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Viagens na nossa terra: Outra vez arroz

Roteiro

A orizicultura tem sofrido flutuações ao longo dos anos no Baixo Vouga Lagunar. Nos seus anos dourados havia mais de mil hectares dedicados a esta atividade agrícola em Canelas e Salreu.

Nunca antes tinha ido ao Roxico. É possível que nas viagens pela EN109 já tivesse olhado distraidamente para alguma placa com o nome do lugar mas antes de consultar o Google Maps não sabia exatamente onde ficava.

«O Roxico só tem duas ruas», explicou-me Carlos Valente – a Rua do Norte e a Rua do Sul. Mesmo assim dei por mim semidesorientado enquanto procurava chegar ao número 69 da Rua do Norte. Transformar duas ruas num labirinto difícil de decifrar é uma prova irrefutável de um penoso sentido de orientação.

Boas notícias, porém: depois de ativar o GPS e de Carlos Valente me dar orientações muito precisas por telefone, eis à minha esquerda a casa que procurava. À minha chegada, consolou-me: “à primeira é sempre difícil”. Fingirei que é verdade até à próxima vez que estiver no carro a rogar pragas a mim próprio por estar tão perdido e confuso como uma barata tonta – e, acreditem, esse dia irá chegar.

Carlos calça umas galochas quase até ao joelho e no quintal, em caixas de cartão ou plástico, vêem-se chuchus, batatas doces ou abóboras, algumas com três vezes o tamanho da minha cabeça e com sulcos bem vincados dando à casca cor de laranja o aspeto de gomos de grandes dimensões. Este homem do Roxico tem duas ocupações: é serralheiro mecânico e agricultor. Não o procurei para que me moldasse alguma peça de ferro ou de zinco nem por causa dos produtos da sua horta. O que me levou ao seu encontro foi o arroz.

A orizicultura tem sofrido flutuações ao longo dos anos no Baixo Vouga Lagunar. Nos seus anos dourados havia mais de mil hectares dedicados a esta atividade agrícola em Canelas e Salreu. Nas últimas décadas, porém, a produção de arroz foi definhando. Há uns anos ganhou novamente algum fôlego mas agora parece outra vez mergulhada na crise.

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Carlos é um dos pouco resistentes. Este ano, conta, dos 12 produtores que lançaram as sementes aos arrozais só quatro conseguiram extrair algum cereal, mas muito menos do que nos anos mais profícuos. Vários fatores contribuíram para este ano nefasto – o excesso de chuva e aves como a ibis-preta, que buscam alimento nos campos alagados, foram dois dos principais inimigos. Mas ao longo dos anos a atividade foi sendo afetada por lagostins, algas e fungos e ainda por falta de mão-de-obra e de apoios.

Fui ao Roxico porque lhe queria comprar algumas embalagens do seu arroz carolino ariete, que vende sob a marca D’Jardim. Carlos e a mulher Patrícia comercializam o produto em casa e em algumas feiras da região. Carlos entrou na orizicultura há nove anos, seguindo as pisadas do pai. “Corre-me no sangue”, diz. Mas olha para o futuro e tudo o que adivinha são incertezas.

Já abastecido de arroz, deambulei sem destino por vários pequenos lugares encaixados entre Estarreja e Albergaria-a-Velha, cuja existência, em muitos casos, nem sequer conhecia - Ventosa, Ribeiro, Entre Vinhas, Mata, Cabeço de Cima, Carvalhal, Outeiro, Corgo, São Martinho, Cadaval, Vale da Rama... -, com as suas casas rurais, lojas, cafés e igrejas, muitos deles abandonados, fechados ou em mau estado. É este Portugal que se encontra nos caminhos escondidos fora das estradas principais.

A caminho de casa faço um desvio até ao Fontão, em Angeja, no concelho vizinho de Albergaria-a-Velha, para verificar se está a funcionar uma velha padaria que é um daqueles segredos triviais mas valiosos passados de pais para filhos. O portão está aberto e o cheiro a pão quente sente-se da rua. Saio de lá com uma sacada de pão acabado de sair do forno e um folar e de casa oiço a manteiga a chamar urgentemente por mim.

Ali perto ficam dois dos engenhos da Rota dos Moinhos de Albergaria: o Moinho do Ti Miguel e o Moinho da Cova do Fontão. Neste lugar e ao longo do trecho de cerca de cinco quilómetros da Ribeira do Fontão, existem vestígios e registos da existência de 21 moinhos de rodízio, quase todos de média dimensão (entre três a seis casais de mós), o que caracteriza aquela que foi uma das mais importantes comunidades de moleiros e padeiros da região.

Naquele dia, continuando no reverso de Portugal, houve ainda tempo para um almoço em Sarrazola, já em Aveiro, no pequeno Restaurante Rio Príncipe. À entrada cedo a passagem a um homem que faz questão de me confidenciar a idade: 94 anos. Digo-lhe que está muito bem conservado e responde-me “se não fosse o joelho estava como novo”. Talvez a cabeça não esteja assim tão bem porque uns minutos depois uma funcionária larga a correr atrás dele para lhe entregar uma cuvete com a comida que encomendara.

Regresso a casa, numa rua que é também ela um filamento secundário e modesto na vasta malha de nervuras que nos ligam uns aos outros, e penso como, mesmo em parte tão decadente, é tão bonito o avesso deste nosso Portugal.

 

Informações

 

Os interessados em comprar arroz D’Jardim podem dirigir-se ao Roxico (Rua do Norte, 69), ligar para 916945831 e 917692248 ou escrever para geral.djardim.rice@gmail.com. Já a padaria do Fontão funciona de quinta-feira a domingo e fica na Rua Dr. Augusto de Castro, menos de 500 metros a seguir à Capela de Nossa Senhora do Carmo. O espaço não está sinalizado, por isso, se não conhecer, o melhor é perguntar por ele a alguém que encontre na rua.

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