O conceito de sustentabilidade está, felizmente, cada vez mais presente no nosso dia a dia e com a moda não podia ser diferente. Depois de movimentos como o #slowfashion, que surgiu em Londres pelas mãos de Kate Fletcher, com o objetivo de combater o fast fashion e mostrar que a forma rápida como o vestuário é produzido, não é positiva, têm surgido em Portugal várias iniciativas do género. A “Falta de Etiqueta” é uma delas. Um projeto nascido em Aveiro, pela mão de duas profissionais das áreas da moda e comunicação.
Após vários acontecimentos, como a queda do edifício Rana Plaza no Bangladesh, que causou a morte de mais de 370 trabalhadores da produção de tecidos, empresas de vários setores começaram a aperceber-se da dimensão dos problemas da indústria de produção rápida, e foi criado o Fashion Revolution.
Em Portugal, as principais tentativas de combate a este sistema são as lojas de roupa e acessórios em segunda mão. Prezam pela qualidade e durabilidade das roupas e principalmente, pela garantia de que quem as produz trabalha com condições legais e recebe um valor justo.
“Falta de etiqueta” pode soar-nos, a priori, a um trocadilho, já que utilizamos a palavra “etiqueta” como um sinónimo de classe e elegância. No entanto, não é bem assim. Todas as peças da loja são escolhidas criteriosamente e o lema é “Consumir com consciência sem nunca perder o estilo!”
As aveirenses Eduarda Lopes, formada em contabilidade e auditoria e consultora de imagem há vários anos, e Lara Teang, designer de comunicação, fotógrafa e gestora de marketing e redes sociais, são os rostos por detrás deste projeto. Conhecem-se há mais de 20 anos, mas os “loops da vida” acabaram por afastá-las durante muito tempo. Ao reencontrarem-se noutro projeto, perceberam que tinham os conhecimentos e ferramentas necessárias para este desafio.
As proprietárias esclarecem que o nome “Falta de Etiqueta” resulta, obviamente, das características da maioria dos produtos, por se tratar de peças usadas, mas também de atribuir um novo conceito à expressão. “Ilustrando a ideia, imaginemos uma Paula Bobone do Século XXI, que compreende que o bom senso, a ética, a sustentabilidade e o respeito pela multiculturalidade são as novas "classe e elegância" da época. Ter etiqueta é muito 90´s...”, explicam.
A ideia surgiu há cerca de meio ano e tem vindo a ganhar forma. Começou nas redes socias e estende-se agora à loja online, com o propósito de responder à urgência de alterar hábitos de consumo.
Não existe loja física, mas sim um atelier onde são armazenadas todas as peças e onde é feito “todo o trabalho logístico, criativo e administrativo”, que trouxe assim às empreendedoras a oportunidade de criarem o seu próprio emprego. Os produtos são enviados de e para todo o território continental, mas existe a possibilidade de entrega em mão na zona de Aveiro.
Começa a ser cada vez mais comum usar peças em segunda mão e perceber a importância de lhes dar uma nova vida, tanto para o planeta como para os trabalhadores das indústrias de produção, e para a nossa economia pessoal. No entanto, existe ainda um preconceito muito visível, relativamente a esta prática. Ainda assim, as proprietárias acreditam que as mentalidades estão a mudar. “É um processo lento, ambicioso do ponto de vista psicológico. Existe necessidade de dar a entender que roupa em segunda mão é igualmente boa, de qualidade e muitas vezes exclusiva. São peças com histórias ou descartadas depressa demais.” As gerações mais jovens têm vindo a impulsionar esta forma de consumo consciente, usando sem qualquer complexo bens em segunda mão, e acabando assim por sensibilizar quem as rodeia.
Questionadas acerca dos motivos que levam as pessoas a comprar bens em segunda mão, que em alguns casos é a impossibilidade de suportar os preços praticados pelas grandes marcas, as proprietárias defendem que parte da sua missão é “uniformizar a causa que as leva a procurar este tipo de comércio. Procuramos desmistificar ideias pré-concebidas sobre o consumo de bens usados e, ao mesmo tempo, dar a todos a oportunidade de adquirir artigos de qualidade a preços mais acessíveis.” O foco é prolongar o tempo de vida das peças, poupar o ambiente e fazer com que as clientes se sintam elegantes.
Além de fazer compras, a página dá às clientes a possibilidade de vender as peças que já não utilizam. A Falta de Etiqueta aceita, neste momento, peças de roupa e acessórios de moda femininos. As peças são depois criteriosamente selecionadas para venda na loja online e, caso não sejam selecionadas, poderão ser devolvidas, doadas a associações ou destinadas a upcycling pela marca.
Relativamente às iniciativas que algumas grandes marcas têm tomado no sentido de uma comunicação mais clara e de uma maior preocupação com a produção, as proprietárias admitem que “para que este modelo de negócio possa existir, é preciso que exista o mercado em 1.ª mão. E para que o mercado em 1.ª mão coloque as mãos na consciência, é preciso que existam estas iniciativas. É correto dizer que ambas se complementam.” No entanto, não deixam de referir o conceito de greenwashing, que consiste na divulgação de uma imagem de preocupação com a sustentabilidade do ambiente, que esconde a realidade injusta das grandes produções.
O questionamento acerca de tudo o que está por detrás de uma peça de roupa deve partir, principalmente, do consumidor e, nesse sentido “existem várias iniciativas mundiais que exigem e conseguem maior transparência na comunicação das grandes indústrias da moda”, explicam.
Dar uma nova vida às peças é realmente a melhor descrição para este projeto. Eduarda Lopes conta à Aveiro Mag que, enquanto adolescente, e devido à profissão da sua mãe, que era modista, “era um hábito refazer as peças, alterar os modelos, virar os tecidos do lado contrário e fazer novamente, aplicar uma renda na bainha para aumentar a altura da peça de roupa, a imaginação e a criatividade lideravam estes processos maravilhosos."
Já Lara conta que, nos anos 90, reaproveitava toda a roupa dos anos 70 dos pais e começou também a comprar a sua própria roupa em lojas semelhantes à Falta de Etiqueta. “Desde muito cedo, aprendi que as melhores oportunidades estão nestas lojas e que esta era a melhor forma de criar um estilo próprio."
O projeto tem já planos para o futuro, e prevê a colaboração com criativos de moda da região de Aveiro, que irão auxiliar nos serviços de upcycling e restyling da loja, e envolver a comunidade. Pretendem também, num futuro próximo, conseguir alcançar o mercado das ilhas, a custos acessíveis.
* Créditos das fotos: Um Capítulo - Fotografia