Arcos. Estou debaixo de uns arcos.
Invade-me uma nostalgia apetecível e lembro-me de uma mão forte. Calejada e enorme. Segura.
O meu avô António levava-me pela mão ao barbeiro quando criança. Aqui. Precisamente debaixo destes arcos.
Lembro-me do Truta. De como nunca se ria e da unha do mindinho da mão esquerda, que era longa para usabilidades questionáveis. Discutiam sempre. Ambos do Beira-Mar. Mas um era socialista convicto e o outro era um saudosista do PPD do Francisco de Sá Carneiro. Faziam sempre as pazes quando o meu avô pagava.
Lia depois o jornal no Freitas, engraxador, e uma coluna viva das histórias de alcova aveirense. Sabia sempre quem se deitava com quem e onde.
Tudo isto nos idos de 80.
…
Ok. Arcos.
Atravesso a Ponte de Praça em direção à Rua de Coimbra, muitos chamam-lhe a Costeira, e continuo apenas mais uns metros até chegar à Rua Direita, alguns chamam-lhe Rua dos Combatentes da Grande Guerra. Denominada assim, a guerra, porque não adivinhavam 1939.
Não tinha sede. Não queria café, chá ou Porto Seco.
Mas um novo espaço, etílico no conceito e no conteúdo, seduziu-me a entrar.
Talvez uma nova história. Sempre uma possibilidade. Sempre o inesperado que é inquestionavelmente melhor que o previsível.
À porta, triunfante e imperturbável estava a Bárbara. Labrador chocolate, filha do Grizzlie, campeoníssimo norte-americano, cheio de pedigree até ao pescoço largo, que se cruzou com a Stella, uma linda cadela de Riga na Letónia.
Entro. Pedi o tal café que não queria beber, como quem paga companhia numa casa de alterne.
ELA… enorme. De tamanho e simpatia. Perguntou se o queria curto ou cheio. Era indiferente.
ELE… gigantesco. De tamanho e no sorriso fácil. Tentou convencer-me a um destilado. Respondi que era cedo. Não insistiu, educadamente.
Perguntei de onde eram. Respondeu-me após alguns hesitantes segundos e alguma vergonha no rosto e no sorriso, menos largo agora: “Somos de Aveiro”.
Perguntei: “De que Bairro? Moscovo ou São Petersburgo?”. Leningrado, respondeu, voltando a usar o sorriso largo.
Ele é o Sergei Khrestenkov e ela a Natalia Khrestenkova, e conheceram-se na Universidade de Leningrado em 1989.