Partiu hoje o Mestre José Rebesso, o “Ti Zé Rebesso”, como era carinhosamente conhecido. José Maria de Oliveira Rendeiro, murtoseiro, casado, com 3 filhos, netos e bisnetos, deixou um legado de estórias, de ensinamentos e de amigos, após uma longa vida de 83 anos (1940 - 25.03.2023).
De olhar vivo e temperamento enérgico, foi sempre um entusiasta das lides na laguna (Ria de Aveiro), ao longo de quase toda a sua vida.
No início da sua maioridade já manobrava o barco moliceiro. Trabalhava na apanha do moliço e do junco para as terras, e sob encomenda. Era uma vida dura “ao rio”, que o fazia ausentar-se do lar por vários dias. Foi também barqueiro, num mercantel, transportando o sal das marinhas de Aveiro para outros portos. Foi, ainda, pescador na ria, e agricultor.
Emigrou em 1975, no início da sua maturidade, para o Canadá, para trabalhar na construção civil, procurando um melhor modo de vida. Regressou por volta dos 50 anos, com algumas mazelas. Durante a sua ausência, a sua mente esteve sempre junto à Ria, ao seu recanto de menino. Por tal motivo, regressava todos os anos para participar nas regatas, e para ver as suas embarcações: um barco moliceiro e duas bateiras.
Apesar de regressar sempre ao seu segundo lar, para visitar a família, o seu coração continuava a morar na ria, tanto que costumava dizer que “a Ria era a sua vida”, e o barco moliceiro a sua maior alegria.
Gostava de realizar passeios turísticos pela ria, no seu barco moliceiro. Era um encanto poder partilhar com ele nesses momentos de lazer, e vivência a bordo da embarcação. Todos os dias vinha ver, e cuidar, do seu barco. Gostava de ir à pescar nas suas bateiras.
Mas era nos dias que antecediam as regatas, durante as reparações, pintura ou simples “amanhações”, que a sua paixão se reflectida no rosto e nas palavras.
Em dia de regata, todo o seu corpo, mesmo já na fase em que se encontrava mais debilitado, vibrava; o seu olhar brilhava; o seu caminhar tornava-se no de um jovem sonhador, e até esquecia a dor, tal era a sua adrenalina e entusiasmo. Dava gosto ver um homem de “anos bem vividos”, com um saber adquirido, tanto na ria, como na vida, mostrar o seu lado de menino.
Era este um dos últimos “homens moliceiros”, provindo de uma geração de homens duros que lidavam com a Ria, os barcos e o perigo. A tradição do manejo das embarcações e da faina na Ria, que muitos outros, da sua idade, ainda recordam, foi o seu mais entusiasmante modo de vida.
Deixa um legado: os seus bens materiais; as suas embarcações que contam estórias; as suas vivências pessoais e sociais que tocaram outras pessoas; a família e os amigos que com ele viveram, e partilharam as suas emoções.
Em jeito de homenagem, deixo uma pequena síntese da sua vida. Mas sobretudo, a referência ao respeito e admiração, que todos nutrem por um homem que tocou corações. E, tal como outros, aguçou o espírito competitivo nos mais jovens; inspirou o público e chamou-o à bela realidade da Ria de Aveiro: às fainas de outros tempos e às embarcações tradicionais.
É visto quase como um “ídolo”, um exemplo de perseverança, característico da última geração de “homens moliceiros”. A sua paixão contagiou e a sua simplicidade o aproximou de todos. Ficará para sempre no nosso coração e memória. Foi feliz no seu barco e na “sua Ria”, mas nunca deixará de “navegar”...
Com saudade do seu sorriso e do seu abraço,
Etelvina Almeida. 23.maio.2023