AGORA EM PALAVRAS
Nuno Brízida
Questiono-me se Leonardo, se hoje reencarnado, construiria Vitrúvio nos mesmos moldes e proporções. As simetrias, agora em formato grid, transmitiriam a mesma harmonia? Continuaria o homem vitruviano o arquétipo da perfeição anatómica ou mais um rabisco no pinterest das coisas?
A linha que limita tão meticulosamente o que é do que não é perfeição é tão maleável que nunca é a mesma. A sua definição varia com um click, cada nova story encenada traz ao de cima um novo conceito, que se desfaz ao aproximar da próxima. A perfeição, hoje, mede-se às calorias do pequeno-almoço; mede-se a mentiras cor pastel; mede-se a régua e esquadro nos vales abdominais. O resto, imperfeito, incompleto, banal, insosso.
As redes (sociais) mais se assemelham a teias, armadilhas, que nos embaraçam. Ao sair da teia, os novos Vitrúvios constroem outras. A mosca agora vira a aranha e o armadilhado cria a armadilha. Mais um convertido. Mais um que finge ser Vitrúvio, mais um que finge ser perfeito.
Que transferidor é necessário para se medir o grau a que se chegou? Crianças a ângulos retos para se parecerem mais espertos, adolescentes torcidos a cento e oitenta, sem sequer perceberem que mesmo assim não chega. A que grau precisamos chegar para perceber onde estamos a falhar? Vivemos a fast food do hedonismo, onde tudo é tão perfeito como efémero. Onde tudo é sentido, esquecido e, num segundo, apagado. Onde o momento é aproveitado para apenas ser partilhado. O prazer confunde-se, perde a definição.
Pior ainda, penso, é quando o digital com o real se mistura e a retina começa a censurar o que não chega aos padrões requeridos. Amores que se desfazem tão rápido como se criaram e amizades que se perdem nos entrefolhos das direct messages. A impaciência para com a imperfeição torna-nos insatisfeitos, buscando algo que não existe. Procuramos a perfeição nos outros para não assumirmos as nossas falhas?
Procuramos a perfeição nos outros com esperança de atingir a nossa? Vivemos numa época vitruviana.