Brincar e partilhar narrativas: vontades comuns
Enquanto formadora, Cláudia Stattmiller trabalha com pessoas dos 8 aos 93 anos e diz sentir-se privilegiada por poder fazê-lo. A principal diferença entre os mais pequenos e os mais velhos, conta, assenta, sobretudo, na velocidade. As crianças são habitadas por uma imensa avidez, deslumbramento e rapidez de ação, ao passo que envelhecer “é, numa primeira linha, perder velocidade”. As pessoas seniores, partilha, são menos dadas a regras e, naturalmente, mais conscientes daquilo que querem. É desafiante, “mas é um retorno gigante”, conta.
Há coisas, porém, que atravessam todas as idades, como “a curiosidade, a vontade de estar em palco, de brincar ao faz de conta, de ser o outro, de dançar, de liberdade de expressão, de poder contar histórias”. As pessoas, independentemente da idade, procuram espaços em que possam “falar e partilhar as suas narrativas pessoais”. Há, por isso, para Cláudia Stattmiller, um lugar onde o Teatro toca a Psicologia. “Com todo o respeito pelos profissionais na área”, esclarece. “Isto numa vertente de ouvir as pessoas, de comunicar, de estar com elas, de as motivar, de dar mais autoestima, de as fortalecer como pessoas, de lhes dar a possibilidade de serem criativas, de dar berço à imaginação”. Numa sociedade em que “não há lugar para brincar”, Cláudia nota que “as pessoas, em todas as idades, têm vontade de brincar. Todas. E, se lhes dermos espaço para isso, elas brincam. Acho que o teatro dá isso às pessoas”, partilha. E não só: ao permitir a experimentação permite que se tornem mais sensíveis. Crianças e jovens, que vivem cada vez mais no universo virtual, encontram no teatro uma forma de experimentar as coisas e, em última instância, o mundo. “Quando eu digo experimentar é experienciar. É mexer, é sujar as mãos com tinta, é tocar uns nos outros, olhar nos olhos, pegar em materiais, em pinceis e tintas, em barro, em terra... e sentir. E é esse sentir – táctico, auditivo, olfativo... – que desenvolve a sensibilidade”. O teatro é também isso para as crianças: um lugar em que lhes é dada a autonomia para criar, para inventar, para brincar.
“O teatro para mim sempre teve este lado: mais psicológico, mais pessoal, mais social”, conta. “O que está à frente do teatro, o que o teatro dá, é essa relação com as pessoas”.
A constância e o retorno
Para Cláudia Stattmiller, não é um exercício fácil destacar um ou outro projeto no qual se viu envolvida. Como atriz, gostou particularmente de fazer, na Efémero – Companhia de Teatro de Aveiro, a peça “Zoo de Cristal”, de Tennessee Williams. “Foi um papel importante porque era de uma intensidade tão grande”, conta, que, “enquanto atriz, morri de overdose”. O processo “foi tão forte e difícil e intenso” que soube depois que queria fazer outras coisas para lá de representar.
Enquanto encenadora, se há espetáculos que, do ponto de vista estético, considera terem ficado “muito bonitos”, há outros nos quais conseguiu encontrar maior prazer simplesmente por causa dos “grupos com que estava a trabalhar”. “O que marca, muitas vezes, os espetáculos são as pessoas”, reflete. Com dificuldade e muito carinho, destaca, com os jovens, “Talvez Amor” e “Breakfast Club”. Com os mais crescidos, “Os Vagabundos”.
Enquanto pensa em projetos, percorrendo vários baús no suspenso, faz uma paragem na pandemia, que veio desarrumar os seus planos e projetos, como os de tantos outros artistas. “Fiquei muito fragilizada do ponto de vista emocional”, conta, mas houve portas que se abriram e abraços que se deram que tornaram aqueles tempos particularmente “emotivos”. A START-Teatro encontrou uma porta aberta no Avenida Café-Concerto e alunos e pais fizeram-se mais próximos do que nunca, não desistindo. “Estou infinitamente grata pelo retorno que tive nessa altura”, conta a formadora. “Pelas pessoas maravilhosas que tive à minha volta”. E também aí os espetáculos, ainda que com restrições, se revelaram particularmente bonitos, partilha. Por exemplo, a peça “Sonho” (a partir de “Sonho de uma noite de Verão”, de William Shakespeare), apresentada no Avenida Café-Concerto, em que as personagens viraram peças de xadrez – ideia que nasceu da necessidade de desenhar “uma geometria no chão para os alunos não se chegarem muito uns aos outros”.
Profissionalmente, Cláudia Stattmiller sente a tranquilidade de ir fazendo aquilo que gosta. “É preciso ir atrás das coisas. Passa muito pelo querer e pela capacidade de ir ter com as pessoas, de chatear, de acreditar mesmo nas coisas e de andar para a frente”, descreve. É um caminho por vezes solitário. Gostava que fossem mais as sinergias e as colaborações de profissionais com a Start-Teatro, por exemplo, ou de “ter um grupo de pessoas – pares – com quem trocar ideias”, explica. Ainda assim, tem aquilo que necessita. Tem, na Start-Teatro, Rita Camões, que a acompanha há 12 anos, e amigos que a vão apoiando no universo criativo – e fora dele –, valorizando e reconhecendo as pessoas e as coisas que moram para lá dos palcos e das salas de formação, desde a família à culinária.
Hoje, em 2024, fala-nos de um projeto novo que há muito representava nela uma vontade. “Ainda é um espaço embrionário que resulta da parceria com a Pais em Rede”, conta, referindo-se às sessões que tem dinamizado com jovens com deficiência. “Há menos regras, menos condicionalismos, menos narrativas pré-estabelecidas”, reflete. “É um mergulho no abstrato”.
Sempre com vários projetos em mãos e continuando a trabalhar com pessoas de todas as idades, Cláudia Stattmiller partilha ainda duas estreias para este ano. A primeira é a peça “Fracassos da Corte”, que estreou a 15 de março, no Cine-Teatro de Estarreja, no âmbito das celebrações dos 600 anos da Diocese de Aveiro, e que aponta como sendo “um projeto de muita responsabilidade”, dado que, para além de ser uma peça em “em português de época”, é também uma peça sobre a Santa Joana Princesa. Já a 13 de abril, estreará, na Efémero, com os jovens, a apresentação de um texto de Ana Pessoa no âmbito do PANOS, festival de teatro juvenil organizado pelo Teatro Nacional D. Maria II.