Cineasta, compositor e guitarrista, Joaquim Pavão é, sobretudo, “alguém que está sempre, esteve sempre e estará sempre à procura dos caminhos da paixão”. Caminhos que celebram a liberdade e o espírito crítico, que percorre sem “sentir medo”. Caminhos que se vão tecendo sem nostalgia do Passado e com os olhos postos no Presente. “Esta coisa de nos mantermos vivos enquanto estamos cá é a base de todo o meu pensamento e de toda a minha vida”, partilha. Porque, “de repente, tudo é pó”, importa não nos levarmos “muito a sério”, explica. “É que se nós acreditarmos no lado risível da vida, a existência é fácil e é feliz. E é para isso que cá estou, acho”.
Nascido no Porto, em 1975, Joaquim diz ter uma “doença” – uma insatisfação que sempre existiu e que o faz querer “olhar e pensar as coisas”, atentando aos detalhes e procurando construir, a partir delas, algo novo. Foi no Conservatório de Música de Aveiro que encontrou espaço para construir uma linguagem própria, a partir da experimentação, do risco, do confronto.
Diz vivermos em tempos de “tédio”, de “sofás confortáveis” que imprimem em nós uma certa “preguiça intelectual”. Tempos em que a crítica se mostra cada vez mais ausente. Tempos, também, de “oportunidade”, partilha. Em Aveiro, Capital Portuguesa da Cultura, “há investimento, há vontade, há coisas a acontecer e, se as pessoas se deixarem contaminar por isso e se desligarem um pouco das coisas que têm em casa, há todo um mundo por descobrir”.
24 fotografias
Essa doença, de nome insatisfação, leva-o a “apaixonar-se” pelas mais diversas coisas. Recorda-se de uma história em particular, de quando era mais novo, que envolve um rolo inteiro de fotografias e pedras. As mesmas pedras, 24 fotografias e uma ânsia de captar algo que existia já na sua imaginação.
Essa insatisfação ter-se-á agudizado com o crescer também do descontentamento com o sistema educativo – naquele Portugal dos anos 80 –, que parecia não conseguir dar resposta à sua vontade de aprender. “Estávamos sempre a falar da mesma coisa”, conta. “Com 14/15 anos, eu queria o mundo. Eu não queria nada menos do que o mundo”. Com essa certeza impressa, deixou Setúbal, onde vivia na altura, e rumou então a Aveiro, onde encontrou, no Conservatório de Música, aquilo que procurava: um professor – Carlos Abreu – e uma metodologia que, criando espaço para as suas dúvidas e vontades, lhe permitiu aprender a aprender.
Confronto, diferença e conhecimento
Hoje, profissional “à procura dos caminhos da paixão”, por entre o cinema e a música, diz continuar “a querer o mundo”. “Eu quero fazer tudo”, conta. Joaquim Pavão tem uma relação particular com o tempo. Centrando-se no Presente, não parece olhar o Passado com nostalgia. “Acontece de tudo” quando o revisita, explica, mas o “impacto do ofício” jaz, sobretudo, no “grau de conhecimento e exigência” no uso de um determinado conjunto de ferramentas. “Não me interessa muito se, por acaso, é melhor ou se, por acaso, é pior. Interessa-me desenvolver”, partilha. Há nele uma vontade incessante de criar e experimentar. Afinal, a sua “gaveta de projetos está cheia”.
Enquanto realizador, assinou diversos filmes, como Sonhos (2020), Antes que a noite venha: falas de Antígona (2017) e Miragem (2014), sendo também um guitarrista exímio e compondo música para cinema, teatro e concerto. Para Joaquim, todos os projetos são diferentes. “Gosto muito de fazer isto, (...) de poder experimentar”, explica. O trabalho – este trabalho, que desenvolve com uma “disponibilidade” que o “faz sentir bem” – é uma necessidade, “quase como se fosse um café”. “Eu preciso mesmo de fazer este tipo de coisas”, afirma. E isso envolve, necessariamente, a disponibilidade para arriscar e para lidar com a frustração. Hoje, partilha, parece estar instalada a ideia de que qualquer pessoa é ou pode ser artista, desde que capaz de justificar as suas ações ou criações. Joaquim discorda. Não basta justificar, é necessário compreender o que já foi feito para se poder criar algo novo, algo que não constitua uma “cópia duma cópia”. Afinal, “pensar no novo sem história é ridículo”. É necessário que se construa uma linguagem e, essa, como se constrói? “Arriscando e falhando”, partilha. “Arriscando numa opinião. Arriscando num conjunto de ideias. E falhando continuamente. E aceitando essa falha. Aceitando a frustração. Aceitando uma série de coisas que não é fácil”.