Susana Tavares era auditora interna numa empresa de telecomunicações e Tomoko Suga era tradutora e intérprete para repórteres japoneses. Em 2013, com 35 anos, Susana ficou desempregada e Tomoko disse-lhe: “Ainda vais a tempo de aprender a fazer outra coisa”.
Tomoko chegou sozinha a Portugal no ano 2000, com 33 anos, sem falar Português. A sua ideia inicial era ficar apenas um ano até aprender a língua, mas confessa que gostou tanto de Portugal, que acabou por ficar. “E estava tão cansada do que fazia no Japão, que aqui me senti muito aliviada”, admite.
“A Tomoko foi o melhor exemplo para mim; com 33 anos, num país cuja língua nem sequer é semelhante à sua, conseguiu estruturar a sua vida”, enaltece Susana, também conhecida por Sue.
A única coisa que Sue sabia que queria fazer era “um trabalho que fizesse os outros felizes”, ao contrário do que acontecia com o seu emprego anterior. Fazer bombons e trabalhar o chocolate foi a opção que acabou por fazer.
Em 2014, as duas foram de férias para São Tomé e Príncipe, onde existem bastante rossas de cacau. Tiveram a possibilidade de visitar algumas delas, tendo sido nessas visitas que o seu foco mudou de trabalhar o chocolate para fazê-lo.
Na Rossa Diogo Vaz, porque se aperceberam que os trabalhadores tinham vidas “muito humildes”, perguntaram-lhes: “Vocês têm cacau; vocês têm cana-de-açúcar; porque não fazem chocolate?”. E a resposta que obtiveram foi: “Porque não sabemos fazer”.
Quando regressaram a Portugal, foram pesquisar e perceberam que já existia o movimento “Bean to Bar” (do grão à tablete) e que era possível fazer chocolate em pequena escala. Assim, compraram o mínimo necessário, em termos de equipamentos, para experimentar em casa, e a verdade é que a primeira receita que fizeram – com chocolate de leite, que se mantém até hoje – foi do agrado de todos os amigos que a provaram.
Foi no final de 2010 que abriram a sua loja Feitoria do Cacao.
Entretanto, Sue fez um curso de chocolatier (vocacionado para trabalhar o chocolate, fazer bombons) e outra de chocolate making, no Canadá.
O que satisfaz as duas profissionais é precisamente fazer o chocolate a partir do zero, e nisso foram pioneiras em Portugal.
As ideias para a criação de novas variedades são de Tomoko, que atribui o segredo do sucesso à sensibilidade do seu palato e à sua capacidade para criar combinações vencedoras. “O cacau e a forma como se trabalha é a alma de qualquer chocolate”, afiançam.

Quando o cacau lhes chega – dos vários países de origem onde é fermentado e seco: Nicarágua, Tanzânia, Colômbia, Costa Rica, Perú, República Dominicana, Índia e São Tomé -, procedem à sua seleção manual e à torra, que explicam ser o passo do processo que mais interferência tem no sabor do chocolate.
No último ano, revelam, a flutuação dos preços da matéria-prima com que trabalham tem sido o principal desafio deste negócio. “Os preços do cacau aumentaram 150 por cento”, queixam-se, justificando com a sua escassez nos países onde a indústria comprava e com o aumento do seu consumo.
A dupla, que vai acompanhando as tendências neste mundo através dos resultados dos concursos internacionais, não duvida que “a tendência atual é mesmo utilizar menos cacau, devido ao preço da matéria-prima”.
“Já passámos uma fase em que a tendência era trazer produtos completamente novos para o mercado, sabores improváveis dentro do cacau, mas os resultados do ano passado mostraram que as pessoas estão a voltar a valorizar os clássicos”, explica Sue, dando conta que os sabores mais requisitados à Feitoria do Cacau são o de Pastel de Nata, o de Café e o de Matcha. A tendência atual, sublinha, é utilizar ingredientes locais e levar os produtos para todo o mundo.
“Temos a sorte de ter amigos que fazem o mesmo trabalho que nós e com quem trocamos ideias quase todos os dias”, congratulam-se, considerando que “a alma do negócio não é o segredo, mas sim a partilha”.
Referindo que o Pastel de Nata é mesmo o seu chocolate mais popular neste momento, Sue e Tomoko destacam a “evolução brutal” da qualidade do chocolate nos últimos anos.
Quanto a outras marcas que as inspirem, apontam a norueguesa Fjak, a italiana Karuna e a canadiana Qantu.
“O nosso chocolate é muito diferente; não é para qualquer pessoa; é mais caro do que o que se encontra no supermercado, nem todas as pessoas o valorizam; é um novo mundo para descobrir; quem gosta de apreciar bons produtos, fica mesmo encantado”, sublinha Tomoko.
Quando são abordadas por pessoas que gostariam de ingressar nesta área de negócio, dizem-lhes que “é possível começar mesmo com pouco investimento; é preciso é ter paixão e entrega”.
“O nosso principal desafio é mesmo o preço; levar as pessoas a valorizar o trabalho artesanal”, reforça Sue, acrescentando que “quando se prova, percebe-se exatamente a diferença”.
E as suas embalagens – da autoria de uma artista japonesa e inspiradas no azulejo – já foram consideradas as mais bonitas do mundo. “O mercado do chocolate bean-to-bar é muito nicho, muito fechado; exportamos para vários países, mas cada mercado é muito pequeno; então, o truque para que seja um negócio sustentável é precisamente ampliar a nossa atuação e apostar em fatores diferenciadores, como o packaging, e estas embalagens ajudaram imenso a impulsionar o nosso negócio”, congratulam-se.
A Feitoria do Cacao vende para a mercearia fina, garrafeiras, lojas em Lisboa e no Porto, e hotéis. Em Aveiro, os seus chocolates podem ser encontrados nas lojas Cais à Porta, Aveiro Emotions, Casa da Ria e A Minha Terra. As suas instalações situam-se em Salgueiro (Soza), onde fazem visitas guiadas à sua produção a pessoas de todo o país.
