 2007, foi proposto que os Mandrágora se reunissem para gravar os temas originais que, no final de contas, nunca tinham chegado a registar, e para dois espetáculos de celebração dos 25 anos do último concerto. Assim foi: “Escolhemos dez ou onze músicas, andámos a ensaiar e gravámo-las num estúdio caseiro... A ideia era mesmo ficar só com um registo para nós e fazer uma dupla apresentação em auditórios ”, explica Ricardo. “Foi só um revival para matar saudades, mas o que é certo é que me espevitou. A chama ficou acesa”.

Curiosamente, foi nessa altura que Artur Figueiredo começou a colaborar com uma agência de música sediada em Aveiro, trabalhando primeiro como produtor e, mais tarde, como agente, e passando a estabelecer uma relação próxima com vários músicos da qual o pai, Ricardo Fino, também viria a beber influência e, principalmente, entusiasmo.

Daí até resolver começar a escrever e a compor novas canções foi um instante. Ricardo misturou os sons tradicionais do fado com as suas raízes e inspirações: boleros, sambas, chorinhos e bossas, baladas de intervenção, mornas, tangos, valsas e chulas. Assim nasceu o seu álbum de estreia – “Tardio” – produzido por Quiné Teles e editado no início de 2014. “Tardio” por ter, na opinião de Ricardo, aparecido tarde demais. “Devia ter sido mais cedo. Olhando para trás, com a devida distância, olho para o espelho e penso ‘És um grande burro!’ Mas já está. Não há volta a dar-lhe”.

Deste disco, cada canção guarda uma história. Como a primeira música que gravou – “uma maquete muito mal-amanhada só com guitarra e assobio” – e que, dada a ouvir ao amigo Jesus Zing, tornar-se-ia no tema “Nosso (A)Mar”, mais tarde, gravado em dueto com Ela Vaz; ou aquela vez em que, numa mesa de café, prometeu que “não havia de morrer sem fazer uma canção sobre a avenida” Dr. Lourenço Peixinho e logo surgiu, sustentada novamente pelas palavras de Zing, a canção-homenagem “Choro da Avenida” dedicada à histórica artéria da cidade de Aveiro; ou ainda as colaborações com Viriato Teles, autor do poema de “Outro Fado”, com Pedro da Silva Martins, que escreveu “Nesta enfermaria”, ou com as vozes de Uxia e Ana Lains.

Ricardo Fino parece só saber trabalhar entre amigos. “É a única forma que conheço de trabalhar”. Antes do despontar da pandemia, mantinha uma tertúlia musical mensal (que promete retomar assim que seja possível) em sua casa. Para estes convívios, costumava convidar “30 ou 40 amigos para comermos, conversarmos e assistimos a um concerto”. “É outra forma que tenho de partilhar a minha paixão pela música”, esclarece.

Em 2017, no Quartel das Artes, em Oliveira do Bairro, com o pianista Pedro Almeida, Ricardo estreia o projeto “Canções Tardias”. Nele são incluídas canções de “Tardio”, ao mesmo tempo que visitam outras de outros autores e novas composições de Ricardo Fino. Como referido, “Canções Tardias” teve (provavelmente) a sua derradeira apresentação no passado sábado, na Fábrica das Ideias da Gafanha da Nazaré, num espetáculo especial, desde logo, por ter contado com Ana Bacalhau, na voz, Jorge Queijo, na percussão, Herlander Sousa, na flauta, e Joana Soares, no oboé.

Agora, é tempo de preparar a chegada de “Olhar”, o segundo álbum de originais. Quando se lhe pergunta quais as suas expectativas para com este novo disco e como prevê que seja a receção do público, Ricardo responde de forma tão desconcertante quanto apropriada: “Isto dos discos é como os melões: só depois de os abrirmos é que sabemos como estão por dentro, só depois de os provarmos é que sabemos se gostamos ou não”. A julgar pelo single de avanço – “Se me desses um olhar”–, divulgado em junho, as perspetivas são boas. “Acho que está bem melhor do que o antecessor e que há boas razões para as pessoas gostarem”, espera Ricardo Fino.

*Fotos: Pedro Mostardinha/23 Milhas

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