Fomos atraídos por um biscoito que anda a adoçar a boca dos habitantes da região - umas bolachas irresistíveis, em forma de bacalhau – e acabámos por encontrar uma quinta onde tudo parece florescer, em especial o bem-estar das pessoas com deficiência e incapacidade que ali trabalham. Assim é no Centro de Reabilitação Profissional do CASCI, localizado na Colónia, em Ílhavo, e que inclui também uma quinta pedagógica, aberta ao público para visitas e atividades. Um espaço que inclui cinco unidades produtivas – agropecuária, carpintaria e serração, serviços gerais (costura, engomadoria, etc.), olaria e doçaria – que estão sempre a postos para prestar serviços às instituições e particulares da região. Na prática, são uma espécie de empresas a funcionar dentro de uma instituição.
Helena Santos, responsável pelo departamento de reabilitação do CASCI, abre-nos as portas das instalações e guia-nos ao longo da quinta onde funciona o centro de emprego protegido, financiado pelo IEFP – Instituto do Emprego e Formação Profissional. “O centro de emprego protegido foi uma medida criada pelo Governo nos anos de 1980 para a integração de pessoas com deficiência. Na altura, estas pessoas não eram tão incluídas, ainda havia muito preconceito com a deficiência”, introduz. “Com a evolução das mentalidades e da legislação, chegámos a um momento em que se trabalha mais a inclusão em mercado aberto de emprego. As políticas de apoio ao emprego das pessoas com deficiência dividem-se em duas áreas: emprego apoiado, no mercado normal, e emprego protegido, em estruturas como a nossa, onde estão todos juntos e são a maioria da mão-de-obra”, prossegue.
Na instituição ilhavense, que hoje dá a trabalho a 41 pessoas ao abrigo do emprego protegido, tudo começou, em 1989, com a unidade agrícola. “Afinal, estamos na antiga colónia agrícola da Gafanha e este espaço era uma quinta. Daqui saem produtos hortícolas frescos, essencialmente, para consumo interno. Todos os dias, o CASCI serve cerca de 900 refeições aos utentes dos seus lares, creches e centros de acolhimento”, enquadra. “No ano seguinte, criámos a [unidade produtiva de] carpintaria e serração e, mais ou menos dois anos depois, foram os serviços gerais, aquela área abrangente que dá para quase tudo – na altura, os serviços gerais contemplavam a lavandaria, engomadoria e costura. Entretanto, acrescentámos as limpezas.
Durante muitos anos, foram estas as três unidades produtivas de emprego protegido do CASCI. Contudo, e como em qualquer empresa, foi preciso assegurar a sustentabilidade financeira do projeto. “A verdade é que nós somos financiados pelo IEFP de duas maneiras: uma verba anual para a manutenção e outra pela comparticipação nos salários. O IEFP não comparticipa com base no salário mínimo, mas sim com base no IAS – Indexante dos Apoios Sociais –, daí a nossa grande dificuldade de sustentabilidade. A diferença entre o IAS e o salário mínimo aumento muito nos últimos anos”, explica Helena Santos. A instituição de solidariedade social decidiu, então, apostar em duas novas unidades produtivas: a olaria e a doçaria. “Em 2015, tivemos finalmente a autorização para iniciar estas unidades produtivas, que se tornaram as nossas duas melhores áreas, sem dúvida. São aquelas que permitem algum equilíbrio”, nota.
Da olaria saem grande parte das peças de barro alusivas aos palheiros típicos da Costa Nova, entre outros artigos decorativos, que vão sendo vendidas em vários estabelecimentos da região. “A olaria trabalha maioritariamente para o setor turístico. Se tivéssemos mais capacidade produtiva, teríamos mais clientes. Procura não falta. Mas trata-se de um trabalho minucioso e não é fácil termos pessoas com deficiência com a motricidade fina suficientemente desenvolvida para assumirem essas funções. Principalmente, para a pintura”, repara Helena Santos.
Também a doçaria tem bastante sucesso – lá está, as tais bolachas que nos atraíram à quinta do CASCI. “Produzimos raivas, alemães, biscoitos em forma de bacalhau (doces ou “ao sal”) e outros bolinhos de formas variadas. Os nossos best-sellers são os [biscoitos em forma de] bacalhaus”, destaca, antes de nos confessar que este artigo nasceu “de um acidente”. “Estávamos a tentar fazer uma estrela cadente, no Natal, e saiu um bacalhau”, confessa, a propósito do nascimento daquele que é hoje o artigo mais vendido da unidade – pode encontrá-lo em várias pastelarias e lojas da região ou na própria quinta do CASCI. “As pessoas gostam destes bolos. É uma produção artesanal, não colocamos aditivos. É como se fosse em nossa casa. Isso confere-lhe alguma diferença no sabor e as pessoas gostam”, assevera. A este cariz artesanal acresce um outro não menos importante: a relevância que a sua produção tem para os doceiros que os produzem. “Da última vez que recolhemos testemunhos dos nossos trabalhadores, houve um que nos disse que a melhor coisa que lhe tinha acontecido tinha sido vir trabalhar para aqui porque as pessoas da terra dele o passaram a olhar de outra forma. Ter um trabalho que garanta um salário é a maior ferramenta para a inclusão social. Traz-lhes independência e, aos olhos da comunidade, consideração”, vinca a responsável pelo departamento de reabilitação do CASCI.
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