Num período de distanciamento social necessário, nada melhor que optar por atividades ao ar livre longe dos centros urbanos e das praias mais concorridas. Uma forma de aproveitar o verão em segurança e desfrutar do melhor que a região de Aveiro tem para oferecer.
Desta vez, propomos-lhe um roteiro que o vai levar a experimentar o sossego de lagoas escondidas, conhecer o casario gandarês e refrescar-se em fontanários que contam histórias de outros tempos. O Trilho da Lontra é um percurso pedestre circular com cerca de 8,3 quilómetros de extensão na União de Freguesias de Fonte de Angeão e Covão do Lobo, concelho de Vagos.
Este trilho resultou de um projeto para uma rota turística e de interpretação do património ambiental e cultural da região da gândara, apresentado no âmbito do Orçamento Participativo de 2017, no município de Vagos. A ideia de criar este trajeto acabou por ser uma das mais votadas pela população, o que levou à sua concretização pela autarquia ainda naquele ano.
Para esta caminhada, propomos que junto à igreja matriz de Covão do Lobo. No adro, tenha em atenção a imagem em pedra de São Salvador, padroeiro daquela comunidade, que, reza a lenda, terá acudido a um frade que lhe rogou auxílio quando um lobo, que o havia perseguido, o tinha encurralado no cimo de uma árvore. As preces do frade terão dado resultado já que, ao amanhecer do dia seguinte, um caçador das redondezas e os seus cães terão aparecido e afugentado o lobo que se escapou por um covão. Daí o nome da localidade.
Voltando ao percurso, avance para norte, pela rua da Igreja. Pelo caminho, e antes de virar à esquerda no cruzeiro, vai encontrar vários exemplares de construção gandaresa. As tradicionais casas gandaresas são habitações térreas, construídas em adobe, com telhados de quatro águas, janelas emolduradas em cantaria e um portão alto e largo, por onde passavam as carroças de bois. Eram casas perfeitamente adequadas para a vida rural, tanto que, nas traseiras, era comum haver um celeiro, uma adega e currais. Hoje em dia, os exemplares bem conservados são como peças de um museu, na medida em que permitem conhecer melhor a vida daquela população desde tempos remotos.
Passado o cruzeiro, quando já se vislumbra a Fonte do Rei, requalificada em 2009, e que se distingue pela silhueta em pedra a fazer lembrar o torreão de um castelo, o trilho abandona a estrada e encaminha-se por uma vereda entre campos agrícolas e uma pequena levada rica em caniço. É importante destacar que o Trilho da Lontra encontra-se em bom estado de preservação e conserva toda a sinalética legível e coerente.
Mais à frente, integradas numa mata onde, habitualmente, predomina o pinheiro e o eucalipto, as lagoas do Moitão e da Jincosa aparecem como pequenos oásis de vegetação exuberante e grande biodiversidade. Estas lagoas são locais propícios à observação de várias espécies de aves como os chapins, os melros ou os guarda-rios. Aves de rapina como o bútio comum e o milhafre-preto também são presença assídua.
Mas mesmo que não seja adepto de birdwatching, não vai arrepender-se de fazer este trilho. Na Lagoa do Moitão, pode aproveitar a tranquilidade da natureza envolvente para fazer uma pausa: divirta-se nas amplas áreas de lazer ou, se for caso disso, aproveite para relaxar à sombra, apreciando aquele cenário verde salpicado pelo vermelho das bagas do pilriteiro e o amarelo dos lírios e embalado pelo canto irrequieto das aves.
É também junto à Lagoa do Moitão que, se a sorte e a perspicácia se aliarem a seu favor, poderá encontrar alguns vestígios alusivos à atividade do grande protagonista deste percurso – a lontra. Quem sabe não consegue mesmo observar um exemplar desta espécie. Note, no entanto, que a lontra é um animal considerado vulnerável em toda a Europa e que, também por isso, é fundamental contribuir para a preservação do seu habitat.
Seguindo o trilho, um pouco mais à frente, surge, à direita, a Lagoa da Jincosa, mais pequena e emoldurada por fetos, hortelã-de-água e pelo bunho, um pequeno arbusto cujos caules eram utilizados para a construção de esteiras em teares rudimentares. Junto a esta lagoa funciona uma pequena exploração de mel com várias colmeias.
A partir da Lagoa da Jincosa, o trilho percorre o seu maior troço em caminho florestal. A grande vantagem é que, quando chegar ao Carvalhal, mais concretamente, à Fonte dos Amores, poderá aproveitar a água potável para matar a sede e, já agora, reabastecer o cantil.
Fonte de Angeão é terra de fontes e, como não podia deixar de ser, esta rota tem passagem obrigatória por alguns dos mais emblemáticos fontanários da freguesia. Por exemplo, se optar por sair do trilho e fazer um pequeno desvio para norte, encontrará, a dois passos do campo de futebol do CRAC - Centro Recreativo e Ação Cultural de Parada de Cima -, a Fonte da Moura, nascente associada a uma lenda medieval que remonta ao tempo da ocupação árabe da península ibérica. Estas fontes são, por norma, embelezadas por painéis em azulejo com representações dos mitos e histórias por trás das suas designações. É o caso da Fonte dos Amores, que mostra um casal enamorado, e da Fonte da Moura, onde surge uma bela rapariga com um cântaro.
Mais a sul, na Fonte do Ansião, também conhecida como Fonte da Margarida, o cenário é diferente: esta fonte destaca-se pela sua dimensão, pelo telheiro que a abriga da chuva de inverno e do calor de verão e pelo largo painel de azulejos que remete não para o nome, mas para cenas da vida rural, com especial ênfase na figura das lavadeiras que, em tempos, se serviam daquelas águas. Contrariamente aos outros fontanários até aqui referidos, que são nascentes naturais, a Fonte do Ansião está, atualmente, ligada à rede pública.
Depois da Fonte do Ansião, entra-se naquela que é a última e talvez a menos interessante parte deste percurso. Uma longa estrada, reta e com poucas sombras. O esforço faz-se valer sobretudo pelos jardins floridos, cheios de vida, que invadem os passeios e se impõem coloridos à passagem de qualquer pessoa.
Por fim, um conselho: em dias de maior calor, todos os visitantes devem tomar precauções para se protegerem das elevadas temperaturas, da radiação e da desidratação. Não descure a utilização de roupas leves e de cores claras, chapéu ou boné e, claro, protetor solar. Levar um cantil com água fresca também pode ser uma boa ideia.
*Fotos de Afonso Ré Lau e Município de Vagos