João Pinho
No início, todos grunhimos. Grunhimos, fazemos sons, caretas, gestos, alguns diferentes, outros parecidos. Isto faz com que nos entendamos um pouco melhor. Não, a sério. Eventualmente, criámos a Internet e tudo mudou, mas não muito. De repente tornou-se mais fácil encontrar com quem concordar e quem odiar. Conseguimosestabelecer pelo menos alguns protocolos e regras comuns, e não foram poucos! Sei que existem uns bons milhares, mas de regras só decorei trinta e quatro. Havia quem as cumprisse integralmente e quem as conseguisse evitar. O melhor e pior disto tudo é que pouco havia quem as fiscalizasse, e por breves momentos fizemos a festa à nossa maneira.
A única semelhança da nossa Internet com essa primeira Internet é o nome. Antes navegávamos em mar aberto, hoje naufragamos nos Grande Cinco. Antes nem revelávamos o nome, hoje damos a identidade completa a estranhos sem rosto. Antes éramos um ativo, hoje somos uma comodidade. Desde que começámos a aderir em massa e a partilhar possivelmente demasiados detalhes com o mundo, tornámo-nos um buffet de informação. Não só os sites que visitamos, como até o nosso próprio sistema operativo se empanturram com os detalhes mais íntimos que lhes servimos de bandeja.
“Mas João”, oiço-vos dizer, “eu não tenho nada a esconder!”. Quem diz isto, para mim, das duas três: ou nunca viveu numa ditadura, ou não sabe quantas existiram só no último século, ou não sabe quantas perduram até aos dias de hoje. Se não têm realmente nada a esconder, por quem sois, desbloqueiem o vosso telemóvel e o vosso portátil e emprestem-mo por umas horas. Talvez também a chave de casa. Prometo que não roubo nada, mas não prometo não revistar tudo. Deixem a porta aberta quando vão fazer o cocó. Não fechem as cortinas e persianas enquanto praticam o amor. Eu sei que o praticam de forma estranha, que eu já vi.
Por este cantinho do globo, temos um ou outro direito consagrado. O mais relevante para este tema? “Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”. Ainda está para vir a primeira parte, mas pelo menos a última acho que é de valor.
Estes direitos não são, infelizmente, universais. Foram conquistados a ferro e sangue pelos vossos familiares, e, se não lhes fizermos a manutenção, eles vão-se-nos escapar outra vez. Não deixem morrer as internetzinhas.
Espaço da associação Agora Aveiro