Por norma, ter um “Plano B” é com o intuito de ter uma alternativa ao “Plano A” caso este, aquele em que vivemos, corra mal ou menos bem. Mas, como tudo na vida, há sempre a exceção. E essa enquadra-se, perfeitamente, na história que hoje aqui se conta, a de Paulo Jesus, e de grande parte da sua família.
Desde que chegou à vida adulta e ao mercado de trabalho, que Paulo Jesus faz dos seus dias uma autêntica “lufa-lufa”. Entre o fazer as malas, as horas intermináveis nos aeroportos, as reuniões sempre intensas com clientes, e as semanas inteiras em exposições ou feiras de produto. É a vida de alguém que faz do comércio internacional e da exportação a sua vida profissional. E das grandes empresas aveirenses para as quais trabalhou e, atualmente, trabalha.
A regra também nos diz que quando se está em casa, à semana, a horas decentes, ou se tem a felicidade de estar ao fim-de-semana, que se aproveita para descansar, ler um livro, passar “tempo de qualidade” com a família, brincar com os filhos ou, quem sabe, jantar com os amigos, acompanhado por um (ou mais) bom vinho.
Sim, esta regra também se configura a Paulo Jesus. Mas o conceito é que é diferente. Ainda que o “um (ou mais) bom vinho” seja a figura central desta história. É do conceito do Plano B que no futuro será o A, mas que toma todo o tempo “livre” para a sua construção que nasce a “Casa de Vinhago”, um projeto de Paulo Jesus, e do pai, Júlio Pedrosa, bem estruturado e ancorado na pedra basilar que é a família.
O princípio de tudo
“O projeto da Casa de Vinhago surge com a requalificação e expansão das vinhas plantadas por Carlos Fernandes Teixeira (Julião) e Vitória Pombeiro de Gouveia, nas encostas da Freguesia de São Cosmado, Armamar. Em 1999, a herdeira Maria Helena e a família iniciam a construção da Casa no Vinhago.”
Esta informação que pode ser lida no site da Casa de Vinhago (em www.casadevinhago.com) é confirmada à Aveiro Mag por Paulo Jesus que, conta, o principal motivo para a construção da Casa de Vinhago: “na altura, os meus pais, decidiram ir para Armamar e aproveitar a reforma, ainda que no caso do meu pai, Júlio Pedrosa, ainda vá estando ativo naquilo que é a sua participação, sobretudo, cívica. Mas, também, como ele diz, estar reformado não significa estar sem fazer nada”.
Situada no lugar da Lapinha, em São Cosmado, uma das maiores freguesias do concelho de Armamar, a Quinta do Vinhago era originalmente um soito e foi saibrada pela primeira vez nos anos cinquenta. Com a chegada dos pais de Paulo Jesus, em 2003, a vinha é totalmente saibrada e reconvertida.
A localização e as vantagens
“Neste momento temos 12 hectares com plantação de vinha divididos em três quintas: Vinhago, Telheira e Sobreirinha”, avança Paulo Jesus, que enquadra, de maneira a que se perceba, quais as vantagens da localização e o que faz com que os vinhos que produz sejam, atualmente, uma referência nos chamados “vinhos tranquilos”.
“Todas as vinhas estão a cerca de 500 metros e na encosta que desce para o rio Tedo. Isto permite que as vinhas estejam protegidas dos ventos frios do Norte, mantendo, no entanto, a frescura e acidez que a altitude providencia. Estamos relativamente próximos do rio Douro e portanto numa localização de transição que nos permite beneficiar do clima das zonas mais frescas do Douro e dos solos graníticos característicos do Távora. Esta combinação origina vinhos únicos, de uma sub-região única, caracterizados pelo frescura, acidez (altitude) e mineralidade integrada em fruta madura que resulta de um clima moderadamente quente e portanto temperado. A natureza e o território têm-nos ajudado muito e é neste diálogo com o meio em que estamos inseridos que vamos tentando (re)construir a presença dos vinhos na região, onde agora predomina a cultura da maçã, mas onde predominava a vinha e o azeite, no tempo dos meus avós”.
Dos primeiros vinhos até hoje
O primeiro vinho produzido com uvas do talhão reconvertido da Quinta do Vinhago é de 2006, foi todo “escoado” entre a família e amigos. Três anos depois, o mercado recebe o vinho inaugural com rótulo, que resultou da mistura de castas do Vinhago e que, de acordo com o responsável, iniciou o “caminho de afinação do processo produtivo”.
“Num trabalho conjunto com o nosso enólogo, temos vindo a evoluir na qualidade do vinho, num processo de crescimento maturado, que nos permite hoje, ter vinhos de altíssima qualidade, tanto brancos como tintos, e começar a apostar, também, nos espumantes. Já nos lançámos no mercado e, daqui a três anos, teremos a primeira reserva”. Tendo a produção ancorada na região Távora e Varosa, bem ao lado dos “gigantes” Murganheira” e Terras do Demo, entre outros, Paulo Jesus realça a colaboração dos “vizinhos” no crescimento da Casa de Vinhago e assume querer elevar a marca a um patamar superior.
Da produção a granel às 25 mil garrafas que espera ter este ano, Paulo Jesus admite que tudo se torna mais fácil pela presença dos pais na região, principalmente quando ele passa grande parte do ano fora do país ou em trânsito: “temos essa vantagem, naturalmente. Somos um pequeno produtor, é certo, mas mesmo isso só é possível porque o meu pai está grande parte da semana na Quinta e pode ir acompanhando todos os passos dados. De outra forma, tudo seria diferente”.
A família e os amigos
Ser um projeto familiar é, para o aveirense nascido há 47 anos em Cardiff, País de Gales - numa altura em que o pai fazia o doutoramento na universidade local –, fator fundamental para o sucesso dessa empreitada: “fazer isto com os meus pais e o meu irmão foi, sem qualquer dúvida, um dos principais motivos para avançar. É um projeto familiar, um sonho comum, que nos permite crescer juntos em torno de um objetivo igual. É essa aura, esse conforto, que também faz com que o projeto seja bem-sucedido. Os valores da família estão bem presentes. Aliados, claro está, a esta terra particular, de características distintas, que como nós, está cheia de tradição. A quinta, as terras, as vinhas, estão na família há quatro gerações, e isso faz a diferença”.
Mas Paulo Jesus assume, ainda, o papel fundamental de outros dois núcleos. A família de casa, a esposa e os filhos, que percebem, acarinham e gostam de fazer parte, mesmo que isso lhes “tire” o marido e pai em muitos fins-de-semana: “eu sei que não é fácil, mas na altura em fazemos vindimas, são muitos dias aqui, desde sábado à primeira hora da manhã, até domingo ao limite do possível. Mas eles também participam e sabem que isto, mais do que qualquer coisa, também me faz bem, me alivia do stress da profissão, e faz com que possa estar, nos outros dias, mais disponível para eles”.
O segundo núcleo, esse que se escolhe, são os amigos. Dos verdadeiros. Dos que participam como podem. Seja a comprar os vinhos, desde o primeiro dia. Seja a valorizá-los e divulgá-los. Seja, também, a vindimar e a pisar as uvas: “a experiência é divertida, à primeira, mas estar a apanhar uvas horas a fio e, depois, por exemplo, estar a pisá-las três horas seguidas, sem descanso, pode ser uma tarefa árdua. E que tem custos. Mas os nossos amigos vêm connosco, participam em todos os momentos e se não fossem eles, tudo seria mais complicado e, se calhar, não estaríamos aqui, no ponto em que estamos”.
O futuro. Pessoal e da Casa de Vinhago
E o futuro? Sem temores ou tremores, Paulo Jesus admite que o facto de “os vinhos serem uma atividade paralela” lhe permitiu, mais a família, fazer crescer a Casa de Vinhago “de forma sustentada” sem ter de fazer vinhos “para vender obrigatoriamente”, descurando a qualidade e dando passos “pouco ponderados”.
“A vantagem é que os meus pais estão reformados e eu e o meu irmão, temos atividades profissionais diferenciadas, que nos permitem ter a autonomia financeira sem ter de vender no imediato, ou ter de abdicar dos princípios de qualidade que exigimos. Mas, claro, espero daqui a uns anos, dedicar-me só a este projeto. Não quero baixar o ritmo da minha vida só quando chegar à idade obrigatória da reforma. Quero que seja antes. É para isso que trabalhamos e investimos tanto de nós no projeto”.
E a Casa de Vinhago, onde estará daqui a uns anos? A resposta é imediata, pois o projeto está pensado: “queremos continuar a crescer de forma tranquila. Nesta altura vendemos tudo o que produzimos em círculos restritos e em poucas lojas. Temos alguns pontos de venda no estrangeiro, que foram conseguidos no tradicional passa a palavra. Em Aveiro, por exemplo, pode-se comprar na Adega Latina. Queremos ser uma referência pela qualidade nos vinhos tranquilos e nos espumantes, mas sem perdermos o que nos diferencia, os valores da terra e da família”.
* Créditos das fotos: Romeu Bio