
Uma Avenida Bipolar?
Tiago Castro
Serve a presente crónica para falar da Avenida. Sim, assim sem mais nomeação, porque em Aveiro ruas temos muitas mas avenida apenas uma.
Um breve prelúdio. Na semana passada vi um excelente programa da RTP2 sobre Amsterdão. A determinada altura abordavam a relação que os residentes e a cidade tem com as bicicletas. Os efeitos da sua popularidade estende-se até à forma como o comércio se adaptou a esta realidade e os seus habitantes fazem compras: Como a maioria das pessoas não anda de carro mas de bicicleta e não podem transportar muitas compras, não há praticamente hipermercados mas sim dezenas de pequenas mercearias em cada bairro e onde as pessoas fazem compras com muito maior frequência.
Mas o domínio da bicicleta nem sempre foi uma realidade, esta teve de ser conquistada pelos neerlandeses. Com o aumento das bicicletas e sem grandes condições de segurança nos anos 70 as mortes de ciclistas e peões não paravam de aumentar. Em 1971 morreram 3300 pessoas no trânsito, 400 delas eram crianças. “Stop kindermoord” (Parem o assassínio de crianças!) foi o mote do movimento criado e que conseguiu, passados mais de 10 anos de luta, que o governo passasse a incentivar o uso da bicicleta, com a criação de infra estruturas e leis que protegiam os ciclistas.
Imagino que (e bem) não tenha morrido recentemente nenhuma criança a andar de bicicleta em Aveiro. Mas não é porque existem ótimas condições para se andar de bicicleta na cidade, mas sim (e mal) porque é muito raro vermos crianças a andar de bicicleta. Falo a andar mesmo, a irem para as suas escolas de bicicleta, a irem ter com os amigos de bicicleta. Sabem quantas bicicletas se contam p.ex. numa escola como a João Afonso que tem centenas de alunos e que fica no centro da cidade? 4 ou 5 bicicletas. Dá menos de uma bicicleta por cada cem alunos…
E aqui a responsabilidade não é dos Pais que super protegem os seus filhos. Aqui é real. É perigoso andar de bicicleta em Aveiro. Antes da pandemia fiz parte do conjunto de pais que ia de bicicleta para a escola com os seus filhos, formando um “comboio” de segurança e são muitas as passagens inseguras porque há muitas zonas onde não há pistas para ciclistas e grande parte dos automobilistas se comportam como assassinos ao volante.
(E afinal não foi um breve prelúdio.)
Achar que Aveiro tem boas condições para se andar de bicicleta é de quem não anda de bicicleta. Muito menos se o tentar fazer com uma filha de 10 anos. Reconstruir a Avenida, a principal artéria da cidade, com uma preocupação de reduzir (e bem) a velocidade dos automobilistas e de se criarem zonas de convivência, onde até se pode, segundo o sinal de trânsito junto às pontes, jogar futebol e não se ter espaço para se circular de bicicleta é absurdo.
A nova Avenida apresenta então alguns traços de bipolaridade. Quer menos carros no centro da cidade e que estes circulem mais devagar. Pretende que as pessoas usufruam mais da avenida ao alargar os passeios e criar novas áreas de esplanada mas não tem espaço para os ciclistas circularem nela.
Sofre então esta avenida dum mal comum: O conceito e a estratégia foram bem definidos mas falhou na execução.
Uma cidade que promove e defende a utilização das bicicletas é uma cidade que promove a vida em comunidade, estimula o pequeno comércio, proporciona mais bem-estar e potencia hábitos mais saudáveis aos seus habitantes.
E não, pintar umas bicicletas no chão na faixa dos autocarros não é dar espaço e segurança para se andar de bicicleta na avenida, é só um aliviar de consciência.
Conceição Maia Rocha de oliveira
Desculpe… mas então, está a esquecer-se da Avenida Santa Joana e da Avenida da Força Aérea?
Pelo menos três, conheço.
Tiago Castro
Olá Conceição, tem toda a razão! Mas referia-me ao facto de tratarmos carinhosamente a avenida dr. lourenço peixinho por apenas “Avenida”.
Renato Almeida
Pensar Aveiro ou qualquer outro lugar, em qualquer parte do mundo levará certamente o seu tempo. Terá também a necessidade de respeitar a sua História e respectivamente as suas infra estruturas (ou falta delas) em conformidade com o ordenamento. Depois, pensar em bicicletas ou mobilidade suave num terreno com pouco inclinação é algo que será o futuro, mas também já foi no passado assim como é hoje , a nossa realidade. Passar do pensamento à execução é outra conversa. Mas convinhamos, avenidas com passeios largos como a Avenida Lourenço Peixinho é algo de bom.
Tiago Castro
É bom sim e considero que esta avenida está incomparavelmente melhor do que estava: passeios largos, obrigar os carros a circular devagar e criação de novas zonas de esplanadas. Mas acho que ficou coxa quando ao pensar em tudo isto não se pensa numa ciclovia que ajudaria também a criar novos hábitos de mobilidade nos aveirenses e a começar a diminuir a circulação automóvel no centro da cidade.
Manuel
Obrigado pelo seu artigo.
Em jeito de corroborar a sua opinião, não poderia deixar de dizer que Aveiro talvez seja a única cidade no mundo que tem uma avenida com duas faixas dedicadas às bicicletas. Deram-lhes o nome BUS, presumo que seja Bia de Utilização Siclistica.
Tem vantagens: os autocarros não circulam nelas, os carros podem estacionar em segunda fila. Parabéns ao projetista e comandita. Nota-se perfeitamente no traçado da avenida que tiveram em conta as suas deslocações na cidade.
P.s. – cruzo diariamente a avenida, várias vezes. A bicicleta é o meu veículo diário de transporte e, se isso puder interessar a alguém, tenho mais de 60 anos
A. A. L. F.
Subscrevo na íntegra. Muito gostaria eu de andar de bicicleta e caminhar em Aveiro e freguesias dos arredores. Mas tal não é possível com conforto e segurança. E desperdiçam-se oportunidades destas quando se fazem obras desta dimensão (que não serão realizadas muitas vezes). Além disso, e na mesma onda de crítica construtiva, a aveniida/rua das secundárias já está toda rebentada há mais de um ano! Como são estas coisas possíveis?!