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Viagens na nossa terra: O pai, o filho e o espirro santo

Roteiro Ler mais tarde

 

Tal como o lançamento do livro de um autor favorito ou da carta da Olá a cada verão, também a abertura de um novo trilho pedestre é motivo de júbilo para quem, como eu, tem nos passeios pela natureza um dos seus grandes prazeres mundanos. O recém-inaugurado Trilho dos Açudes em Telhadela, Albergaria, gera uma curiosidade que me apresso a satisfazer, na companhia do meu filho mais novo. Aproveitando que ele está de férias e que eu tenho um dia livre a um dia de semana, dedicamos uma segunda-feira de finais de junho à descoberta desta nova rota pedonal.

Somos presenteados por um maravilhoso dia primaveril. Partimos de Aveiro manhã cedo e rumamos calmamente a Telhadela, na zona serrana de Albergaria. Passamos por Valmaior, Rendo, Busturenga e Ribeira de Fráguas, locais onde, há poucos meses, o poder destruidor do fogo deixou enormes feridas nas encostas verdejantes e em aldeias que se viram cercadas pelas chamas.

De Aveiro a Telhadela é meia hora de viagem. A aldeia, à qual chegamos pela EN16-3, parece deserta. O trilho tem início num pequeno largo da povoação, junto ao Solar das Camélias. Estacionamos o carro e pomos uma mochila às costas, onde transportamos garrafas de água e alguma comida leve para repor a energia durante o caminho. As amoras só estarão maduras daqui a um mês.

Uma placa indica o início do percurso, com a seta dirigida para o Largo da Baixinha. No quintal de uma casa contígua um homem já velho, qual porteiro ou comité de boas-vindas, confirma que estamos no sítio certo. Conta-nos que tem 91 anos e que foi carpinteiro. Mora sozinho, diz-nos, e pressinto que quase chora ao evocar a sua atual realidade. Voltamos a vê-lo à chegada, como se tivesse ficado à nossa espera.

A primeira parte do percurso é feita por corredores formados pelas paredes das casas. Não por acaso, uma placa toponímica assinala o Carreiro das Entre Casas. Passamos por uma antiga exploração mineira de cobre e níquel, a Companhia da Mina de Telhadela, há muito desativada. Só ao fim de algum tempo abandonamos a zona urbanizada e nos embrenhamos na natureza. A experiência não podia ser mais idílica. O Rio Caima e pequenos ribeiros correm ao nosso lado em longos troços do percurso; passamos por moinhos abandonados cujas ruínas oferecem um vislumbre da vida de antigamente; uma enorme profusão de plantas, flores e árvores ornam o caminho de cores e cheiros primaveris, numa exuberante demonstração de como a Primavera pode ser incrivelmente sumptuosa. Só por uns segundos, algures, ouvimos vozes ao longe, ecos distantes da vida fora do trilho. Habituados à vida na cidade, este silêncio de água, pedra, árvores e pássaros faz-nos sentir enclausurados num casulo verde e pacífico.

Este cenário encantatório só é quebrado pela herança negra que os últimos incêndios deixaram no território. Ainda se veem troncos calcinados e algumas estruturas danificadas. Mas é também impressionante a capacidade de regeneração da natureza. Os eucaliptos são quem melhor o demonstra, quer brotando espontaneamente em qualquer torrão de terra quer em talhões onde novos rebentos foram plantados em filas de geometria perfeita.

O dia aqueceu e convida a banhos. O termómetro do telemóvel marca 36 graus. Quando sopra uma brisa é como se tivéssemos um secador de cabelo ligado na nossa direção. Experimentamos a água pela primeira vez junto à Ponte do Pinto, numa inflexão súbita do percurso rumo à margem do rio. Uma clareira forma uma espécie de pequena praia. A água é fria – o meu filho entra nela com a intrepidez da adolescência; para mim é como enfiar-me num tanque cheio de pedras de gelo. O calor seca-nos os calções rapidamente e prosseguimos viagem com a esperança de os podermos molhar novamente. Vislumbramos então, numa zona abaixo de nós, uma pequena cascata e fazemos um desvio até lá, descendo a encosta e ultrapassando alguns obstáculos pedregosos. Entramos na água e deixamos que o jorro líquido que cai de uma altura de dois metros nos massaje o corpo.

A sinalização em geral é suficiente mas nem isso evita dois desvios à rota. Num deles, passa-nos despercebida uma curva de quase 180 graus e a distração faz-nos seguir por um estradão de terra batida. À medida que avançamos, uma curva após a outra, cresce a intuição de que estamos extraviados - já estamos tão fora do percurso que por pouco não chegamos a Aveiro a pé. Até que, numa encruzilhada do caminho e já com a certeza de que estamos perdidos, decidimos voltar para trás.

No regresso reparamos em bonitas alminhas na berma do caminho, pequenos nichos dedicados a Nossa Senhora do Carmo e a outras figuras de devoção popular. Aqui o pólen abundante das flores, esvoaçando como insetos microscópicos, serve de detonador a uma vigorosa rajada de espirros com que o meu filho quebra o silêncio e a paz do lugar. É ao som destes espirros abençoados que retomamos o trilho certo.

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À chegada à aldeia voltamos ao alcatrão da estrada, após os cerca de dez quilómetros circulares do percurso. O PR5 tem graus de dificuldade variados. Muitos dos seus troços são fáceis de percorrer. Outros, porém, exigem destreza e esforço físico.

Cansados, ansiamos por uma bebida refrescante e o Café Caetano surge-nos ao virar de uma esquina como um oásis no deserto aos olhos de caminhantes sequiosos. Entro. Lá dentro, num espaço exíguo, um enorme ecrã de televisão exibe as desgraças do mundo. Meia-dúzia de pessoas está sentada às mesas, meio absortas. Peço duas coca-colas. Transporto as latas vermelhas para o exterior e abrimo-las em simultâneo. O som da tampa metálica a abrir e do gás a libertar-se, descrito imperfeitamente pela onomatopeia pppshhhh, é o prenúncio de um prazer ansiado - a beleza do cansaço é a recompensa que se lhe segue. Voltamos ao carro, que esturra ao sol. Quando entramos no seu interior é como se fôssemos frangos a assar num forno. Abrimos todas as janelas e rumamos a casa.

Nuno Jesus, um antigo ourives de 59 anos, foi o mentor do PR5. “Tenho desde pequeno uma paixão pela natureza e pela história”, diz-me quando volto a Telhadela, uns dias depois. Falamos por uns minutos sentados num banco público junto da aldeia. Antes de nos despedirmos, pede-me para aguardar enquanto, em passo apressado, vai a casa buscar um exemplar da monografia “Telhadela, construção de uma memória”, de que é coautor.

Nuno fala-me da aldeia, de onde a mãe era natural e à qual ele regressou há 20 anos, após reconstruir uma casa do século 18. Ele fez o percurso inverso ao de milhares de pessoas. “As aldeias estão a perder habitantes”, diz. Deambulando pelas suas ruas, percebe-se que Telhadela não escapa ao fenómeno. As casas abandonadas são numerosas, assim como antigos terrenos agrícolas e florestais. “Agora não há quem cuide deles”.

Com o mundo rural em acelerada erosão, trilhos pedestres como o PR5, que resultou de uma parceria com a DonAldeia – Associação para o Desenvolvimento de Telhadela, a Junta de Freguesia de Ribeira de Fráguas e a Câmara de Albergaria-a-Velha, são uma forma de trazer alguns forasteiros a estes lugares meio esquecidos. Aqui passamos umas horas, aqui conversamos três minutos com os velhos que ficaram, aqui deixamos umas migalhas na economia – e depois partimos. As ruínas do lugar da Vidoeira, de um lagar de azeite e de vários moinhos de água são, ao longo do PR5, vestígios do que este território já foi. A escola primária, já sem crianças, é outro sinal dos tempos. O edifício é agora ocupado pela DonAldeia, cuja principal dinamizadora é uma transmontana de 64 anos apostada em não deixar morrer as tradições rurais de Telhadela – ou pelo menos as suas memórias. Não é uma missão fácil, assume Delmira Gomes, uma mulher de cabelo curto e grisalho que encontro na horta pedagógica que a associação criou no lugar. Mas isso não a fará desistir.

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1 Comentário(s)

anabela carvalhinhos
23 jul, 2025

sou de telhadela e fico muito satisfeita quando falam da nossa aldeia. agradeço o seu relato sobre a experiência do pr5. no entanto, tenho 2 observações a fazer: 1. o nuno jesus passou a chamar-se manuel? 2. o senhor idoso, carpinteiro, não tem 91 anos, tem 80, quase 81 (é meu sogro). a nossa zona tem outros trilhos, já conhece? boas caminhadas :)

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