Ainda só tem 18 anos, mas já não é tarefa fácil resumir-lhe o percurso em poucas linhas.
A ilhavense Catarina Oliveira sempre gostou da escola, mas cedo sentiu que, “em Portugal, ainda não há muito espaço em sala de aula para pensar, discutir, experimentar e falar”, aspetos que considera “importantíssimos para o desenvolvimento pessoal” de um jovem.
Para tentar colmatar essas falhas, tornou-se escuteira, dedicou-se à música, aprendeu a jogar xadrez, envolveu-se em projetos de sensibilização ambiental e empenhou-se na promoção de uma internet mais segura, chegando mesmo a representar Portugal em fóruns europeus sobre esta temática.
As atividades e projetos aos quais se entregou serviram de incentivo à sua superação pessoal e ajudaram-na a construir-se como uma jovem curiosa, uma estudante comprometida e uma cidadã atenta. Ainda assim, na escola, nem sempre estas ações foram vistas com bons olhos. “ eram desvalorizados ou, pior, vistos pelos professores como passatempos, uma ‘perda de foco’, e não como uma mais valia”, lamenta, em entrevista à Aveiro Mag.
Ao entrar para o secundário já não restavam muitas dúvidas: o ensino tradicional não lhe enchia as medidas. Queria “abrir horizontes”!
No verão de 2019, Catarina é selecionada para integrar o programa educativo dos UWC – United World Colleges – e viaja para os arredores de Pune, na Índia. Os UWC são uma rede de colégios internacionais que proporcionam a jovens dos 16 aos 19 anos a possibilidade de, durante dois anos letivos, estudarem e viverem no estrangeiro, com colegas de todo o mundo.
A pandemia acabaria por trocar-lhe as voltas, obrigando-a a deixar a Índia, regressar a casa e adaptar-se a um regime de ensino à distância que, apesar de juntar virtualmente alunos dos cinco continentes, não se compara à riqueza intercultural que a vivência no colégio proporciona.
Desengane-se, no entanto, se acha que esta história fica por aqui. Dona de um espírito audaz alimentado por causas e sonhos, não tardou muito para que Catarina voltasse a fazer as malas. Mudou-se, desta vez, para a Dinamarca onde integra o Ranum Bubble, um projeto “bolha” que reúne vários estudantes UWC que se viram impedidos de voltar aos seus colégios de origem e, dentro dos possíveis, tenta proporcionar-lhes a experiência internacional da qual se viram privados.
Convicta de que o futuro não lhe trará morada permanente, Catarina aspira tornar-se médica e, na sua vocação, poder ser útil a quem mais precisa.
Uma consciência cívica e ambiental
Catarina nasceu e cresceu em Ílhavo e, por onde quer que passe, faz questão de se afirmar orgulhosamente como uma ilhavense dos quatro costados.
Foi naquele município bacalhoeiro que a jovem despertou para as questões ambientais e, ao longo dos anos, foi-se afirmando como uma voz ativa pelos valores da sustentabilidade e da boa gestão dos recursos na comunidade.
Catarina não se recorda da primeira iniciativa de cariz ambiental em que participou. “Sinto que sempre fizeram parte da minha vida”, confessa, recordando que, assim que entrou para o 1.º ciclo do ensino básico integroulogo o projeto Eco-Escolas – um programa que incentiva a educação ambiental para a sustentabilidade em contexto escolar. Mais tarde, através do Coastwatch Europe, participa na observação, recolha e registo dos resíduos que ainda se encontram nas praias marítimas e nas margens da ria naquele concelho. Já no 10.º ano, enquanto “Jovem Repórter para o Ambiente”, tem a oportunidade de experimentar várias técnicas de expressão jornalística em investigações de caráter ambiental que chegam a ser premiadas a nível nacional.
Atividades como estas – às quais se podem juntar os debates na Assembleia Municipal Jovem ou as participações no habitual concurso literário anual que a autarquia ilhavense promove – não só levaram Catarina a cimentar a certeza de que “precisava de explorar mais”, como a ajudaram a desenvolver uma postura cívica esclarecida e uma consciência ambiental robusta, características que viria a aprofundar no escutismo.
Catarina Oliveira entrou para o agrupamento de escuteiros 189 de Ílhavo aos seis anos de idade e só no ano passado, depois de mais de uma década de vivência escutista, acabaria por deixar o movimento. É “com saudade” que recorda os acampamentos, o trabalho em equipa e as experiências de voluntariado. A jovem ilhavense vê no escutismo “uma escola de vida”, onde aprendeu a “ser mais autónoma”, a “ser responsável por outras pessoas” e a “saber confiar nelas”. Por tudo isto, não há longe nem distância que a façam conjugar o verbo no passado: “Sou escuteira”, afirma, convicta, valendo-se de uma antiga máxima daquele movimento – “Uma vez escuteiro, escuteiro para sempre”.
Por uma internet mais segura
Foi por intermédio da escola que Catarina se tornou Líder Digital.Líderes Digitais são jovens de referência numa comunidade educativa que assumem a missão de promover a cibersegurança e a literacia para os media. Por um lado, desvenda Catarina, isto implica receber formação específica que os habilita a desenvolver atividades para os seus colegas, alertando-os para as vantagens e desvantagens das tecnologias digitais e dando-lhes as melhores ferramentas para usufruirem dessas tecnologias em segurança. Por outro, cabe a um Líder Digital fazer a ponte entre jovens e adultos, fazendo chegar aos mais altos responsáveis das instituições as necessidades, anseios e dificuldades da juventude.
Catarina foi selecionada para representar Portugal no Fórum da Internet Segura, em Bruxelas, uma conferência internacional na qual políticos, investigadores, organismos jurídicos, ONG e empresários debatem as mais recentes tendências, riscos e soluções no que à segurança infantil online diz respeito.
Paralelamente a esta conferência, que teve lugar em novembro de 2018, realizou-se o Painel Europeu da Juventude do projeto BIK – Better Internet for Kids – onde jovens representantes de diferentes países europeus se reuniram para partilhar ideias e pontos de vista com vista a uma melhor e mais segura internet para as crianças e jovens. Este colóquio viria a ficar marcado pela eleição de Catarina como uma das duas embaixadoras europeias no Conselho Consultivo Internacional do projeto BIK, papel que, ainda hoje, mesmo à distância, a jovem ilhavense continua a desempenhar.
Mas se pugnar por uma internet segura passa pelos grandes centros de decisão a nível europeu e mundial, muitas vezes, há pequenas mudanças nos hábitos e comportamentos de cada utilizador que podem fazer toda a diferença.
Um exercício útil é encontrar analogias, diz Catarina. Afinal, explica, “se não partilhamos a chave de casa, porque haveríamos de partilhar uma password? Se não mostramos ao nosso futuro patrão fotos nossas numa discoteca, porque haveríamos de publicá-las de forma pública nas nossas redes sociais? Se não falamos com desconhecidos na rua só porque olharam para nós, porquê ter amigos infinitos nas redes sociais?”. Pode parecer um clichê, mas, para esta jovem, “pensar antes de publicar” acaba por ser, efetivamente, “o melhor truque para navegar da forma mais segura”.
Experiências internacionais e interculturais
A Índia é um dos maiores e mais populosos países do mundo. Apesar dos problemas de desigualdade social que enfrenta, possui uma riqueza natural, cultural, linguística e religiosa que atrai turistas de todas as partes do planeta e que também exerce o seu encanto sobre Catarina Oliveira. A jovem não podia ter ficado mais contente quando, no verão de 2019, soube que tinha sido aceite pelos UWC e ia integrar o colégio indiano.
O fomento da independência, do espírito de iniciativa e da responsabilidade individual; a forma como funcionam as aulas - em que a discussão constante enriquece a matéria em estudo e em que há tempo e espaço para pensar, experimentar e questionar; as oportunidades de trabalho voluntário; o cuidado para com as artes ou o desporto, enquanto áreas fundamentais para um crescimento integral e equilibrado – Foi “a esperança e o desejo de viver tudo isto” que levou Catarina a candidatar-se aos UWC.
A decisão de se lançar para um empreendimento desta envergadura foi alvo de muita ponderação, mas Catarina contou sempre o apoio da família. “Eles sabem que teriam muito menos dores de cabeça se não me autorizassem a participar nestas aventuras”, admite. “Às vezes, preferiam que eu fosse um pouco mais calma e menos aventureira, mas conhecem-me bem e sabem que isso seria difícil. Só me pedem que seja ponderada e feliz”.
As experiências interculturais que tem vivido - principalmente durante o último ano - despertaram-lhe um gosto especial pelas relações internacionais, mas o sonho antigo da medicina continua a sobrepor-se a todos os outros.
No prazo de 10 anos, Catarina imagina-se a “deixar de parte a estabilidade de viver num só país” para “trabalhar em lugares onde os cuidados de saúde sejam rudimentares e onde a minha ajuda possa mesmo fazer a diferença”.