“Há situações que procuramos, outras que nos encontram. A minha anoneira encontrou-me nesta história e permaneceu até ao seu título”. Foi também, por um acaso, que Inês F. Oliveira surgiu nas minhas redes sociais. O lançamento de um livro infantil é algo que sempre me desperta a atenção, possivelmente porque tenho o hábito, diário, de ler, à noite, para dois dos meus filhos. O título “Calvin And The Sugar Apples” também foi uma fonte de curiosidade. Estará apenas em inglês, porque sim, ou é escrito mesmo em inglês? Esta curiosidade foi, felizmente, saciada pela simplicidade da Inês, que, surpreendida e surpreendente na resposta, abriu à porta à Aveiro Mag e contou a sua história. E que história tão bonita quanto peculiar!
De um emprego garantido à escrita
“Hoje quero ser feliz. Quero que os meus filhos escolham aquilo que os deixar felizes, mesmo que pareça difícil. O percurso pode ser lento, mas se for para acontecer, lá chegaremos”. Esta podia ser a moral da história. Mas não é, porque cada história pode ter mais do que uma moral e, sobretudo, pode ser feita de pequenas “estórias” e conquistas diárias.
Inês queria, quando fosse grande, um emprego garantido. Tão só. Um pouco à imagem de todas as pessoas, que escolhem um caminho que, à partida, garanta, a cada mês, o sustento da casa. “Sempre disse que quando fosse grande queria ser algo que me desse emprego. Era muito importante para mim jogar pelo seguro. Hoje já não penso sempre assim. O contexto também mudou e a internet e o trabalho remoto permitem sonhar com o que não esteve sempre ao alcance. Segui uma Engenharia que me trouxesse a segurança de arranjar trabalho, o que aconteceu na realidade. Nunca fui infeliz, porque sempre gostei muito de aprender sobre tudo e sempre me apaixonou o raciocínio matemático (ainda hoje). Aprendi muito e conquistei muito”.
Foi a primeira mulher a licenciar-se em Engenharia de Computadores e Telemática, na Universidade de Aveiro. Fez mestrado na Carnegie Mellon University em Pittsburgh, nos EUA, em parceria com a UA. “O Master of Science in Information Networking, pelo Information Networking Institute, foi uma experiência que me marcou profundamente, não apenas pelo ritmo de trabalho, mas pela abertura de perspetivas, na medida em que tive a oportunidade de frequentar disciplinas variadas enquanto estive em Pittsburgh”.
Depois de algumas experiências de trabalho, na área, entre engenharia de software, na liderança de projetos em gestão de inovação, na passagem pela User Experience (UX) surgiu a oportunidade de, nesta última, aliar a escrita, uma das paixões que foi sempre crescendo com o tempo: “Esta é uma área de excelência para a criação de pontes entre as necessidades dos utilizadores e as equipas de produto. Tínhamos os designers, mas faltavam-nos os escritores: os chamados UX writers. Queríamos dar uma voz aos nossos produtos e baseámo-nos na nossa sensibilidade e experiência. Foi então que decidi mergulhar na escrita com uma perspetiva profissional. Esta aposta tranquilizou-me de duas formas: adquiri conhecimento numa matéria importante para o trabalho que desenvolvíamos como equipa e adquiri também novas competências, permitindo qualificar o meu perfil de uma forma distinta”.
A claque silenciosa
O conhecimento tecnológico e a escrita fez com que se juntassem dois mundos que lhe permitiram construir um mundo a partir de casa. As competências como copywriter e UX writer foram a rampa de lançamento para a seguinte empreitada: a escrita criativa. “Neste momento estou a direcionar a minha carreira para a escrita criativa, procurando desenvolver o meu trabalho como autora. Cada passo que dou é uma aprendizagem, demoro tempo, experimento e tenho imensas dúvidas. Tenho aprendido sobre mim e sobre o ramo, e sobretudo tenho aprendido sobre o tempo e como as minhas expectativas nem sempre representam o maior benefício. Saber esperar é um dom, e ainda estou a aprender”.
E essa mudança foi bem vista e aceite em casa? Inês diz que sim. Mais, assume que foram os familiares diretos os principais suportes da mudança de vida: “Mudar é assustador e não foi diferente comigo. Quando consegui vir à superfície do susto e respirar novos ares, pude usufruir dos benefícios da mudança. Não que seja tudo positivo, mas foi uma aposta muito pessoal e todas as vitórias são celebradas com um sabor especial. O meu marido foi o elemento impulsionador da minha decisão. Ponderámos muito antes de avançar, mas deu-me força e segurança para arriscar. Tive sempre o estímulo dos meus pais para procurar o que fosse melhor para mim. Mostraram-se disponíveis a lançar uma “rede de salvamento” para o caso de precisar. Tudo se torna mais fácil quando temos uma claque silenciosa por trás”.
Os livros infantis
“A escrita deu-me competências para me lançar como freelancer e arriscar na literatura infantil, um sonho antigo que cresceu com a experiência da educação dos meus filhos. O motivo de escrever para o público infantil foi ter redescoberto esse mundo maravilhoso de livros para os mais novos. Ao procurar para os meus filhos, descobri uma literatura que me apaixonou”.
E porquê em inglês? Com lançamento nos Estados Unidos da América? “Eu já estava a escrever em inglês como copywriter e UX writer. A maioria dos meus trabalhos, para dentro ou para fora de Portugal, são desenvolvidos em inglês. Terminei uma formação nos EUA em escrita criativa com um cheirinho do que poderia ser um livro e deixei-o crescer e criar asas. O caminho fez-se naturalmente em inglês, mas espero ler o meu livro em português um dia”.
A sinopse, na primeira pessoa
“Calvin And The Sugar Apples conta a história de Amelia, uma menina de dez anos, e de Calvin, a sua chinchila com 21 anos. Calvin sempre foi a companhia de Amelia e com quem desabafava todos os seus problemas, mas agora ele desapareceu da sua gaiola. Os pais de Amelia dizem que ele está ‘num lugar melhor’. Tudo parece errado sem o Calvin. Com quem é que Amelia falará das desilusões na escola? E com quem é que ela fala sobre as saudades que tem da sua chinchila? Quando a Amelia se sente completamente sozinha, uma nova amiga chega à escola. É com a ajuda de Iris que Amelia aprende que expressar-se pode acontecer de várias formas, mas que tudo começa por falar sobre o que se sente”.
Calvin And The Sugar Apples vai ser lançado a 29 de agosto e, neste momento, está esgotado para pré-venda na Amazon espanhola. “Acredito que seja um bom presságio”, diz Inês, que espera que quem o leia “sinta coisas diferentes”, sobretudo os mais “pequenos”, ainda que possa ser lido “por pessoas de todas as idades”.
O Calvin e as angústias das crianças
Se para as “Sugar Apples” já temos a justificação, quem será o Calvin? Ou foi uma personagem escolhida com um nome aleatório? Também aqui a opção foi as “memórias” ou, até, uma homenagem. “A história do Calvin e da Amelia inspirou-se na nossa chinchila, o Calvin, que nos deixou após 21 anos de convivência. O Calvin fazia parte da família e custou-nos vê-lo partir. Os meus filhos sentiram a sua falta, mas não a manifestaram logo. Foram precisas algumas semanas para as lágrimas caírem mais soltas e as vozes verbalizarem a dor. Fui-me apercebendo da dificuldade dos meus filhos em exteriorizar o que sentiam, sobretudo com o crescimento. Não é uma questão de verbalização, mas de validação. Muitas vezes as crianças não querem partilhar o seu dia, alguma ocorrência, mas é desta partilha que surge uma conversa e o apoio necessário. Na nossa casa não é diferente, apesar de procuramos sempre estimular a partilha. Com Calvin And The Sugar Apples espero desencadear nas crianças a vontade de conversar sobre o que sentem, por mais estranho que lhes pareça. Tudo começa assim”.
O lançamento do livro e o futuro
“Escrever um livro sempre foi algo que considerei inatingível, como um desejo impossível. O bichinho existiu sempre”. Agora que estamos perto do lançamento oficial, o sentimento é o normal, seja ele as ditas borboletas na barriga, o frio na espinha, ou o nervoso miudinho: “Sinto-me expectante e muito feliz, mas com os pés bem assentes na terra. Quero que corra tudo bem com o meu primeiro livro, como desejamos que o nosso primeiro filho floresça sem dificuldades. Sei que não será essa a realidade, afinal temos de conjugar felicidade com dificuldade (já o ensina Calvin and the Sugar Apples). Por isso mantenho-me humilde”.
Ainda que as primeiras impressões de quem já leu o livro sejam boas, Inês F. Oliveira assume que ainda não sabe o que o futuro lhe reserva: “Não é fácil fazer planos sem saber como será a aceitação deste livro, mas desejo dedicar-me exclusivamente à escrita criativa, para já à escrita infantil”. No entanto, a editora Collective Book Studio, que é parte interessada no assunto, já deu a primeira – e muito importante – indicação, ao querer transformar este Calvin and the Sugar Apples numa série: “É uma possibilidade que me deixa muito feliz e para a qual estou já a arregaçar as mangas e a pôr mãos à obra!”