A festejar o dia de todas as mães, não consigo deixar de vos recomendar a leitura do mais recente livro do genial Valter Hugo Mãe, “Deus na escuridão”, porque para além de ser uma bonita história sobre a força e o poder do amor de mãe, é um hino ao amor e aos afetos e ao poder do amor. “... Não sabemos nada e estaremos sempre sem saber. A única ciência que nos assiste é a de preferirmos amar. Quem prefere o amor vive no milagre, e o milagre é em toda a parte.”
Espero que a alusão a Deus no título do livro não afaste os não crentes desta experiência de leitura maravilhosa, em que a comparação das mães a Deus é feita pela perspetiva da presença, por vezes invisível, em todos os momentos da vida dos filhos, orientando-os e protegendo-os, mesmo quando estes querem afastar essa proteção. Esta é uma comparação na perspetiva do divino, do que está para além daquilo que os olhos alcançam, mas o coração sente e isso tanto pode ocorrer no sentido do Deus de uma qualquer religião, como também de uma divindade superior.
Naturalmente que, neste caso, falamos de Deus no sentido da igreja católica pois o tempo e o local em que a história se desenrola historicamente assim o impõe.
Por outro lado, também espero que não pensem os homens que este livro é só sobre as mulheres e, em particular as mães, pois para além do amor não ter género, os afetos e a sua importância no crescimento das crianças é aqui destacado de forma muito clara. Aliás, acho até que este é um bom livro para ser lido por homens, para que percebam que devem ser afetuosos como as mães, pois a ausência dos afetos deixa mágoas nos filhos “...., meu pai deixou de me abraçar. Eu tenho a impressão de que meu pai desaprendeu de gostar de mim ou eu fiz alguma coisa que ele não quer acusar.”
Este livro conta-nos a história de uma família e de toda a sua comunidade de vizinhos, na ilha da Madeira, e apesar de nos parecer recente – verão de 1981 -, é ainda bem notória a diferença sentida entre a vida na ilha e no continente, que era visto como a promessa de uma vida melhor. E mesmo dentro da própria ilha, a vida de Paulinho e da sua família, nos Pardieiros, era muito pobre e sem as condições daqueles que viviam abaixo dos pardieiros porque esses, por terem acesso à eletricidade, conseguiam assistir a histórias pela televisão. “As pessoas do século viviam todas com eletricidade, e se nós houvéssemos de ter eletricidade, haveríamos de ser do século. Iguais. Cidadãos iguais. Democratas numa democracia.” A importância, tantas vezes escamoteada, dos bens materiais para que todos se sintam cidadãos iguais, é muito interessante!
Impressiona muito a forma como Valter Hugo Mãe, sem querer deixar de relatar a pobreza profunda em que a família de Paulinho vivia, em que sentiam sempre que até o seu cheiro os distinguia dos outros - “Pessoas como nós não cheiram a limões nem com muito sabão. A gente exala pelos poros mais parecido com o gado.” -, consegue fazer-nos encontrar beleza onde julgamos que ela não existe, “... e estava sempre certo de que, ate ao esconso onde nosso pardieiro se fincava, o mundo inventava maravilha. Era abrir os olhos para a saber ver.”
De facto, o mundo e a vida têm esta capacidade inesgotável de inventarem sempre maravilhas, é preciso é estar atento para as descobrir e perceber que, muitas vezes, a maior de todas as maravilhas é ser amado e amar os outros. Mais do que um livro que enaltece o papel da mãe, enquanto pessoa que concentra em si a capacidade de amar sem limites e proteger com uma força sobrenatural, este é um livro sobre a importância do amor e dos afetos em todas as suas formas de expressão.
O livro tem como personagens principais Paulinho e a sua família: o pai – o tal que deixou de dar abraços – a mãe e o irmão mais novo, Pouquinho, ou o “menino sem origens” que nasce neste meio de pobreza profunda, numa condição física débil e que, por isso mesmo, desperta no irmão um instinto de proteção capaz de enternecer o coração mais empedernido. “Com os anos, Pouquinho cresceu para lá dos meus braços, mas eu sempre lhe pedi: meu irmão, não partas de casa sem meu abraço. Era como desapertávamos e apertávamos os fios que atavam noites e dias.”
O abraço, a importância dos afetos e dos abraços!!! A falta que Paulinho sentia dos abraços do pai, reflexo de uma altura em que os homens receavam dar afetos, muitas vezes confundidos como sinal de fraqueza e muito associado ao papel das mães. Era, na altura, muito frequente, sobretudo na relação entre pais e filhos homens, diminuir as manifestações de afeto para com os filhos, por se achar que isso os tornaria menos fortes ou “menos homens”. Que grande erro e que grande confusão!