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Quando a esclerose lhe compromete a força, a vontade fala mais alto

Atletas

Pedro Herdeiro é um aficionado por desporto e tudo quanto é atividade física. É-o, praticamente, desde que se lembra. Das modalidades mais tradicionais às atividades mais radicais, terá experimentado um pouco de tudo. Esta paixão maior levá-lo-ia a tornar-se professor de educação física, dedicando a sua vida à formação desportiva dos mais novos e à missão de os ajudar a desenvolver hábitos de vida saudável. Um ser irrequieto, enérgico, ávido de movimento e adrenalina, a quem, aos 37 anos, foi diagnosticada esclerose múltipla. Numa primeira fase, admite, foi “um embate terrível”, ainda que (acreditamos nós) parar nunca tenha estado nos seus planos. O desporto continuou a fazer parte do dia-a-dia de Pedro. Das mil e uma modalidades experimentadas, agarrou-se de forma especial àquela que sabia poder continuar a praticar a alto nível: o snowboard.

Em 2018, no Dubai, torna-se no primeiro atleta português a participar em provas internacionais de snowboard paralímpico e, no ano seguinte, recebe das mãos de João Paulo Rebelo, secretário de Estado da Juventude e do Desporto, o prémio de Atleta Revelação do Ano, atribuído pela Federação de Desportos de Inverno de Portugal.

No arranque deste novo ano, Pedro mantém a esperança de conseguir participar nos Jogos Paralímpicos de Inverno que terão lugar em Pequim, na China, nas primeiras semanas de março. Há que considerar, todavia, que, nos últimos dois anos, a crise pandémica ditou o cancelamento de muitas provas onde os atletas poderiam pontuar e uma certa sobrelotação daquelas que se mantiveram. Com grande esforço pessoal e o imprescindível apoio da federação e do município de Albergaria-a-Velha, Pedro conseguiu participar em três provas e arrecadar 68 dos 80 pontos necessários a uma participação nas paraolimpíadas. Faltam 12. Enquanto houver hipóteses, vai continuar a tentar. É, aliás, com esse objetivo em mente – o de conseguir os pontos que lhe faltam para garantir um lugar em Pequim – que está na Suécia e, logo a seguir, se necessário, viajará para o Canadá.

Pedro nasceu em 1971, na capital moçambicana Lourenço Marques (atual Maputo), mas cedo se tornou ilhavense quando, aos três anos de idade, a sua família veio instalar-se na terra natal da mãe.

Por volta dos 5 anos, já jogava à bola no seu beco. “Como não havia trânsito, jogávamos na rua, com quatro pedras a delimitar as balizas e até que os nossos pais nos viessem buscar com a colher de pau”. Logo a seguir, aos 8 anos, passa a dedicar-se ao basquetebol nas camadas de formação do Illiabum Clube.

No que à escola diz respeito, começou por estudar em Ílhavo – na área de Desporto, claro –, mas decide mudar-se para Vagos, para o curso técnico-profissional de agropecuária. Já no ensino superior, abraça o curso de cerâmica (provavelmente, por influência da Vista Alegre), mas acaba por voltar à sua mais antiga paixão: o Desporto. “Voltei ao sonho inicial, ser professor de educação física”, lembra Pedro, que se formou Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo. Também na zona de Viana, mais propriamente, a montante, em Ponte de Lima, volta ao basquetebol, na equipa sénior do Basket Clube Limiense e que tem a oportunidade de praticar corfebol.

Mas Pedro não se ficou por aí: foi monitor de vela na classe Optimist, no Sporting Clube de Aveiro, participou em competições de windsurf nos canais da Ria e até chegou a transportar a modalidade para a estrada – “o windskate praticava-se com uma prancha de longboard à qual juntávamos uma vela de windsurf”, descreve, em entrevista à Aveiro Mag.

Foi atleta da Associação de Surf de Aveiro e chegou a ter a sua própria escola em funcionamento nas praias da Costa Nova e da Vagueira. Na neve, começou pelo ski, num fim de semana em Manzaneda, junto a Gijon (Espanha), mas rapidamente se perdeu de amores pelo snowboard. “Para qualquer pessoa que goste de skate, ter os pés amarrados é top. As fixações permitem-nos inventar muito mais coisas porque a prancha está agarrada a nós. Depois de uma primeira experiência com uma prancha em madeira construída por mim, comprei uma prancha em segunda mão e nunca mais parei”.

Apesar de Pedro não o ter confirmado, atrevemo-nos a arriscar que o skate tenha sido a sua modalidade de eleição. Rei dos então chamados “desportos alternativos”, uma das mais desafiantes atividades radicais, aquela que Pedro transportara para as ondas – o surf – e para a neve – o snowboard – sem nunca deixar de praticar nas rampas, muros e traves da urbe. Foi, precisamente, quando começou a sentir dificuldades em fazer ollies (a manobra base do skate), por volta dos 31 anos, que os sinais de alerta se acenderam. Algo não estava bem com o seu corpo. Fez exames atrás de exames, mas o diagnóstico tardava em aparecer. Chegou, finalmente, aos 37 anos, e foi implacável: esclerose múltipla sob a forma primária progressiva, uma doença crónica, autoimune, inflamatória e degenerativa... Uma doença incurável. Pedro não esconde que “encarar a sua nova condição foi complicadíssimo”. Rapidamente, ter-lhe-ão vindo à memória “flashes das aulas de anatomofisiologia”, bem como o caso de Iordanov, futebolista búlgaro que alinhou pelo Sporting Clube de Portugal nos anos de 1990 e a quem, no auge da carreira, foi diagnosticada esclerose múltipla. Na altura, a notoriedade do jogador ajudou a trazer a doença para a esfera pública e, mesmo depois de se ver obrigado a deixar os relvados, o seu caso ficaria na memória de adeptos e não só. “Quando me disseram que o meu diagnóstico era aquele, eu soube logo perfeitamente o que tinha”, garante Pedro. “Parei por completo. O desporto era a minha cena. Deixei de conseguir fazer skate, deixei de conseguir surfar... Foi um embate terrível”, reconhece. No entanto, recorda, “de certa forma, a coisa diluiu-se logo ali porque estava lá uma criança – devia ter entre 8 e 12 anos – a quem tinha sido diagnosticado um cancro. Eu já tinha 37 anos... aquilo ajudou-me a relativizar a situação. Tenho uma doença muito grave, sim, mas há coisas bem mais graves. Encarei como tinha de encarar: há que olhar em frente e aproveitar a vida da melhor maneira possível”.

Hoje em dia, estima-se que mais de 2,5 milhões de pessoas em todo o mundo sofram de esclerose nas várias formas que a doença pode adotar. Só em Portugal, afetará entre seis e oito mil pessoas. A esclerose múltipla sob a forma primária progressiva – a que afeta Pedro Herdeiro – é a menos comum e a mais difícil de diagnosticar. Contrariamente às restantes formas da doença, não apresenta surtos, mas implica perdas graduais, contínuas e constantes das capacidades físicas e neurológicas dos doentes. No caso de Pedro, a doença compromete-lhe a locomoção, a agilidade, o equilíbrio e a força, mas, apesar de tudo, o processo tem sido “relativamente lento”.

Pedro cumpre uma exigente rotina com treinos diários, de hora e meia a duas horas e duração, de segunda a sexta, ao final da tarde, depois de vir da escola – atualmente, Pedro é professor de educação especial - e da fisioterapia. Ao sábado, procura treinar o mais cedo possível de forma a recuperar a tempo de realizar um segundo treino ao fim do dia e, ao domingo, realiza um treino de manhã. Tudo isto, na freguesia da Branca (Albergaria-a-Velha), onde reside. Faz natação três a quatro vezes por semana, gosta de umas sessões de paddle e de pedalar na sua bicicleta elíptica. Como se isto não bastasse, ainda montou um pump track na cave de sua casa.

Não há certezas sobre o impacto que estes treinos têm na saúde de Pedro. A tipologia e carga dos exercícios procuram ir ao encontro dos objetivos do atleta e do seu treinador – Nuno Marques, conhecido por “Mancha” – e intensificam-se ao ritmo do calendário de provas. “O meu neurologista é apologista do ‘mente sã, corpo são’. É uma coisa que me dá prazer e me traz realização pessoal, apesar de custar muito – um treino para mim, equivale a 10 treinos para um atleta saudável”.

Quanto a apoios ou patrocinadores, Pedro reconhece que “essa tem sido a grande pedra no sapato”, ainda mais num país como Portugal, onde há pouca cultura de desportos de neve. O atleta sublinha os importantes apoios da Federação de Desportos de Inverno de Portugal e do município de Albergaria-a-Velha, bem como os papeis desempenhados pelo Centro Médico de Estarreja, que lhe disponibiliza um fisioterapeuta pessoal, pela Secret Surf School, da praia da Vagueira, que o apoia em material e equipamentos, e a marca aveirense Freshlines Boards, responsável pela construção das pranchas que Pedro usa e que são concebidas à medida das suas necessidades e limitações.

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