Se a gastronomia portuguesa tivesse uma Seleção Nacional, Hélio Loureiro não só estaria entre os convocados, como até teria lugar cativo. Liderou restaurantes de topo, escreveu mais de 20 livros, é presença assídua na televisão, integra quase 50 confrarias gastronómicas, é consultor e foi responsável gastronómico pela Seleção Portuguesa de Futebol - lá está, a propensão a estar entre os melhores dos melhores. Nascido no Porto há 62 anos, há 40 anos fez-se também ilhavense - casou na Gafanha de Aquém e tem feito de Ílhavo a sua “terra do coração”. Monárquico por convicção “e não por tradição”, como faz questão de frisar, também não hesita na hora de erguer algumas bandeiras na gastronomia. A valorização dos produtores aparece à cabeça, em jeito de ingrediente especial.
“Ílhavo é uma terra especial e tem coisas de que eu gosto muito. Tem o Museu da Vista Alegre, que eu amo de paixão, e tem o Museu Marítimo, muito interessante na medida em que nós às vezes falamos muito de gastronomia, falamos muito de culinária e esquecemos uma coisa que é muito importante: os produtores, quem produz e quem vai à pesca ou quem caça. E o Museu Marítimo de Ílhavo diz muito por isso, pela história do bacalhau, e também pela história toda da ria que nos conta”, faz questão de vincar no início da conversa com a Aveiro Mag, com a ria e o arrastão Santo André como pano de fundo - veio ao Festival do Bacalhau para apresentar um showcooking.
Hélio Loureiro é a personificação do ditado popular “é de pequenino que se torce o pepino”. “Comecei muito pequeno a cozinhar em casa. A minha mãe trabalhava, nós tínhamos uma empregada que ia adiantando o jantar, mas eu gostava de terminar o jantar. A minha mãe contava que eu com 4 ou 5 anos já que fazia alguma coisa na cozinha. E depois tinha uma avó que cozinhava muito bem, como todas as avós, e tinha uma tia em Bragança com quem eu passava muito tempo que também cozinhava na perfeição e com quem aprendi imenso”, recorda, acrescentando a esta lista de “mãos prendadas” as do seu avô, que chegou a ser “chefe de cozinha da messe dos oficiais”. A gastronomia esteve sempre muito presente na sua casa e na sua vida. “Por isso, quando terminei o liceu quis ir para a Escola de Hotelaria e Turismo do Porto, para grande desgraça dos meus pais que acharam a ideia péssima”, testemunha.
Eram outros tempos, em nada semelhantes ao contexto de “chef de cozinha pop star”. “Há 42 anos ninguém desejava ter um filho cozinheiro. Quando terminei o liceu, o normal seria ir para um curso superior. Quando disse à minha mãe que ia para um curso de cozinha, ela não achou muita graça e nunca achou graça até morrer. Queria outro futuro para mim”, confessa, ao mesmo tempo que diz compreender. “Também sou pai e sou avô e é uma profissão de desgaste. Trabalha-se quando os outros estão a descansar ou quando os outros se estão a divertir. E é preciso gostar muito, é preciso ter uma grande paixão pela cozinha, ter uma grande paixão pela restauração, pela hotelaria, para conseguirmos ter prazer de facto quando os outros estão nas festas”, declara.
A esta condição já de si espinhosa, junta-se toda a pressão da corrida às estrelas Michelin à qual muitos restaurantes têm cedido. Não é o caso de Hélio Loureiro, não obstante ter trabalhado num restaurante com duas Estrelas Michelin. “Percebi que não era aquilo que eu queria. Não queria estar com uma pressão tão grande, toda a minha vida à procura das estrelas, deixar de ter estrelas”, revela, sem deixar de lamentar a direção que a sociedade está a seguir. “Nunca se falou tanto de culinária, nunca se falou tanto de gastronomia, nunca se comeu tão mal, nunca se comprou tanta comida fora, nunca se viram tantos programas de culinária, mas, no entanto, as pessoas cozinham cada vez menos e cada vez comem pior. E isso, a mim, deixa-me triste”, testemunha. “O trabalho todo que uma geração como a minha fez, que foi lutar para que a profissão fosse reconhecida, de repente, esbarra naquilo que é o show off, que é os popstars, e voltamos à desvalorização daquilo que também é importante, os produtores, os lavradores, os pescadores, aquelas pessoas cujo trabalho é essencial para nós termos produto”, sustenta.
Promover uma boa alimentação
Presença assídua no programa “Praça da Alegria”, da RTP, e autor de vários livros de cozinha (e não só), Hélio Loureiro refere que um dos seus objetivos ao “trabalhar na imagem de um chefe de cozinha, na imagem dos cozinheiros, foi tentar que as pessoas percebessem o papel importante que um cozinheiro tem na sociedade, quer para a valorização dos produtos locais, para a valorização dos produtos endógenos, quer para a promoção dos produtores e também para uma alimentação mais saudável, mais equilibrada. Sempre trabalhei com muitos nutricionistas, trabalhei inclusive com o pai da nutrição em Portugal, que foi o professor Emídio Peres, fundador da Faculdade de Nutrição do Porto”, nota, defendendo uma gastronomia assente em três pilares: biodiversidade, sazonalidade e proximidade. “Estamos muito preocupados com o planeta, e muito bem, mas compramos peixe que vem no outro lado do mundo e viaja mais do que nós havemos de viajar toda a vida. O impacto que isto tem”, alerta, juntando ao caso do peixe “o abacate que vem não sei de onde, mais o óleo de coco que agora está na moda, mais as sementes de Goji que também estiveram na moda”. No seu entender, é por aqui que passa o grande trabalho dos cozinheiros. “Não é reconhecimento mediático, o reconhecimento por um guia”, mas sim “mostrar que é possível cozinhar com pouco impacto na natureza e preservar a biodiversidade e a sazonalidade”.