É natural da Gafanha da Encarnação, em Ílhavo, mas está intimamente ligado a São Jacinto, essa terra que “vive desde sempre mantida ao largo por ria e mata”. Culpa do avô que fez a formação em carpintaria na então base aérea, hoje regimento de infantaria. Estudante de doutoramento em Física na Universidade de Aveiro, João Pedro Cardoso é também, há muito, um apaixonado pela fotografia. Foi com essa arte que centrou atenções em São Jacinto, num trabalho que está agora em exposição em Lisboa, no espaço Narrativa. Mais do que um conjunto de imagens fotográficas, “A ilha da morte lenta” é uma espécie de grito de alerta para o estado de abandono a que São Jacinto está votada.
Aos 30 anos, e prestes a concluir o doutoramento, João Pedro Cardoso ainda não sabe se o seu futuro profissional passará pela academia ou pela indústria. Aguarda por ver que oportunidades surgem, depois de concluir a sua tese. Preferia ficar a desenvolver investigação na área da academia, “a explorar e a descobrir coisas novas”, mas, por ora, ainda está tudo aberto.
A fotografia aparece como um passatempo. “Já faço fotografia há algum tempo. Colaborava, inclusive, com o GrETUA, aqui na universidade, a fazer fotografias de espetáculos e concertos”, conta. Mais recentemente, decidiu explorar um pouco mais essa arte que tanto lhe agrada. “Durante a pandemia fiz uma formação com o José Sarmento Matos, promovida pelo GrETUA, e depois fui fazer esta formação com o Mário Cruz, na Narrativa”, acrescenta.
Foi, precisamente, por causa desta última formação que João Pedro Cardoso assentou arraiais naquela freguesia do município de Aveiro. Comprou o passe mensal de transportes e, durante meses, andou a viajar com regularidade para São Jacinto, fotografando a “terra da Nossa Senhora das Areias”, localidade que “ficou estagnada, e as suas pessoas são as mesmas de sempre”, conforme é descrito na folha de sala da exposição patente em Lisboa (até 4 de junho).
Um grito de alerta
O que João Pedro Cardoso encontrou e retratou foi um “deserto de dia, e cada vez mais despovoado, rico em ruínas de um passado d’ouro, um lugar que vive menos findo o Verão”. Resquícios do que foi um “forte de construção naval” e que ainda é “casa de uma histórica base aérea”. Um território que “não chega a ser sequer de passagem, pois vive no fim de um braço de terra que pouco mais tem que o mesmo caminho de volta”, é ainda descrito na folha de sala.
Palavras e imagens que descrevem o que João Pedro Cardoso foi ouvindo nas muitas horas que por lá passou. A própria expressão usada como título do trabalho, “a ilha da morte lenta”, foi retirada das bocas do povo. Daquele que ainda habita São Jacinto. “As pessoas sentem essa estagnação, esse declínio, o contraste entre aquilo que foram os anos de ouro e o que é atualmente”, testemunha, em conversa com a Aveiro Mag. O seu trabalho, assim o espera, pretende ser um “grito de alerta”, uma espécie demaydaydessa “ilha” rodeada por mar e ria, instalada no fim de uma península.
Depois desta apresentação em Lisboa, João Pedro Cardoso gostava de apresentar esta exposição em Aveiro. Mais do que isso. Está a preparar um livro que ajude a contar a história e o presente de São Jacinto – procura, ainda, apoios para a exposição e para o livro.
* Créditos da foto de capa: Paulo Cunha