Da adrenalina dos campos de basquetebol à azáfama das mais requintadas cozinhas, João Covas tem traçado um percurso de paixão, entrega e resiliência. Tal como no desporto, também na cozinha o sucesso depende da técnica individual, do trabalho em equipa e de uma execução impecável, onde cada detalhe conta e a pressão é apenas mais um ingrediente no caminho para a excelência.
Durante mais de dez anos, o basquetebol foi parte essencial da vida de João Covas – jogou no Illiabum Clube e chegou a competir na Liga Portuguesa de Basquetebol, a principal divisão da modalidade em Portugal. A disciplina dos treinos, a dinâmica coletiva e a intensidade dos jogos deixaram-lhe ensinamentos preciosos que hoje transporta para a cozinha. Afinal, um serviço bem-sucedido não é muito diferente de uma partida bem jogada: exige preparação meticulosa, comunicação eficaz e uma sintonia quase intuitiva entre os membros da equipa. A mise-en-place funciona como um aquecimento antes do apito inicial e, quando os primeiros pedidos começam a chegar, o jogo começa e a cozinha transforma-se no epicentro de toda a ação. O tempo é curto e as decisões têm de ser rápidas e certeiras. Como num jogo, em que o resultado pode virar em poucos segundos, um serviço pode ser decidido num instante de desconcentração. “O maior vício numa cozinha é a adrenalina e, no basquetebol, também era. Se, no campo, dava o litro, se era disciplinado e aguerrido, na cozinha, é igual”, compara o chef.
Aos 30 anos, o basquetebol pode ter ficado para trás, mas adrenalina, essa, encontrou novo palco. João Covas é chef executivo do Prosa, o restaurante do MS Collection Aveiro, o primeiro hotel cinco estrelas da cidade, que nasceu num palacete outrora habitado pela família de Eça de Queirós. No Prosa, lidera uma cozinha ainda em busca da sua identidade, mas que já se afirma pela valorização dos produtos da região e pela criatividade dos pratos que leva à mesa – “Um dos best-sellers da carta é a rabanada com enguia fumada e presunto pata-negra, um prato que enche a boca e a alma”, garante.
Enquanto chef executivo do hotel, trabalha sob a consultoria do chef Rui Paula – “Costumo dizer que sou a extensão do Rui Paula em Aveiro” –, mas nem por isso deixa de imprimir ao restaurante a sua visão e personalidade. A carta dá primazia ao peixe e marisco locais, sem fechar portas a outros produtos e influências. “Não podemos esquecer-nos que estamos num hotel e precisamos de garantir uma oferta variada”, observa.
“No basquetebol, era só mais um jogador. Na cozinha sinto que posso vir a crescer em talento e capacidade para me tornar num dos melhores”, acredita o jovem. “O meu desporto é ser cozinheiro”, reitera.
Sabores da memória: a herança alentejana
Apesar de ter crescido por terras de Vagos, as memórias gastronómicas de João Covas estão profundamente enraizadas na tradição alentejana que herdou do lado materno da família. A galinha de tomatada que a avó – alentejana de origem e cozinheira de profissão – preparava, com tomates coração-de-boi amadurecidos sem pressa sob o sol alentejano e aves criadas em casa é, provavelmente, a sua memória gastronómica mais antiga. Durante anos, tentou recriar aquela combinação ímpar, mas só recentemente conseguiu algo que se aproximasse do original.
Deste legado de sabores autênticos, marcado por pratos simples, mas inesquecíveis, outro prato que não pode ficar de fora é o “gaspacho da mãe”, numa versão mais próxima de uma aguadilha – leva pão alentejano (depois substituído pela pada de Vale de Ílhavo), azeite, vinagre, azeitonas, cebola e coentros –, que o refrescava nas tardes quentes de verão.
Há cerca de dez anos que João Covas não visita o Alentejo, mas nem por isso deixa de reconhecer a “riqueza cultural da região”, “a identidade da sua gastronomia”, onde ingredientes humildes, como o pão, se transformam em pratos de personalidade e sabor únicos, e a forte influência que estas tiveram (e continuam a ter) no seu ofício.