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António Marujo: “Alguns bispos deviam fazer um grande ato de contrição”

Sociedade

Alguns bispos deviam fazer um grande ato de contrição - A afirmação é de António Marujo, diretor do 7Margens e especialista em jornalismo de temática religiosa, e vem a propósito de declarações recentes por parte de alguns membros do clero sobre os casos de abusos sexuais no seio da Igreja.

Se, por um lado, o Papa tem apelidado os abusos de “monstruosidades”, apelando a uma política de “tolerância zero” e agradecendo aos jornalistas por ajudarem a denunciar o que está errado na Igreja e por darem voz às vítimas, por outro, continuam a vir a público responsáveis religiosos – bispos e padres – que desvalorizam o flagelo, que se mostram pouco colaborantes e chegam mesmo a acusar os jornalistas de andarem a remexer no passado, numa espécie de caça às bruxas que fere a Igreja e os seus fiéis. “Enquanto crente, sinto-me profundamente envergonhado com algumas afirmações que têm sido feitas. Não me representam nem representam o evangelho em que acredito”, reitera António Marujo, em entrevista à Aveiro Mag. “Creio que, se hoje tivesse de falar com algumas dessas pessoas sobre outros assuntos, começaria por perguntar se não se sentiam mal por terem dito o que disseram. Não ficaria de bem comigo se, antes de lhes falar sobre qualquer outra coisa, não os questionasse nesse sentido”, admite o jornalista aguedense.

Em Portugal, é comum os jornalistas que trabalham sobre assuntos relativos à política terem grande pudor em revelar a ideologia na qual se reveem ou o partido com o qual simpatizam; de igual forma, é raro o jornalista desportivo que admite qual o clube pelo qual torce. António Marujo, por seu turno, nunca receou afirmar-se como católico aos olhos da opinião pública. “Nunca senti qualquer tipo de conflito de valores. O meu código deontológico profissional e o código de valores pelo qual, enquanto cristão, rejo a minha vida coincidem bastante”, garante. “Não sou capaz de desligar o meu eu jornalista do meu eu cristão até porque me sinto bem ancorado pelos dois. São como dois carris da mesma linha de comboio”.

Com mais de três décadas de carreira no jornalismo de temática religiosa, António confessa já ter sido alvo de tentativas de condicionamento e todo o tipo de insultos. “Sei que sou insultadíssimo nas redes sociais por gente da Igreja. Só não sei como é que essas pessoas no domingo seguinte vão à missa comungar”, desabafa. “Nenhum de nós é perfeito – eu, pessoalmente, estou bem longe de o ser -, mas ir para a praça pública insultar pessoas que não se conhecem é algo profundamente antievangélico e anticristão. No entanto, já convivo com isso com alguma tranquilidade. Não gosto, obviamente, ainda para mais vindo de pessoas que não me conhecem, mas aprendi a desligar, embora às vezes ainda me apeteça responder”. O “segredo” parece estar numa lição de Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus: “Os jesuítas têm um termo muito interessante para se referirem à liberdade: ‘indiferença’. Não uma indiferença no sentido de desprezo, de não ligar a nada, mas no sentido de desprendimento, de sermos capazes de nos libertarmos relativamente às coisas. Há 30 anos, se calhar, ficaria verdadeiramente abalado , mas fui aprendendo esta ‘indiferença’ de que os jesuítas falam. Percebi que o trabalho que eu faço não é absoluto, que não vai mudar o mundo. É somente um trabalho que procuro que me dignifique a mim, à sociedade e às instituições religiosas”. “A liberdade que me permite dizer que o jornalismo é ignorante quando não dá atenção ao fenómeno religioso é a mesma que me permite dizer que estou envergonhadíssimo com as declarações que ouvi por parte de responsáveis religiosos a propósito dos abusos”, completa.

António Marujo (ao centro) com o Pe. João Gonçalves (à direita) e Jorge P. Ferreira, diretor do Correio do Vouga (à esquerda)

António Marujo nasceu em Arrancada do Vouga, freguesia de Valongo do Vouga (Águeda), mas cedo se mudou para a cidade de Aveiro, onde haveria de residir até a entrada para a faculdade. António cresceu num ambiente em que “a dimensão religiosa era muito importante”. Além da participação na missa, ao domingo, “quando éramos pequenos, os nossos pais ainda cultivavam a tradição de rezar o terço todos os dias”, recorda. Esta não era, contudo, “uma prática que me dissesse muito”, confessa. Aos 12 anos, junta-se ao grupo de jovens da paróquia da Vera Cruz onde, sem esquecer a herança de fé que os pais lhe haviam passado, encontra uma nova forma – mais adaptada ao seu tempo e à sua maneira de pensar e de agir – de a viver. É neste grupo de jovens que António viveria algumas das melhores e mais importantes memórias da juventude.

Em 1978, passa a integrar a equipa do secretariado diocesano da educação cristã da juventude – mais tarde, secretariado diocesano da pastoral juvenil -, liderada à época pelo padre José Fidalgo. “Foi uma experiência notável, inovadora e completa, que solidificou a amizade daquele pequeno grupo de pessoas”, descreve o jornalista. “No primeiro ano em que vim estudar para Lisboa, só passei cinco fins de semana na capital. Em todos os outros, fiz questão de regressar a Aveiro para atividades do secretariado com grupos de jovens, dinamização de encontros de reflexão, promoção de jornadas... nós não parávamos. Tínhamos uma dinâmica avassaladora”. “Não eram muitas as dioceses que tinham experiências como a nossa”, reconhece. “O objetivo era pôr os jovens a pensar sobre a realidade que os cercava, o mundo, a sociedade, a política, a economia, a justiça. Os jovens estavam nestes espaços para aprenderem a viver na sociedade de uma forma cristã”, descreve António Marujo, lamentando que hoje, “fruto dos tempos que vivemos”, a juventude que ainda se aproxima da Igreja, o faça “em busca de refúgio dos problemas da sociedade”. “Nós tínhamos uma perspetiva oposta: Deus é o aguilhão que nos leva a agir sobre os problemas para transformar a sociedade”.

Licenciou-se em Comunicação Social pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa – o jornalismo acabou por impor-se à vontade de ser escritor que lhe ocupara os sonhos de infância –, e começou a trabalhar em 1985. Passou pelo Expresso, pela revista Cáritas e pelo Diário de Lisboa, assim como por programas como o Toda a Gente é Pessoa, da Antena 1, e o Setenta Vezes Sete, da RTP. Também colaborou com outros órgãos de comunicação em Portugal e no estrangeiro. A maior parte do seu percurso, no entanto, foi passada no Público, projeto que abraçou desde o início, em 1989, a convite dos fundadores Vicente Jorge Silva e Jorge Wemans. “Quando entro para o Público, o objetivo já era dedicar-me à informação religiosa”, ainda que com a expectativa de que esta área não lhe proporcionasse mais do que um ou outro conteúdo por semana. No tempo que lhe restasse, António dedicar-se-ia a outros temas da atualidade informativa. “O que é certo é que, praticamente desde o início, com as fontes que fui arranjando, o volume de trabalho rapidamente se tornou tão grande e intenso que não mais parei de fazer jornalismo de temática religiosa”, relata.

António Marujo com D. António Francisco dos Santos, antigo bispo de Aveiro e do Porto, falecido em 2017

Em 2013, a “crise económica” e uma alegada necessidade de “reestruturação do jornal” serviram de desculpa para a dispensa de António Marujo e de dezenas de outros jornalistas do Público. Às portas de 2023, quase uma década depois, o setor continua a enfrentar grandes desafios e muitos ainda põem em causa a necessidade de um especialista em questões religiosas no contexto da redação de um jornal. Um “profundo disparate”, entende António, e que traduz “a ignorância que as nossas redações e administrações têm sobre o fenómeno religioso e a sua importância para a vida das pessoas”. “Nos meus últimos anos no Público, publiquei vários trabalhos que tiveram grande visibilidade na internet, chegando a ser os textos mais lidos do site do jornal. Antes disso, um suplemento sobre João Paulo II, que saiu a uma quarta-feira, ajudou a aumentar as vendas do jornal em banca em relação a todo o ano anterior. E é curioso que a última quarta-feira em que o jornal tinha tido um número de vendas superior àquele tinha sido numa edição que noticiava a missa do Papa Bento XVI na Praça do Comércio, em Lisboa”, conta o jornalista. “O religioso vende!”, sublinha.

Refira-se também que, quando estava no Público, por duas vezes – em 1995 e em 2006 – António foi distinguido com o Prémio Europeu de Jornalismo Religioso na Imprensa Não-Confessional, e que, já depois de sair daquele jornal, viu a reportagem “A Caixa de Correio de Nossa Senhora”, uma investigação jornalística desenvolvida a título pessoal – foi publicada no Expresso e deu origem a um livro e três reportagens na SIC –, ser contemplada com o Prémio Gazeta, o mais alto galardão do jornalismo em Portugal.

Ora, se o jornalismo de temática religiosa gera interesse por parte do público – traduzindo-se em aumentos de vendas e maior número de leitores na internet – e até há peças com qualidade para serem reconhecidas e celebradas pelos júris de importantes prémios, qual o argumento racional para as redações terem vindo a descartar os especialistas em questões religiosas? “Há um preconceito mediático acerca do fenómeno religioso nas redações portuguesas”, considera António Marujo, lamentando que Portugal não siga o exemplo de outros países onde é habitual as redações terem um ou mais jornalistas dedicados a esta área.

Numa tentativa de ajudar a colmatar esta lacuna, em 2019, surgiu o 7Margens, um jornal digital que “olha para a realidade do ponto de vista religioso e que, desse ponto de vista, se preocupa com questões como a justiça social, os direitos humanos e as ameaças à paz”, bem como o “aprofundamento das manifestações culturais e artísticas”. O 7Margens procura também dar conta das “mudanças no tecido religioso do país” e das “diferentes formas de busca espiritual que marcam o nosso tempo”, acrescenta António Marujo, diretor daquele projeto informativo desde a sua fundação. Atualmente, a redação do 7Margens é composta por dois jornalistas e conta com o contributo de vários colaboradores voluntários.

António Marujo a receber oPrémio Europeu de Jornalismo Religioso na Imprensa Não-Confessional, em 2006

Jornalista há 37 anos, António Marujo garante ainda ter “muitas coisas para fazer”. E ideias parecem não faltar: “Um dia gostava de fazer uma entrevista ao Papa”, admite, assegurando, todavia, que essa aspiração, por ora, não passa de um exercício teórico. “Gostava de o confrontar com alguns temas que me parece que deviam ser esclarecidos. Por exemplo, a questão das mulheres na Igreja, sobre a qual a posição do Papa tem sido muito ambígua. São Paulo deixou mulheres à frente de algumas das primeiras comunidades cristãs. Na altura, não se chamavam presbíteras, mas cumpriam o papel de liderança que hoje se atribui aos padres. Ora, se, de acordo com a Bíblia, na experiência dessas primeiras comunidades, as mulheres lideravam, porque é que hoje não o podem fazer?”. “Também gostava que o Papa aprofundasse a reflexão sobre a guerra na Ucrânia e o acordo que o Vaticano tem com a China, esclarecendo até onde é que se deve ir na negociação com regimes ditatoriais que oprimem milhões de pessoas”, aponta o jornalista.

Neste momento, António está a trabalhar num documentário para televisão sobre o monsenhor Joaquim Carreira, padre português que, durante a Segunda Guerra Mundial, acolheu judeus, em Roma, salvando-os da perseguição nazi – o sacerdote viria a ser agraciado, já a título póstumo, pelo Yad Vashem (Autoridade de Recordação dos Mártires e Heróis do Holocausto) com o título “Justo entre as Nações”. Revisitar a história do monsenhor Carreira tem levado António “a pensar na importância da questão dos refugiados”, outro dos temas sobre o qual ainda deseja poder vir a trabalhar. “Gostava de fazer uma reportagem num campo de refugiados, dar a conhecer as histórias daquela gente que, de repente, teve de pôr a vida dentro de uma mochila e atravessar mares, desertos, bandos de terroristas e bandos de guardas fronteiriços que, apesar da farda e de dizerem agir em nome dos Estados, não são muito diferentes”.

É, talvez, com o pensamento nessas “pessoas iguais a nós”, que “aspiram a ter uma vida em paz”, mas continuam a ter de enfrentar situações dramáticas às portas da Europa, que António elege “gratidão” como uma das palavras da sua vida. “Deus está nas pessoas a quem estou grato”, diz o jornalista “Está nas pessoas com quem me cruzo, está nos sorrisos, nos olhares, nos gestos e nos testemunhos que vão partilhando comigo. A questão é se eu o reconheço ou não nessas pessoas. É um desafio”.

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