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Carlos Costa: Sem o turismo, “Aveiro não tinha tanta expressão no panorama nacional”

Sociedade

É uma das principais referências nacionais no estudo e investigação do setor do turismo e é professor e investigador na Universidade de Aveiro. Carlos Costa, que também desempenha as funções de diretor do Programa Doutoral em Turismo, editor da Revista Turismo & Desenvolvimento, esteve à conversa com a Aveiro Mag, nas vésperas do Dia Mundial do Turismo, falando sobre a importância deste setor para o país e para a região.

 

Assinala-se a 27 de setembro o Dia Mundial do Turismo. É inquestionável o peso que este setor tem na economia do país e da região...

O turismo tem um peso na economia do país que, neste momento, é excecional. Chegámos a um ponto em que, sem o turismo, o país colapsava. O peso na economia é muito elevado. Os números que costumamos apresentar são esmagadores. A receita criada pelo turismo ascende a 25 mil milhões de euros. Ora, 25 mil milhões de euros representa mais do que o valor anual dos quadros comunitários do PRR. Todos nós falamos da importância do PRR, mas o turismo tem um valor superior ao PRR. Outro exemplo que costumamos dar é o facto de o turismo representar sete vezes mais do que o valor da fábrica da Volkswagen Autoeuropa, em Palmela. E todos nós falamos da Autoeuropa como sendo de uma relevância enorme. E é. Só que o turismo corresponde a nós termos uma Autoeuropa em cada região do país – uma no Norte, outra no Centro, outra em Lisboa, outra no Alentejo, outra no Algarve, outra na Madeira e mais uma nos Açores. A conta é muito simples: a Autoeuropa representa 3.6 mil milhões de euros. Se multiplicarmos por sete, chegamos aos tais 25.2 mil milhões de euros que é quanto vale o turismo de acordo com os últimos dados que temos. Portanto, a economia do turismo é esmagadora, tem um peso excecional e o país já não conseguiria viver sem o turismo.

 

E na região?

No quadro regional, veja-se o que está a acontecer no centro de Aveiro. Os moliceiros estavam a desaparecer dos canais e, por conta do turismo, tivemos de construir mais. Ninguém falava da Arte Nova – e mesmo assim, fala-se pouco – e veja-se a importância da Arte Nova em Aveiro. Os ovos moles, o Fórum Aveiro a fervilhar de gente a consumir, a fazer compras. Veja-se as lojas tradicionais que estão a surgir, veja-se a zona da Beira-mar com todos os restaurantes recuperados. Porque é que a baixa da cidade está a ser recuperada? Porque há um valor económico associado ao turismo. Caso contrário, voltaríamos à Beira-mar de há cerca de 20 anos, completamente abandonada, com os edifícios a cair.

O turismo, além de ser uma força macroeconómica de nível nacional, tem dinâmica em termos regionais. Aveiro não tinha assim tanta expressão no panorama nacional. Hoje, vir a Aveiro, passear de moliceiro, provar ovos moles, visitar a Costa Nova e levar o sal como recordação, está na moda. Está na moda para os nacionais, está na moda para os estrangeiros e, se alguém duvidar disso, basta ir à ponte-praça. A realidade não mente.

 

Depois, há o reverso da medalha: o impacto para quem vive nas cidades. Há aveirenses que se queixam que já não conseguem ir a essas zonas mais turísticas da cidade. É uma utopia pensar que podemos conviver amigavelmente com o turismo?

Não conheço nenhuma atividade que não cause problemas. Quando nos mexemos, estamos a causar problemas a nós próprios. Vivemos nos locais e temos de ter relações com os vizinhos e isso também é fonte de problemas. E é fundamental pensar-se nos problemas do turismo, nomeadamente, a concentração excessiva em determinados locais. Porquê? Obviamente, o que falha no turismo é que existe pouca gestão e planeamento do turismo. Estou a utilizar esta expressão “Gestão e Planeamento do Turismo” porque a universidade de Aveiro foi pioneira, em 1988, quando criou a primeira licenciatura em Gestão e Planeamento do Turismo. Há 36 anos que nós defendemos que é fundamental nós gerirmos e planearmos convenientemente o setor. Nunca dissemos que o setor não precisava de planeamento. Com a expressão que tem, faz sentido o turismo estar reduzido a uma mera secretaria de Estado que, muitas vezes, é diluída na secretaria de Estado do Comércio e dos Serviços? O turismo não tem peso político a nível nacional, não existe um plano nacional de turismo ou um programa para a educação e a investigação. Há que ter noção que não existem bolsas disponíveis na Fundação para a Ciência e Tecnologia para fazer investigação em Turismo. Temos de concorrer noutras áreas - na gestão, na economia, na geografia – porque para turismo não há [bolsas de investigação]. O que existe é falta de condições.

O país precisa de um ministério do Turismo. A agricultura vale 2.5 mil milhões de euros. O turismo, 25 mil milhões de euros, dez vezes mais. Ora, a agricultura tem um ministério. E bem. Para tratar da agricultura, do espaço rural e das florestas. Não está em causa a necessidade de existir um ministério para essa área. Mas como é que o Turismo não tem essa estrutura de nível nacional e também de nível regional? As nossas entidades regionais fazem um trabalho muito meritório, mas precisam de ter mais poderes na área do planeamento e gestão do turismo. Em suma, diria que os problemas que existem na área do turismo decorrem da fraca gestão e do fraco planeamento que existe. É um problema de décadas, transversal a todos os Governos de Portugal nos últimos trinta anos que têm optado por manter-se num paradigma de promoção e não de gestão e planeamento do território.

 

Também podemos pensar em instrumentos municipais para gerir o turismo?

Sem dúvida. Falta capacidade de intervenção dos municípios e das regiões. A gestão e planeamento do turismo fazem-se através de órgãos locais e de órgãos regionais. É fundamental que as câmaras municipais e as entidades regionais do turismo tenham uma maior capacidade para intervir. Temos ausência de estratégias: falta um plano nacional de turismo, um plano nacional para a educação e investigação em turismo e planos de marketing que estejam associados à oferta turística. Não podemos andar apenas a criar slogans com imagens bonitas a dizer “Visite Portugal”. Temos de induzir a procura para determinados locais, nomeadamente, para locais com menor grau de povoamento, as regiões afastadas do litoral.

 

Falando em estratégias a nível regional, ainda recordamos o tempo em que havia entidades regionais mais pequenas, mais locais. Neste momento, há uma visão mais macro em que temos uma entidade – Turismo do Centro – que abrange cem municípios. Isto é bom ou mau?

Saudades das dezanove regiões de turismo que o país tinha não há nenhumas. De facto, havia uma fragmentação. Não se alcançou uma boa gestão do território. O país precisa de ter o que tem atualmente: cinco NUT - Nomenclatura das Unidades Territoriais. Sabemos que o planeamento e a gestão do turismo se fazem numa base territorial pelo que o turismo tem de estar enquadrado com as CCDR – Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional. Eu já defendia isso quando existiam as dezanove regiões de turismo e acho que tive um contributo para que elas desparecessem. Deve existir uma coordenação entre as entidades regionais e as CCDR.

Agora, se me pergunta se está tudo feito e já conseguimos chegar à solução ideal, eu respondo: Não. Estamos longe disso. Temos de conseguir dar maior capacidade de intervenção às entidades regionais e às câmaras municipais. O nível nacional tem de ficar estratégico para a definição da política, do marketing, da coordenação e do financiamento, mas a gestão e planeamento do turismo têm de ficar na base regional e local. É nessa cesta das cinco regiões que devemos colocar os nossos ovos.

 

Falou do curso de Gestão e Planeamento do Turismo na Universidade de Aveiro. Sinceramente, sou de cá e não tinha a noção que já tinha 35 anos. Recorda-se dessa altura? Foi difícil convencer as entidades responsáveis da necessidade de um curso nesta área? É que hoje o turismo tem todo este peso na economia, mas, nessa altura, não tinha...

A Universidade de Aveiro é conhecida por já ter tirado vários coelhos da cartola em diversas áreas. Algures em 1978 ou 79, a UA criou um curso chamado Engenharia da Cerâmica e do Vidro quando, neste país, cerâmica e vidro era artesanato. Esse curso evoluiu e é hoje um curso de referência – Engenharia dos Materiais – não apenas nessa área da cerâmica e do vidro, mas em muitas outras. No final da década de 1970, a UA criou outro curso chamado Engenharia do Ambiente - para o qual eu vim – quando ainda nem estava provado cientificamente que havia problemas ambientais como o efeito de estufa. Aprendi eu nos bancos da universidade, na década de 1980, que havia uma teoria sobre o efeito de estufa, mas era só uma teoria. Veja-se onde chegámos, entretanto. Em 1988, criámos o curso de Gestão e Planeamento do Turismo, a primeira licenciatura do país nesta área. Na altura, perguntavam-nos se íamos vender bolas-de-berlim e farturas para as praias. Hoje, vê-se que o turismo é o setor com a pujança que tem e só peca por não termos ainda mais gente formada nesta área.

 

Quantos profissionais é que Aveiro já formou?

Não consigo precisar um número, mas são várias centenas. Mas posso dar-lhe outros dados: Aveiro criou a primeira licenciatura em Gestão e Planeamento em Turismo, em 1988; criou o primeiro Doutoramento em Turismo, em 1995; criou o primeiro mestrado em Gestão e Planeamento em Turismo, em 2001; criou a primeira revista científica na área do Turismo com publicação em português e outras línguas, em 2004; criou a primeira empresa spin-off na área do Turismo, em 2008. Os últimos dois secretários de Estado (o atual e o anterior) foram formados pela UA; temos diretores-gerais e autarcas formados aqui; presidentes de entidades regionais são nossos investigadores. Tudo isto demonstra a vitalidade desta área que temos muito gosto que esteja localizada em Aveiro que, diga-se, nunca teve grandes tradições na área do turismo. Mas foi em Aveiro que foi criado o curso da área do turismo com mais força em Portugal.

 

O surgimento do curso ficou a dever-se a quê? Houve um grupo de visionários? O professor esteve ligado a esse processo?

Eu ainda não estava ligado e isto, era menino de licenciatura quando o curso foi criado. O que aconteceu foi que a equipa reitoral da altura - Joaquim Renato Araújo, Júlio Pedrosa e Artur da Rosa Pires – foi mentora do curso de Turismo da universidade de Aveiro. Na altura, convidou-se um professor de referência mundial, o professor Chris Cooper, que foi meu coorientador de doutoramento, para vir até Aveiro e dar-nos orientações para criarmos esta área. Eu sou o primeiro doutorado na área do Turismo em Portugal e ainda sou o único catedrático em Turismo em Portugal.

Há mais de 700 cursos de turismo em Portugal de nível secundário, politécnico e universitário. Toda esta área tem vindo a crescer de forma excecional. Aveiro orgulha-se de ter 100 por cento de empregabilidade para os doutorados que saem da sua academia. Quase todas as universidades e politécnicos com cursos na área do turismo têm, pelo menos, um doutorado formado pela universidade de Aveiro.

 

E qual a empregabilidade dos licenciados?

Esse é um dos calcanhares de Aquiles do turismo nacional. Não é apenas exclusivo da universidade de Aveiro, mas de todos os cursos. Estamos a formar profissionais altamente qualificados, mas que muitas vezes ficam no desemprego. A taxa de desemprego ainda continua a ser considerável nesta área. O que tem acontecido nos últimos anos é que o turismo tem vivido uma política de atração de recursos humanos de outros países: Brasil, Cabo Verde, Angola, Nepal, Índia, Paquistão. Vemos que na nossa hotelaria e restauração temos muitos imigrantes. E são, obviamente, muito bem-vindos. Só significa que o país tem vitalidade e consegue atrair e integrar pessoas. O turismo é uma área que tem que ver com pessoas, com contacto, com cultura e com património. Temos de ter uma política de gestão de recursos humanos fortemente alicerçada naquilo que são as escolas de turismo do país. É preciso trabalhar com o Governo e as empresas para que se melhore o nível de colocação dos formados em escolas nacionais ao nível das empresas da área do turismo.

 

 

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O que ouvimos dos empresários do setor são palavras de desespero por não conseguirem encontrar profissionais qualificados. No entanto, há muitas pessoas formadas nesta área em situação de desemprego. O que está a acontecer? Não estamos a pagar os devidos salários para atrair pessoas qualificadas para as nossas empresas?

Que não haja rodeios nesta matéria. A área do turismo oferece baixos salários. É aquilo a que nós chamamos o “salário emocional”, isto é, os nossos jovens não estão à procura de terminar uma licenciatura e ter 820 euros como remuneração mensal e terem de trabalhar noite dentro, aos fins de semana, no Natal, não terem férias quando os outros têm férias... O turismo tem problemas de nível salarial. Temos de reinventar o setor do turismo e avançar no sentido da subida gradual dos salários para que as condições de vida venham a ser melhoradas e as condições do trabalho sejam transformadas.

Isto implica duas coisas: a primeira, que não acontecerá num futuro próximo, mas que deve ser pensada a médio-longo prazo, é pensar em robotizar uma série de áreas para diminuir o número de trabalhadores em áreas de rotina. A segunda: temos de deixar de ter trabalho de servilismo, de criados da hotelaria e restauração. Temos de ter gestores de pessoas e gestores de turismo. Dou sempre este exemplo: há uns anos, a Banca vivia de um conjunto de trabalhadores não especializados, pessoas que recebiam e entregavam dinheiro e carimbavam recibos. Hoje, a Banca só tem gestores de clientes. Quando pensamos na revolução que foi feita na Banca, podemos imaginar a revolução que é preciso fazer no Turismo.

O turismo tem de crescer em valor acrescentado. Se queremos aumentar a produtividade, tornar o setor mais inovador, mais atrativo, tecnologicamente mais desenvolvido, temos de apostar num perfil de emprego claramente diferente do que temos atualmente. É preciso apostar nos centros de investigação a trabalhar em conjunto com as empresas, as associações e um ministério, para começarmos a criar aquilo que serão as fundações do turismo do futuro. Portugal é um dos gigantes mundiais da área do Turismo. O país tem imenso potencial. No entanto, o que vemos é um cenário de baixa produtividade e pouca atratividade em termos de recursos humanos qualificados.

 

Há muitos jovens qualificados que optam por ir lá para fora.

Obviamente, e isso é um mau negócio para o país. Por um lado, investimos em jovens e outros países beneficiam desse investimento e, por outro, estamos a hipotecar o nosso futuro. Se nós não formos atrativos para os nossos recursos humanos, há aqui uma geração que vai desaparecer, que não vai estar disponível. E isso terá consequências terríveis no futuro porque Portugal vai empobrecer certamente.

 

Se entrou para a universidade para estudar Engenharia do Ambiente, como é que vai parar ao Turismo? 

As ligações são claríssimas: o turismo depende do ambiente e da qualidade do território; depende de uma boa economia e uma boa gestão, mas essa economia e essa gestão têm de estar em consonância com a qualidade do ambiente e do território. Daí a facilidade que tive em ligar as duas áreas.

 

Foi no doutoramento que escolheu esta área de estudo? 

Não. Quando fui contratado pela universidade, aos 25 anos, a condição que me colocaram foi ir imediatamente para Inglaterra fazer o mestrado e o doutoramento. Estive seis anos em Inglaterra. Primeiro fiz uma pós-graduação, depois o mestrado, depois o doutoramento. Entre 1990 e 1996 estive fora da universidade.

 

Já a estudar nesta área? 

Sempre só na área do Turismo. Daí ter sido a primeira pessoa doutorada em Turismo no nosso país.

 

Quando olha para os alunos que têm passado pelo DEGEIT sente-se orgulhoso? Seria também um orgulho ter um ministro do Turismo formado na Universidade de Aveiro?

Com certeza. E a probabilidade é muito grande. Estamos entre as melhores redes de investigação a nível mundial. É claro que gostávamos de ver um formado nosso ao mais alto nível.

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