AveiroMag AveiroMag

Magazine online generalista e de âmbito regional. A Aveiro Mag aposta em conteúdos relacionados com factos e figuras de Aveiro. Feita por, e para, aveirenses, esta é uma revista que está sempre atenta ao pulsar da região!

Aveiro Mag®

Faça parte deste projeto e anuncie aqui!

Pretendemos associar-nos a marcas que se revejam na nossa ambição e pretendam ser melhores, assim como nós. Anuncie connosco.

Como anunciar
Aveiro Mag®

Faça parte deste projeto e anuncie aqui!

Pretendemos associar-nos a marcas que se revejam na nossa ambição e pretendam ser melhores, assim como nós. Anuncie connosco.

Como anunciar

Aveiro Mag®

Avenida Dr. Lourenço Peixinho, n.º 49, 1.º Direito, Fracção J.

3800-164 Aveiro

geral@aveiromag.pt
Aveiromag

Gisela Ferreira: “A arte escolhe-nos, não somos nós que escolhemos a arte”

Artes Ler mais tarde

Teatro Aveirense/CM Aveiro

Gisela Ferreira devia ter por volta de 12 anos quando, numa atuação escolar, em Águeda, subiu pela primeira vez a um palco para dançar. A consciência de que muitas das colegas mais novas já acumulavam anos de prática deixara-a nervosa, mas naquele instante descobriu uma certeza que não mais a abandonaria: “Quando tocamos um instrumento, o que interessa é a música, não somos nós. Mas quando subimos a um palco para dançar, nós próprios somos a arte. Foi aí que percebi que nunca mais queria sair desse lugar”. No dia 11 de setembro, Gisela Ferreira regressa à região que a viu crescer para estrear a sua mais recente criação – “nome de solteira” –, no Teatro Aveirense. 

Natural de Valongo do Vouga, no concelho de Águeda, Gisela Ferreira cresceu longe dos grandes centros artísticos. O interesse pela dança nasceu no jardim de infância, quando uma professora entrou na sala para dar uma aula extracurricular de ballet. “Fiquei completamente fascinada. Nunca mais deixei de pensar naquilo”, recorda, em entrevista à Aveiro Mag. O entusiasmo foi imediato, mas as oportunidades escasseavam. Demorou alguns anos até conseguir convencer a família a deixá-la iniciar os estudos de dança. Aos 12, começou ballet clássico, em Águeda, com Cristina Flores – a mesma professora que um dia entrara na sua sala de aula para uma experiência ocasional.

O percurso artístico de Gisela Ferreira constrói-se como um mapa de cidades: em Águeda encontrou a base sólida do ballet clássico; em Aveiro, o LP Studio e a professora Lara Pereira, abriram-lhe a porta da dança contemporânea e aproximaram-na de um ambiente cultural mais efervescente – os espetáculos a que assistia no Teatro Aveirense, comentados e debatidos em grupo, abriram-lhe horizontes, despertando uma consciência artística que ia além da técnica –; mais tarde, em Lisboa, na Escola Superior de Dança, deu-se o maior choque: a azáfama de uma capital europeia, a exigência de uma escola profissionalizante e a convivência com quem, como ela, queria ser bailarino. Lisboa foi também o lugar da afirmação pessoal, da construção de uma identidade artística própria; finalmente, o Porto trouxe-lhe uma nova etapa, através do programa FAICC – Formação Avançada em Interpretação e Criação Coreográfica – do Centro Coreográfico “Instável”.  Num espaço de laboratório experimental, Gisela encontrou o impulso que lhe faltava e a liberdade para criar sem medo do erro. “Percebi que há milhentas formas de ser artista. Cada formador tinha propostas diferentes e todas eram válidas. Foi libertador”, sublinha.

Essa libertação foi essencial para fazer a transição do clássico para o contemporâneo. “O ballet clássico ainda tem padrões muito rígidos e exigentes: aquilo ou está bem ou está mal. A dança contemporânea trouxe-me outra liberdade de movimentos, sem medo do erro. É como a música clássica e a música jazz: abre horizontes, dá espaço à improvisação. Só percebi a falta que sentia dessa liberdade depois de começar a tê-la”, explica.

Albergaria Publicidade

Foi também em 2020, em plena pandemia, que começou a criar os seus primeiros trabalhos. O confinamento obrigou a recuar, mas também abriu portas à experimentação. De um exercício criativo no FAICC nasceu a vontade de desenvolver um solo, apoiado pelo AgitLAB, em Águeda. A experiência foi solitária, sem os apoios ou colaborações que, mais tarde, conheceria, mas deixou-lhe “uma sementinha de criadora” que germinou em pelas subsequentes, numa cadência de quase uma por ano. Entre essas primeiras experiências destacou-se o vídeo “como uma mulher”, onde já abordava o tema do trabalho doméstico invisível. Esse pequeno exercício, nascido no isolamento da pandemia, viria a ser o embrião do espetáculo que agora estreia em Aveiro.

Neste “nome de solteira”, que apresentará, em primeira mão, no Teatro Aveirense, Gisela parte de uma memória íntima – uma conversa longa com a mãe sobre o trabalho doméstico e a forma como, geração após geração, as mulheres lidaram com a carga invisível de tarefas não remuneradas. “Acho que foi essa conversa que norteou toda a peça e que ainda hoje norteia”, afirma, admitindo que a presença da mãe na estreia dará à obra uma ressonância ainda mais íntima. 

O resultado, porém, ultrapassa a esfera pessoal e transforma-se num retrato social e histórico, onde a música de Mozart e a voz de Amália surgem como metáforas contrastantes: entre a leveza aparente e o peso das expectativas, entre a ironia e a herança cultural da identidade feminina criada no Estado Novo. A música funciona como comentário irónico e contraste dramatúrgico, abrindo leituras múltiplas sobre o papel da mulher ao longo do tempo.

“Para mim, apresentar este trabalho na região onde cresci, a poucos quilómetros da minha terra-natal, é mesmo muito emocionante”, confessa, recordando as viagens de comboio para Aveiro, os espetáculos que assistia no Teatro Aveirense como estudante e as primeiras descobertas artísticas que moldaram a sua visão do mundo. Agora, será ela a ocupar aquele palco, não como espectadora, mas como criadora.

Quanto ao futuro, Gisela Ferreira não tem dúvidas: “no contexto político em que estamos, o mais importante é continuar a sonhar com isto, a acreditar que é possível viver da arte”. Se possível, gostaria de dirigir peças para outros intérpretes. Até agora, todas as suas criações a incluíram em palco, acumulando funções de bailarina e coreógrafa. Mas a vontade de dirigir à distância cresce. Sem pressa de definir a próxima peça, reconhece, ainda assim, que a arte é um destino incontornável: “A arte escolhe-nos, não somos nós que escolhemos a arte”. 

No dia 11, quando as luzes se acenderem, no Teatro Aveirense, para, através da dança, Gisela Ferreira partilhar com o público uma reflexão íntima e coletiva sobre o que significa ser mulher, filha e artista em Portugal, Águeda e Aveiro estarão de novo presentes – não como lugares de partida, mas como raízes vivas de um percurso artístico em plena afirmação.

 

Apelo a contribuição dos leitores

O artigo que está a ler resulta de um trabalho desenvolvido pela redação da Aveiro Mag.

Se puder, contribua para esta aposta no jornalismo regional (a Aveiro Mag mantém os seus conteúdos abertos a todos os leitores). A partir de 1 euro pode fazer toda a diferença.

IBAN: PT50 0033 0000 4555 2395 4290 5

MB Way: 913 851 503

Deixa um comentário

O teu endereço de e-mail não será publicado. Todos os campos são de preenchimento obrigatório.