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Hélder Ventura: o arquiteto que navega pela memória da Ria

Património Ler mais tarde

Afonso Ré Lau

Num armazém aberto sobre a Ria, em Válega (Ovar), Hélder Ventura levanta o pó das memórias com cada tábua restaurada. Arquiteto de formação, é à carpintaria naval que hoje dedica boa parte dos seus dias. À frente da associação Cenário – Centro Náutico da Ria de Ovar –, é um dos principais rostos da valorização da carpintaria naval e da memória que habita os cascos restaurados.

A ligação à água nasceu cedo. A infância passada entre a praia do Areínho e a Náutica de Ovar despertou-lhe uma curiosidade quase instintiva por barcos. “Um barco encostado numa praia atrai sempre os miúdos”, recorda. Com o tempo, a curiosidade deu lugar à paixão – primeiro pela observação, depois pela prática.

A formação académica começou nos EUA, influenciada pelo contexto político dos anos 70 e pela tradição emigrante da família. Estudou Engenharia Oceanográfica em Rhode Island, inspirado por Jacques Cousteau e pela literatura do mundo subaquático. O interesse pela arquitetura surgiu mais tarde, quando teve de construir casa em Portugal. Estudou na Escola de Arquitetura Árvore, no Porto, e dedicou-se profissionalmente à área, durante anos, no gabinete Pé Direito, em Ovar. Entre os projetos de destaque, conta-se a participação na discussão do Plano de Pormenor do centro de Aveiro, numa fase embrionária da requalificação urbana que transformaria o espaço adjacente à Antiga Fábrica Jerónimo Pereira Campos – hoje, Centro Cultural e de Congressos. “Um dos nossos contributos mais marcantes foi a proposta de um lago de maiores dimensões junto à fábrica, que acabou por ser aceite. Hoje, é um dos postais da cidade”. 

É, contudo, no cruzamento entre arquitetura e náutica que Hélder Ventura encontra a linguagem que mais o motiva. A madeira, elemento comum aos dois universos, serviu de ponte entre projetos arquitetónicos e o restauro de embarcações. Um dos exemplos mais emblemáticos dessa fusão é o Espaço Empreendedor, em Ovar, cuja “cobertura em madeira com formas curvas remete para o estudo de barcos e a arquitetura naval”.

No cais do Puxadouro, em Válega, freguesia do concelho de Ovar, um armazém de portas abertas guarda memórias flutuantes. Ali, entre ferramentas, peças de madeira e cascos de barcos, Hélder Ventura dedica-se àquilo que se tornou uma missão de vida: recuperar embarcações de recreio em madeira e manter viva a herança náutica da Ria de Aveiro. O primeiro restauro surgiu quase por acaso, quando ele e um amigo decidiram recuperar um velho Andorinha que ameaçava afundar-se. “Toda esta minha ligação mais profunda com os barcos vem desse momento. Pesquisei, estudei, pedi ajuda num estaleiro em Pardilhó e meti mãos à obra”, revela. O Andorinha, com origem no sul de França e considerado uma das embarcações históricas da vela desportiva portuguesa, não só foi salvo como deu início a uma nova fase na vida do arquiteto. O processo coincidiu com a Expo 98, que, na sua opinião, marcou o reencontro de Portugal com o mar e despertou uma nova consciência náutica. A partir daí, nunca mais parou.

Ao longo de mais de duas décadas, Hélder Ventura já restaurou perto de 30 embarcações de recreio em madeira – Andorinhas, Vougas, Vauriens, Snipes e até “um Dragão que participou nos Jogos Olímpicos de 1952, em Helsínquia”. Cada barco é tratado como uma peça de valor histórico e cultural - “Ao restaurar um barco antigo, interessa perceber de onde vem, quem o construiu, identificar as marcas, os traços de autor... É como estudar uma pintura do século XVI” –, mas o essencial é que voltem à água – “Não basta restaurá-los para ficarem novamente esquecidos em garagens. O ideal é que naveguem”. 

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Associação Cenário ao leme da preservação náutica

Foi desse gosto partilhado que nasceu, em 2004, a Cenário – Centro Náutico da Ria de Ovar –, um espaço onde a carpintaria naval é vivida e transmitida. Em 2012, Hélder Ventura voltou aos Estados Unidos, desta vez, ao Maine, para aprofundar conhecimentos numa escola especializada em carpintaria naval. Regressou impressionado com o prestígio que os portugueses gozam nesse universo. “Dizem que somos referência. Quando se sabe que somos portugueses, há um respeito imediato.”

Para si, a carpintaria naval não é apenas trabalho manual – exige leitura técnica, compreensão da estrutura dos barcos e sensibilidade náutica. Saber navegar ajuda a projetar e a restaurar com mais eficácia.

Com perto de 40 associados e um espólio de mais de uma dezena de embarcações, algumas com valor histórico reconhecido, atualmente, a Cenário tem as ambições bem definidas: preservar e restaurar embarcações de madeira, promover o conhecimento técnico e a história da carpintaria naval e fomentar a prática da vela como experiência cultural e desportiva. 

Hélder Ventura tem recebido várias embarcações de particulares, muitas vezes encontradas em garagens, quintais ou armazéns, que acabam por ser doadas à Cenário. “As pessoas percebem que aquilo que têm é valioso, que não pode simplesmente ir parar ao lixo. Algumas querem ver os netos a navegar no barco que foi do avô. Outras só querem que o barco continue a existir”. 

 

Restaurar, navegar, preservar

Para além da vertente prática de restauro e manutenção, a Cenário dinamiza workshops, promove iniciativas de sensibilização e colabora em investigações ligadas à história da náutica de recreio. Com a candidatura do barco moliceiro e da arte da carpintaria naval da região de Aveiro a Património Cultural Imaterial, tem havido uma certa reaproximação da população à Ria, mas continuam a faltar novos carpinteiros navais. “Já houve, pelo menos, duas formações em carpintaria naval, mas nenhuma teve continuidade. É preciso criar condições para que isto se torne uma atividade sustentável, um negócio, que permita a criação de postos de trabalho”. 

Entre os vários sonhos, está o de constituir oficialmente um núcleo museológico com espaço para expor as embarcações e contar as suas histórias, e uma escola de vela, que permita mantê-los vivos e a navegar. Tudo isto, claro, sem abdicar do estaleiro. “O estaleiro é o coração da associação. É onde o conhecimento é preservado, transmitido e posto em prática, mas a vida da Cenário far-se-á sempre desta trilogia: a prática da vela, o restauro de embarcações e a dimensão museológica”. 

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