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Viagens na nossa terra: N. Sra. da Memória guiou-me até Ul

Roteiro

É meio-dia em ponto quando o silêncio é subitamente quebrado com o ribombar do primeiro foguete. Uns segundos depois estalam o segundo e o terceiro. Não são pomposos e afetados mas fugazes e modestos no cumprimento do seu encargo – rebentam e morrem, sem exibicionismos. Bum bum bum, missão cumprida. Com esta humilde eficiência, estão abertas as festas da terrinha.

A paz regressa, mas só por uns minutos. Dos altifalantes estrategicamente dispostos pelo bairro, dois deles fixados em postes da minha rua, brota música popular num arremesso capaz de transportar o som até dez freguesias de distância.

É um jorro contínuo. Oiço cantar o amor – às mulheres, aos homens, à terra, ao país – em vagas frenéticas. Fecho as janelas e enclausuro-me; o som fica abafado e torna-se num vago rumor a que o meu cérebro deixa de prestar atenção.

Mas rapidamente desperto desta beatífica alienação. Nossa Senhora da Memória despeja Roberto Carlos no mundo mas ainda assim tento ler. Livro: “Quatro anos apenas tinham passado desde o aparecimento do primeiro comboio na cidade quando…” Roberto Carlos: “Eu quero ter um milhão de amigos…” Livro: “Quatro anos apenas tinham passado desde o aparecimento do primeiro comboio na cidade quando…” Roberto Carlos: “E bem mais forte poder cantar…” Livro: “Quatro anos apenas tinham passado desde o aparecimento do primeiro comboio na cidade quando…” Roberto Carlos: “Venha comigo olhar os campos…” Livro: “Quatro anos apenas tinham passado desde o aparecimento do primeiro comboio na cidade quando…” Roberto Carlos: “Cante comigo também meu canto…” Desisto. Mesmo a milhares de quilómetros de distância, o homem do calhambeque leva a melhor.

É assim a vida nos pequenos lugares e eu gosto deste Portugal. Os arraiais na pequena praça; a mulher de 80 anos ao balcão da mercearia; a vizinha que nos oferece tomates; um carro que só passa de vez em quando; as velhas casas de aldeia.

Agora, porém, o meu consciente foi subjugado pela comissão de festas e decido que é tempo de sair de casa. É hora de mais uma Viagem Na Nossa Terra. O destino desta vez é Ul, em Oliveira de Azeméis.

Ao volante do carro ainda oiço alguém derramar o lamento pungente “não consigo entender por que você foi embora”. Achares que tens talento para cantar pode ser a resposta, comento para mim próprio. Os versos seguintes já não me alcançam e fico sem saber se a desertora regressou ou partiu de vez.

A primeira paragem do roteiro de hoje é no magnífico parque molinológico de Ul, que tem tudo o que um parque deve ter: um sereno curso de água, árvores em abundância, mesas de merenda, um café de apoio, trilhos para percorrer a pé.

Dirijo-me ao pequeno bar, onde peço um café e três padas de Ul, confecionadas no local. Sento-me na esplanada, com vista para os moinhos recuperados, onde na mesa ao lado da minha decorre uma dissertação filosófica em família. “A vida está em constante mudança”; “só os objetos é que não mudam”, escuto, enquanto finjo ler o jornal. Segue-se uma investida contra a vida moderna: “Eu sou contra a internet e os computadores”, anuncia alguém.

Recolho as antenas, bebo o café, dobro o jornal e pego no saco com o pão – chegaram a pensar, confessem, que tinha engolido três padas de enfiada. Subo a Rua da Ponte da Igreja até ao largo da Igreja de Santa Maria, onde no interior do bonito templo repousa, à entrada, uma estante com livros que os fiéis podem requisitar e levar para casa. Dali percorro a ruazinha que desce até ao rio, conduzindo a um belo recanto arborizado assinalado como praia fluvial cuja envolvente está a ser qualificada.

Volto ao parque molinológico e arranco em direção ao centro de Ul. Procuro a antiga estação da Linha do Vouga, convertida em restaurante. Olhando para o ramal ferroviário percebe-se, pelas ervas altas, que o comboio não trilha aqueles carris há muito tempo.

Vou percorrendo às cegas as ruas da povoação. Paro ao passar pelo café e mercearia Damas, e ocupo uma das três mesas da esplanada instalada na margem da estrada. Um grupo de homens conversa. Um dos interlocutores, um jovem adulto, é indiano. A conversa é muito engasgada - o indiano arranha mal o português, os portugueses arranham mal o inglês. O serviço de tradução do Google dá uma ajuda e gestos universais também. Discutem o preço das casas, porque o rapaz parece à procura de uma. Perante o seu olhar meio aturdido, um português avisa: “Um room… 300 ou 400 euros…” Os males do mundo também chegam a Ul.

Um dos portugueses quer ajudar e faculta o seu número de telemóvel. “Náine uâne...”, diz no inglês possível. Enquanto isso, outro homem afasta-se e informa a pequena plateia: “vou mudar a água às azeitonas”. O indiano deve ter ficado confuso.

Num vidro do café do parque molinológico um cartaz sugeria uma visita ao Pedregulhal e, acatando a proposta, faço dessa a paragem seguinte. Mas é uma desilusão – um letreiro desaconselha os banhos no rio e há muito lixo acumulado. Rapidamente dou meia-volta. No caminho de regresso, ainda paro para comer em Loureiro, num restaurante chamado Quinta do Barão, no segundo andar de um edifício de onde se avista um complexo desportivo e de lazer. A vitela assada recomenda-se fortemente.

Dali até Aveiro é um pulinho. Althair e Alexandre são o comité de boas-vindas no meu regresso a casa. Cantam num tom melífluo mas lascivo: “o amor é um prato quente, atraente, envolvente, faz a gente se servir, engolir, repetir”. Que melhor maneira podia pedir de acabar a viagem?

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